A reciclagem de plásticos passa por uma expansão considerável desde 2016. Isso decorreu da ação de protagonistas como a Fundação Ellen MacArthur, a qual, no Fórum Econômico Mundial de 2016 (Suíça), chamou a atenção para a coleta e reciclagem inadequadas de plásticos e formulou a visão da economia da reciclagem em circuito fechado para polímeros, bem como pelas numerosas imagens alarmantes de rejeitos plásticos em rios, oceanos e em praias. A atualidade desse problema está intensificando os desafios que o ramo de reciclagem vem enfrentando há décadas, tais como a plena abrangência da coleta, a classificação orientada conforme o problema e a disponibilidade de grandes quantidades de produtos feitos de plástico reciclado com boa qualidade e custo.

E isso também está provocando mudanças no mercado. Os recicladores passaram a reconhecer a necessidade de uma reciclagem de alta qualidade, e os fabricantes estão desbravando as possibilidades relacionadas às matérias-primas secundárias e à necessidade de sistemas de gestão para a reciclagem em circuito fechado, enquanto consumidores cada vez mais requerem produtos sustentáveis.

A reciclagem de plásticos serve, a princípio, para manter materiais poliméricos dentro da cadeia de valor agregado. Isso reduz os altos custos decorrentes do processamento de óleo bruto para a obtenção de matérias-primas químicas básicas e novos polímeros, e, no caso da reciclagem mecânica, elimina o processo de polimerização, que consome muita energia elétrica, evitando assim a geração de substancial quantidade de equivalentes de CO2. Isso se reflete na hierarquia dos processos de reciclagem de rejeitos, a qual posiciona a reciclagem mecânica acima da reciclagem química e imediatamente abaixo da reutilização direta (ver figura no início do artigo).

Processos Físicos e Químicos na Reciclagem de Plásticos

Todos os processos de reciclagem de plásticos envolvem o pré-tratamento de rejeitos em maior ou menor grau, apesar de isso ser frequentemente associado apenas à reciclagem mecânica. O pré-tratamento consiste em etapas como trituração e classificação, com auxílio de peneiras, magnetos, unidades de correntes parasitas, mesas de separação e sensores ópticos (1,2) .

Além desses processos mecânicos executados a seco, também há a lavagem mecânica e separação por via úmida, métodos que requerem aditivos químicos, tais como sais (separação via densidade), surfactantes e álcalis, os quais atuam pela iniciação de interações superficiais, removendo sujeira, revestimentos, rótulos e/ou adesivos da superfície. Assim, não ocorre nenhum efeito químico sobre a matriz do polímero e sua estrutura permanece intacta.

Os processos de reciclagem mecânicos e os baseados em solventes são físicos por natureza. Eles promovem alteração apenas do estado físico (sólido, líquido), uma vez que a composição química do polímero permanece inalterada. Resumidamente, a reciclagem mecânica é um processo térmico de refusão no qual a resina intensamente limpa é introduzida em uma extrusora e fundida, sendo eventualmente tratada com aditivos, filtrada e então granulada.

A reciclagem à base de solventes também apresenta natureza física. Em função de sua polaridade, as moléculas do solvente interagem com as macromoléculas do polímero, formando uma solução polimérica. A purificação intensiva a nível molecular dessa solução é seguida pela precipitação do polímero, aquecimento para remover o solvente e retorno de todo o polímero para o circuito. O produto reciclado é um polímero purificado que não passou por alterações químicas durante o processo (3) .

Já a reciclagem química sempre altera a estrutura polimérica básica do plástico, produzindo moléculas menores de matéria-prima a partir da qual podem ser novamente sintetizados plásticos, aplicando-se processos químicos adicionais (figura no início do artigo). A despolimerização quebra os polímeros em monômeros, os quais são purificados e voltam ao processo de polimerização. Já a termólise gera óleos e gases que podem servir para a síntese de matérias-primas químicas para a fabricação de polímeros ou para a geração de energia. A biodegradação (ou compostagem) também consiste em uma série de processos (bio) químicos, muito embora ela não dê origem a novos produtos.

 

Etapas de processo envolvidas na reciclagem física e química: enquanto a reciclagem física processa o material de forma direta, a reciclagem química serve apenas para recuperar matérias-primas e requer uma etapa de polimerização que consome muita energia elétrica antes que elas possam ser usadas na forma de plásticos (Creacycle; gráfico: Hanser)

Reciclagem Mecânica

A qualidade do produto reciclado mecanicamente depende fortemente das tecnologias de classificação e separação de material usadas nos métodos de processamento anteriores. Quanto mais heterogêneo for o fluxo de rejeitos, pior será a qualidade. As tecnologias de condicionamento preliminares, as quais incluem produtos químicos, são essenciais para a obtenção de fluxos homogêneos e bem classificados de rejeitos.

Por exemplo, a empresa alemã Saperatec usa um líquido especial separador, à base de formulações químicas, o qual separa compósitos planos de plástico (embalagens cartonadas de bebidas, compósitos de alumínio e plástico, módulos foto-voltaicos etc.) (4) . A etapa subsequente de lavagem usa produtos químicos para remover os resíduos aderentes aos materiais já separados. O sucesso dessa tecnologia de processo depende da disponibilidade de um fluxo de entrada de rejeitos muito bem classificado.

Também são usados produtos químicos para remover tintas de impressão. Por exemplo, a startup espanhola Cadel Deinking usa um processo que remove as camadas internas de impressão e posteriormente são separados os diversos tipos de plástico, processo que também é usado para a remoção ou tratamento de etiquetas (1) . A qualidade do produto reciclado resultante é melhorada pela pigmentação e reestabilização. São usados agentes compatibilizantes para se obter uma mistura homogênea de polímeros (2) . Frequentemente, o produto reciclado apresenta qualidade inferior caso o uso de produtos químicos seja insuficiente no caso de materiais compósitos ou de rejeitos contaminados. Exemplos são as misturas de poliolefinas obtidas a partir de rejeitos pós-consumo de embalagens ou poliestireno proveniente da reciclagem de caixas para acondicionamento de peixes, que apresentam forte odor(2) .

Na prática, é a chamada reciclagem “garrafa-para-garrafa” (bottle to bottle) que gera produtos reciclados de boa qualidade, porque as frações de rejeitos são facilmente classificáveis e muito bem separadas. Esses rejeitos passam por lavagem em múltiplos estágios, que é altamente efetiva, usando produtos químicos, tais como hidróxido de sódio (NaOH) e surfactantes. O grau de limpeza é alto a ponto de permitir que as garrafas feitas em poli (tereftalato de etileno) (PET) e as feitas em polietileno de alta densidade (PEAD) sejam recicladas para a fabricação de produtos com boa qualidade(5). O PET reciclado pode ser reutilizado em aplicações envolvendo contato direto com alimentos, e pode ser inserido em ciclo fechado(6) .

Fig. 1 – Hierarquia das oito classes de rejeitos modificada, de acordo com a DEFRA 2011 (13) (Fraunhofer IVV; gráfico: Hanser)

Reciclagem à Base de Solvente (Dissolução)

A reciclagem de plásticos baseada em solventes é um método aplicado desde 1960, mas que ainda não está presente de forma ampla no mercado. A explicação para esse fato é, por um lado, os maiores investimentos e custos desse processo em comparação com os relativos à reciclagem mecânica e, por outro, o fato de que é mais barato incinerar ou exportar rejeitos plásticos. Os recentes trabalhos feitos nesse sentido, e especialmente a demanda tanto por tecnologias para a reciclagem de rejeitos complexos como para a obtenção de produtos reciclados com boa qualidade, sugerem que essa tecnologia promissora está prestes a ser amplamente utilizada. Entre 2002 e 2018, compósitos de poli(cloreto de vinila) (PVC) e PVC plastificado, provenientes em sua maioria do setor de construção civil, foram reciclados usando o processo Vinyloop da Solvay na maior planta que utiliza essa tecnologia (Itália), com capacidade para processar cerca de 10.000 t/ano.

A alemã APG AG usa processos à base de solvente para a reciclagem de polietileno (PE) e poliamida (PA) presentes em rejeitos pós-industriais de compósitos para embalagens e pode processar estruturas complexas, tais como filmes com múltiplas camadas e embalagens carto-

nadas. Sua planta possui capacidade produtiva de cerca de 10.000 t/ano.

O processo CreaSolv, desenvolvido pelo Instituto Fraunhofer para Engenharia de Processos e Embalagens (Fraunhofer-Institut für Verfahrenstechnik und Verpackung, IVV), na Alemanha, atende a uma variedade maior de aplicações de polímeros. Ele utiliza as formulações CreaSolv fornecidas pela também alemã Creacycle GmbH para dissolver seletivamente polímeros a partir de misturas de rejeitos e compósitos encontrados em diferentes aplicações, tais como poliolefinas, poliestireno (PS) e PET, bem como em embalagens, copolímeros de estireno presentes na sucata de aparelhos elétricos, poliestireno expandido (EPS) em materiais isolantes (7), ou polímeros de engenharia como poliamidas e poli(tereftalato de butileno) (PBT) presentes em rejeitos pós-industriais de compósitos (8) .

Em 2019 a Unilever (Indonésia) iniciou trabalhos em uma planta industrial que utilizava o processo CreaSolv para a reciclagem de polímeros presentes em rejeitos de embalagens feitas com filmes com múltiplas camadas(9) . À época, uma planta-piloto com menor porte encontrava-se em construção na cidade de Neunburg vorm Wald (Alemanha). A cooperativa europeia PolystyreneLoop iniciou a construção de uma planta de demonstração com capacidade para reciclar 3.300 t/ano de materiais para isolamento à base de EPS, separando o aditivo retardante de chama hexabromociclododecano (HICBDD), o qual é classificado como poluente orgânico persistente (Persistent Organic Poluent, POP), para então reciclar fisicamente o poliestireno. De acordo com o Anexo IV A da Convenção da Basiléia, esta é uma tecnologia D9 (tratamento físico-químico) e facilita a produção posterior de EPS reciclado isento de poluentes orgânicos persistentes. Uma análise de ciclo de vida conduzida pelo serviço independente de inspeção da TUV Rheinland mostrou que o processo CreaSolv excedeu o cenário de referência para recuperação térmica, com emissões de gases que causam efeito estufa reduzidas em 47% e consumo 51% menor de matérias-primas fósseis(10) .

O processo PureCycle da Procter & Gamble tem como foco a reciclagem de polipropileno (PP). Ele dissolve o PP presente em rejeitos de compósitos, tais como tapetes descartados ou embalagens, e efetivamente produz graus de produtos incolores e inodoros.

Reciclagem Química

A solvólise constitui o primeiro grupo de processos de reciclagem química: permite a obtenção de monômeros usando álcoois, álcalis, ácidos e aminas para reverter a reação de condensação empregada na síntese de polímeros, tais como PET, PA, policarbonato (PC) e poliuretano (PU) (11). Um controle de processo adequado permite que eles sejam obtidos com alto nível de pureza e incorporados no estágio de policondensação da produção de material virgem. Porém, a reação de “reversão” impõe altas demandas quanto à pureza do rejeito plástico a ser processado, uma vez que reações secundárias com policondensados estranhos pode afetar a pureza dos monômeros obtidos. A Aquafil S.p.A (Itália) comissionou uma planta para reciclagem de PA6 a partir de rejeitos de tapetes nos Estados Unidos, em 2019. O consórcio Demeto constitui um bom exemplo entre as múltiplas atividades relacionadas à reciclagem química em andamento, com o desenvolvimento de uma planta expansível para síntese de etileno glicol e tereftalato baseada na hidrólise auxiliada por microondas. A Rampf Eco Solutions GmbH & Co. KG (Alemanha) oferece engenharia de equipamento e prestação de serviços relacionados à reciclagem química de PU(12).

A termólise (pirólise, termocatálise, hidrocatálise e gaseificação), por sua vez, envolve o uso de temperaturas acima de 300 °C e é principalmente usada para converter rejeitos ricos em poliolefinas em misturas de hidrocarbonetos. A pirólise e a termocatálise ocorrem sob a ação de gás inerte, sendo o último processo realizado com o auxílio de catalisadores que restringem consideravelmente o espectro complexo dos produtos obtidos por pirólise. Este princípio foi aplicado pela primeira vez, por exemplo, pela empresa Quantafuel (Dinamarca) e se esperava que ela estivesse processando 18.000 t/ano de rejeitos plásticos em 2020.

A hidrocatálise usa adicionalmente hidrogênio gasoso para gerar hidrocarbonetos com cadeia curta e saturados, de forma ainda mais seletiva, enquanto a gaseificação oxida os rejeitos plásticos em oxigênio ou ar sob pressões entre 10 a 90 bar e sob temperaturas entre 700 e 1600°C para obter gás de síntese (uma mistura contendo principalmente hidrogênio e monóxido de carbono), a qual pode ser posteriormente processada para metanol e, subsequentemente, poliolefinas. Porém, essa última tecnologia somente é efetivamente econômica em escalas superiores a 100.000 t/ano.

A termólise de poliestireno constitui um caso à parte, uma vez que nesse processo, sob condições especiais, é possível obter monômero de estireno, um processo estudado pela Ineos Styrosolution Köln GmbH dentro do projeto de pesquisa alemão Resolve. Nos Estados Unidos, essa empresa e a Agilyx iniciaram projetos de plantas com capacidade para processar até 100t/dia de rejeitos de poliestireno.

Conclusão

Etapas físicas e químicas dominam a reciclagem de plásticos. Porém, o termo “reciclagem química” tecnicamente só se aplica aos processos que geram matérias-primas químicas ou monoméricas e as polimerizam como plásticos. Se esse não for o caso, o processo é chamado de recuperação de matéria-prima. Assim, esses processos diferem substancialmente da reciclagem mecânica e da baseada em solventes (dissolução) de plásticos, as quais não alteram a estrutura molecular do polímero e permitem a reutilização na aplicação original ou em outra similar. É por isso que os processos de reciclagem química não são atualmente considerados nos cálculos das taxas de reciclagem, de acordo com a legislação alemã sobre embalagens.

De acordo com um estudo feito pela Conversio em 2018, cerca de 6,2 milhões de toneladas de rejeitos plásticos são gerados na Alemanha a cada ano, a partir dos quais são produzidas em torno de 1,8 milhão de toneladas de plásticos reciclados. As expansões de capacidade planejadas para os processos de reciclagem de plásticos mencionados neste trabalho agregam um valor bem menor do que as 4,4 milhões de toneladas que ainda não são processadas, o que resulta no fato de que volumes de rejeitos geralmente não constituem restrição para a operação das plantas. Porém, é importante notar que uma situação competitiva poderá vir a surgir no futuro, especialmente no caso dos rejeitos de plásticos poliolefínicos, uma vez que atualmente eles são usados nas tecnologias de reciclagem mecânica e nas baseadas em solventes, e também serão usados nos processos de reciclagem química. Uma vez que as plantas para reciclagem química frequentemente são projetadas com capacidades muito altas, espera-se que essas tecnologias se tornem mutuamente excludentes dentro de uma mesma área de coleta. Se não, elas se tornarão um obstáculo no caminho do aumento da taxa de reciclagem.

Portanto, no futuro, essas tecnologias não apenas coexistirão, mas também serão combinadas de forma vantajosa. A reciclagem mecânica pode ser usada para rejeitos menos desafiadores. Os volumes remanescentes após a fase de classificação serão tratados pela reciclagem à base de solventes (dissolução) e/ou reciclagem química. O excesso de energia recuperada pela reciclagem química pode ser usado diretamente na reciclagem mecânica. Isso consta como um dos estudos encabeçados pelo Grupo de Excelência para a Economia Circular dos Plásticos (CCPE) dentro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A lista de referências bibliográficas referentes a este artigo pode ser encontrada no seguinte endereço da internet: www.kunststoffe-international.com/2020-05


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