Com a publicação do projeto da portaria da União Europeia sobre veículos em fim de vida, em julho de 2023, foi dado um passo decisivo em direção à economia circular no setor automotivo. O projeto prevê uma cota de material reciclado pós-consumo (PCR) igual a 25% que será usado na fabricação de peças para veículos, sendo ele proveniente de processos de circuito fechado, ou seja, proveniente da reciclagem de veículos em fim de vida.
A necessidade de soluções sustentáveis para o plástico cresce de forma contínua. Desencadeada pelos desafios globais da crise climática e pelas condições de enquadramento político dela derivadas, tais como o Acordo Verde da União Europeia, ela fez surgir a necessidade de a indústria definir metas correspondentes para redução das emissões de CO2. Muitos gases causa dores do efeito estufa, como o metano ou o óxido nitroso, liberados pelos processos industriais, muitas vezes são mais prejudiciais do que o CO2 puro. Seus efeitos prejudiciais ao clima são convertidos nos chamados equivalentes de CO2 (CO2 e). Neste estudo as menções às emissões de CO2 se referem aos equivalentes de CO2 calculados.
A redução das emissões de CO2 está firmemente incorporada às respectivas estratégias corporativas como prioridade. A empresa Robert Bosch GmbH pretende ser pioneira na proteção climática. Desde 2020 a Bosch é a primeira empresa industrial global a ser neutra nas suas emissões de Escopo 1 e Escopo 2. Até 2030, as emissões do Escopo 3 deverão ser reduzidas em 15% (assumindo-se o ano base de 2018) (figura 1).
Da bateria de partida ao invólucro do sensor: a Bosch conseguiu reutilizar plásticos de baterias devolvidas (Bosch)
Metas de redução de CO2
As atividades a jusante incluem principalmente as emissões que resultam do uso de produtos como, por exemplo, combustível e eletricidade. Algumas das emissões só podem ser influenciadas indiretamente. Só os fabricantes de automóveis podem exercer uma influência direta como, por exemplo, aumentando a eficiência dos seus veículos. Para alcançar esses objetivos, também devem ser reduzidas as emissões de gases causadores do efeito estufa nos processos anteriores. Uma visão geral dos objetivos dos fabricantes de automóveis é mostrada na figura 2 (situação referente a 2021).
Fig. 1 – Distribuição das emissões de CO2 : a Bosch é neutra em CO2 desde 2020 (Escopos 1 e 2). Fonte: Bosch; gráficos: Hanser
Fig. 2 – Visão geral das metas de emissão de CO2 de vários fabricantes de equipamentos originais (OEM) para atividades a montante no Escopo 3 (fonte: Bosch; gráfico: Hanser)
Fig. 3 – Substituição sustentável de materiais. Comparação da pegada de CO2 de diferentes materiais (valores médios em 2021 – últimas tendências e otimizações de fabricantes de materiais não foram levadas em consideração) e visão geral do uso de diferentes tipos de plásticos na Bosch (fonte: Bosch; gráfico: Hanser)
Foram desenvolvidas estratégias de compras adequadas, as quais levam em conta as metas de redução definidas ao longo de toda a cadeia de valor e que também são repassadas aos fornecedores. Mais detalhada mente, isso é feito pela definição de especificações como, por exemplo, a proporção das matérias-primas primárias sus tentáveis (de origem biológica, recicladas quimicamente) ou secundárias (materiais reciclados) que serão usadas. O foco também se concentra na pegada máxima de CO2 dos materiais (Material Carbon Footprint, MCF) que são usados nos componentes fabricados.
Muitas evoluções ocorreram ao longo dos últimos anos. Em bora o uso de materiais reci clados tenha sido efetivamente excluído das especificações dos fabricantes de automóveis até 2019, essas, agora, incluem requisitos gerais para a utilização de até 100% de materiais reciclados. Caso a utilização de material reciclado não seja pos sível por motivos técnicos, tal condição deverá ser comprovada pelo fornecedor.
Competição pelo fornecimento de materiais reciclados
Essa situação faz com que haja disputa para fornecer mate riais reciclados adequados. A questão da disponibilidade surge especialmente com os plásticos de engenharia. Os reciclados pós-industriais frequentemente apresentam qualidade muito alta, mas são limitados em quantidade, o que significa que as altas quotas de reciclagem exigidas pelos fornecedores de equipamento original (OEM) dificilmente poderão ser cumpridas de forma duradoura. Plásticos de engenharia como PA ou PBT dificilmente estão disponíveis na forma de materiais reciclados pós-consumo porque, ao contrário dos plásticos para embalagens, quase não existem ciclos de reciclagem estabelecidos para essas resinas. Os plásticos podem contribuir significativamente para a redução das emissões de gases, reduzindo consistentemente o peso dos componentes dos veículos. O desafio aqui consiste em minimizar a pegada de CO2 de um produto por meio de medidas específicas.
Este estudo aborda principalmente as possibilidades para plásticos sustentáveis. Há essencialmente três importantes direções estratégicas a serem mencionadas aqui. Além do uso de materiais reciclados, está inclusa a adoção de plásticos com origem não fóssil. Esses incluem materiais com origem biológica e balanceados em biomassa, visando, acima de tudo, a substituição sustentável de materiais, em que os plásticos com a menor pegada de carbono (MCF) possível são especificamente selecionados no processo de desenvolvimento do produto. Particularmente para produtos já estabelecidos no mercado, muitas vezes pode ser obtida uma redução significativa na pegada de carbono do produto (PCF) ao desenvolver uma geração subsequente, substituindo materiais estabelecidos por outros com menor pegada de carbono (MCF). A seguir são apresentadas duas aplicações, cujo desenvolvimento seguiu os princípios anteriormente descritos, indicando o potencial para redução das emissões de CO2 .
Fig. 4 – Substituição sustentável de materiais em cooperação com Lyondell-Basell e Audi AG usando como exemplo uma hélice para ventoinha (fonte: Bosch; gráficos: Hanser
Substituição sustentável de materiais
A pegada de CO2 de um produto pode ser diminuída pela seleção de materiais. A fabricação de componentes complexos da Bosch requer o uso de uma alta proporção de plásticos de engenharia, tais como polia midas. Esses materiais geralmente apresentam uma pegada de CO2 maior do que a das poliolefinas, por exemplo (figura 3). A Robert Bosch GmbH processa anualmente mais de 142.000 toneladas de plástico. Mais de 80% desse volume corresponde a plásticos de engenharia e mais de 50% a poliamidas. O potencial para a redução nas emissões de CO2 pela seleção de materiais apropriados torna-se óbvio.
Naturalmente, isso só será possível se os requisitos do produto forem atendidos. A mudança do tipo de polímero nem sempre é possível quando as temperaturas envolvidas na aplicação são muito altas. No setor automotivo a mudança rumo à eletromobilidade oferece um potencial adicional, uma vez que as solicitações impostas pelas altas temperaturas e presença de fluidos são significativamente reduzidas.
Outra frente surge devido às múltiplas abordagens de otimização na indústria química, especialmente na síntese de plásticos. Os valores de pegada de carbono constantes (figura 3) foram extraídos dos “Ecoprofiles” da PlasticsEurope. Eles representam os valores médios para os respectivos materiais e ainda não levam em consideração as últimas inovações feitas por alguns fabricantes de materiais. Graças a abordagens adequadas (mudança para energias renováveis, sistemas de redução de óxido nitroso, uso de biogás e, no futuro, também a captura de CO2 ), alguns graus de plástico já se encontram no mercado, especialmente plásticos de engenharia que antigamente eram bastante críticos, cuja pegada de carbono (MCF) pôde ser significativamente reduzida. Futura mente, pode-se esperar progressos adicionais nesta área, razão pela qual a análise rotineira do mercado deve ser uma parte essencial dentro do processo de seleção de materiais.
Fig. 5 – Sensor ultrassônico da Bosch (Bosch)
Novos materiais, redução de peso e melhores propriedades acústicas
Um exemplo de substituição bem-sucedida de material: hélice da ventoinha (figura 4) desenvolvida para o veículo Q6 e-tron da Audi AG, lançado em 2024. No passado, ventiladores axiais com mesma potência eram feitos com poliamida reforçada com fibra de vidro devido às altas solicitações mecânicas decorrentes das altas forças centrífugas que surgem durante seu funcionamento. Em parceria com a fabricante de resinas LyondellBasell foi possível, pela primeira vez, criar uma hélice desse tipo feita de PP-GF, reforçada com fibras de vidro e resistente à fluência (série Advanced-Copo), com um aro circunferencial para direcionamento do ar. Além do desenvolvimento do novo material, foram necessários ajustes no projeto. Por um lado, as tensões na área das linhas de união foram otimizadas ajustando-se adequadamente o alinhamento das pás do ventilador. Por outro, a introdução no projeto de nervuras de suporte no aro do ventilador permitiu obter uma redução adicional e significativa das cargas nas linhas de união.
O peso do componente foi reduzido em 20% e as propriedades acústicas foram melhoradas em 10 dB(A). Simultaneamente, a pegada de CO2 foi reduzida em 72%. A Lyondellbasell agora também oferece o grau desenvolvido resistente à fluência balanceado em biomassa, de modo que a pegada de CO2 poderia, teoricamente, ser reduzida ainda mais. Esse conceito foi premiado com o segundo lugar no SPE Automotive Award 2022, na categoria “Nova mobilidade”, instituído pela Sociedade Internacional de Tecnologia de Plásticos/SPE Europa Central.
Reciclagem em circuito fechado: da bateria de partida ao sensor
A reciclagem constitui uma tecnologia fundamental para os plásticos sustentáveis, especialmente se for possível criar uma economia circular em que o impacto no clima seja o mais baixo possível e isso não apenas no contexto da nova diretriz para veículos em fim de vida (End of Life Vehicles, ELV). A reciclagem mecânica de resíduos pós-consumo é uma boa solução devido às suas baixas emissões de gases, mas chega rapidamente aos seus limites quando se trata de componentes tecnicamente sofisticados. Os altos requisitos em relação às propriedades, qualidade e disponibilidade dos materiais são apenas alguns dos desafios. A Bosch trabalha e desenvolve estudos nessas áreas para poder estabelecer materiais sustentáveis no maior número de aplicações possível. O invólucro de um sensor ultras sônico montado no parachoque (figura 5) pode ser feito com PP GF em vez de PBT-GF (ambas resinas reforçadas com fibras de vidro) e com uma pegada de CO2 significativamente menor. Os sistemas de assistência ao condutor são relevantes para a segurança porque, em caso de avaria, podem ocorrer danos aos transeuntes. Assim, o invólucro do sensor deve apresentar alta confiabilidade durante a vida útil do veículo. Com o objetivo de substituir o material de forma sustentável, em uma primeira etapa a resina da série original PBT-GF foi substituída por material virgem PP GF. Isso levou à redução das emissões de CO2 em 44%. O próximo passo consistiu no uso de um material reciclado pós-consumo (PCR), à base de PP-GF, que já se encontrava em desenvolvimento. O objetivo aqui é identificar uma fonte adequada de suprimento de resina reciclada com qualidade e disponibilidade suficientes. A Bosch aliou-se a um parceiro externo especializado na reciclagem de baterias de partida para desenvolver esses materiais.
Fig. 6 – Sequência básica de cooperação no desenvolvimento de materiais com um parceiro externo (fonte: Bosch; gráficos: Hanser)
Além do chumbo, que também é reciclado, obtém-se copolímero de PP relativamente puro, não reforçado, a partir dos invólucros das baterias sucateadas. A partir desse material-base foi desenvolvido, no centro de pesquisa e desenvolvimento avançado da Robert Bosch GmbH (Alemanha), um plástico de engenharia reforçado com fibras de vidro, PP-GF, utilizando aditivos adequados. Essa formulação contém diversos estabilizantes, pigmentos colo ridos e materiais para reforço. Ela passou a ser produzida em grande escala e agora se encontra disponível como material de série. Além disso, essa formulação consiste em um material 100% em “laço-fechado”, de acordo com a nova diretriz de veículos em fim de vida (ELV) (figura 6). Esse material reciclado pós consumo está sendo usado na fabricação de novos invólucros de sensores experimentais (foto no início do artigo).
As emissões reduzidas correspondem a 4,4 milhões de quilômetros
Foi feita uma análise sobre a energia necessária para o processamento e o cálculo da pegada de carbono para essa resina pós consumo reciclada. Para deixar clara a influência real da substituição e uso de material reciclado pós-consumo (PCR), foram plotadas as emissões de CO2 calculadas ao longo de toda a vida útil do produto em relação ao número previsto de peças, para cada variante de material usada no invólucro. Os resultados dessa análise são mostrados na figura 7. Em média, é possível reduzir anualmente 820 toneladas de CO2 emitido pelo uso de PP reciclado em vez de PBT virgem. Isso corresponde às emissões geradas por um carro médio que percorreu aproximadamente 4,4 milhões de quilômetros.
Fig. 7 – Visão geral das emissões de CO2 ao longo da vida útil do produto para diferentes conceitos de materiais (fonte: Bosch; gráficos: Hanser)
Parachoques recicláveis
Olhando todo o panorama de forma holística, o uso de PP na fabricação de parachoques tem um valor agregado adicional: como os parachoques em si também são feitos de PP, aqui o conceito de circularidade fica completo. Isso significa que, no futuro, todo o sistema poderá ser desmontado e reciclado, não sendo necessária nenhuma etapa complexa de separação de materiais. Atualmente, as etapas de separação frequentemente inviabilizam a recuperação total de materiais valiosos devido à presença de frações de materiais mistos que não podem ser separados e que, por isso, já não permitem qualquer aplicação técnica ou até mesmo nenhuma utilização.
Conclusão
O contexto das futuras quotas de reciclagem impõe que a abordagem da substituição sustentável de materiais não deve ser negligenciada. Em certos casos, essa medida pode até ser mais eficaz na redução das emissões de CO2 do que o uso de mate riais reciclados. A disponibilidade de materiais reciclados pós-consumo (PCR) com alta qualidade para plásticos de engenharia constitui um de safio. Neste caso específico, a reciclagem química poderá se tornar mais importante. Simultaneamente, muitas soluções inovadoras já se encontram no mercado ou em desenvolvimento, desde resinas com origem biológica até a utilização de CO2 como matéria prima para a síntese de plásticos.
Provavelmente, a exigência de utilização de materiais reciclados em circuito fechado, provenientes de veículos em fim de vida, será particularmente desafiadora. Os atuais processos de trituração e a grande variedade de materiais existentes tornam quase impossível efetuar reciclagem com alta qualidade. Uma fragmentação prévia mais intensa torna-se necessária para garantir a pré-seleção do mate rial no nível do componente e, assim, melhorar a uniformidade da resina reciclada.
Atualmente, há uma carência de conhecimento sobre as características que os materiais plásticos apresentam ao final da sua vida útil, e até que ponto eles são adequados para utilização posterior. A degradação e contaminação dos materiais com uma ampla variedade de fluidos durante a fase de utilização requer processos de reciclagem especificamente desenvolvidos. Estes temas terão de ser objeto de futuras atividades de pesquisa e desenvolvimento, tanto no meio acadêmico como na indústria
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