Quase um quarto das cerca de 367 milhões de toneladas de resinas produzidas atualmente a cada ano é processado por moldagem por injeção, o que representa uma das áreas de aplicação mais importantes (1). Por exemplo, cerca de 70% das empresas globais de transformação de plásticos usam a moldagem por injeção(2). Devido aos esforços para tornar os componentes plásticos e sua produção mais amigáveis ao meio-ambiente – eles estão expressos, por exemplo, nas estratégias para os plásticos da Comissão Europeia(3), do Pacto Ecológico Europeu(4) e da Agenda das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável(5) –, o tema da sustentabilidade está cada vez mais se deslocando para a indústria. As principais abordagens para tornar a produção mais sustentável consistem no aumento do uso de materiais reciclados e de matérias-primas com origem biológica, bem como na redução das demandas energéticas e da fração de rejeitos. Por exemplo, em 2021 o uso de resinas recicladas pós-consumo na Europa aumentou 20% em comparação com o ano anterior, de modo que 9,9% dos plásticos processados (55,6 Mt) consistiam em material reciclado(6).
Trecho do script Python que registra as variáveis de processo relevantes pela interface definida conforme o padrão de Arquitetura Unificada para Plataforma Aberta de Comunicações (OPC UA) (IfW)
Dentre os desafios importantes que o aumento do uso de materiais reciclados na moldagem por injeção traz consigo estão as flutuações no processo e na qualidade dos componentes, que são causadas, entre outras coisas, por propriedades inconsistentes da matériaprima. Mesmo no caso de material reciclado com qualidade uniforme, ainda se obedece à diretriz que estabelece que apenas um máximo de 5% de material reciclado pode ser adicionado de forma incondicional(7). Caso contrário, tolerâncias rígidas na precisão dimensional não poderão mais ser garantidas, especialmente na produção de componentes técnicos. No futuro, a inteligência artificial, na forma de gêmeos digitais, vai monitorar e ajustar continuamente a moldagem por injeção, de maneira a compensar as flutuações.
Um gêmeo digital desse tipo foi desenvolvido em estreita cooperação entre os Departamentos de Tecnologia de Plásticos e de Metrologia e Tecnologia de Controle da Universidade de Kassel, como parte de um projeto de pesquisa e transferência de tecnologia. O objetivo do projeto “Gêmeo digital da moldagem por injeção” (Digital Twin of Injection Molding, DIM) foi proporcionar vantagens competitivas, especialmente para empresas de pequeno e médio porte, permitindo-lhes criar gêmeos digitais dos seus sistemas de produção e usá-los para otimizar seus processos de fabricação. Para tanto, todas as etapas de desenvolvimento foram documentadas detalhadamente e apresentadas em diversos eventos para transferência de tecnologia.
O gêmeo digital é constituído por uma representação digital do processo físico, baseada em dados, e pode usar modelos de aprendizagem de máquina apropriados para prever a qualidade da peça final com base em dados de processo. Ao comparar a previsão feita com os parâmetros de qualidade reais, os modelos digitais são continuamente treinados para que influências no processo que eram originalmente desconhecidas possam ser levadas em consideração.
Registro de dados relevantes do processo
Os protocolos de comunicação padronizados desempenham um papel crucial no contexto da Indústria 4.0 para viabilizar a transferência de dados entre diferentes dispositivos e servidores(8). Por exemplo, no caso das injetoras, foi estabelecido um padrão de comunicação desenvolvido pela Confederação da Indústria Europeia de Máquinas para Plásticos e Borracha (Euromap), baseado na interface de Arquitetura Unificada para Plataforma Aberta de Comunicações (Open Platform Communications Unified Architecture, OPC UA). Usando esse padrão, foi desenvolvido dentro do projeto DIM um script Python que registra os dados do processo relevantes para o gêmeo digital e os arquiva de maneira relacionada ao ciclo. A funcionalidade geral do script é baseada no fato de que um chamado sinal de disparo (aqui: movimento do molde) é monitorado e uma lista específica de variáveis de processo é consultada assim que este sinal atinge um valor especificado.
Assim, para a operação em tempo real do gêmeo digital, todas as variáveis de configuração relevantes para a qualidade (valores como, por exemplo, da vazão volumétrica de injeção, temperaturas do canhão ou perfis de pressão de compactação), bem como as variáveis de processo resultantes (valores reais como pressões, tempos ou posições), são registradas para cada ciclo da máquina (figura 1). Embora algumas dessas variáveis estejam disponíveis na forma de valores escalares, para outras variáveis características é necessário dispor de séries temporais completas. Isso inclui, entre outras coisas, a curva de pressão de injeção resultante ou a evolução de volume da rosca. As evoluções ao longo do tempo da pressão interna e da temperatura da parede do molde também foram registradas usando um sensor combinado de pressão e temperatura integrado à cavidade.
Fig. 1 – Depois que o sinal de disparo (aqui, a abertura do molde) é obtido, todas os parâmetros de ajuste e de processo resultantes são exportados na forma de valores individuais e de sequências conforme o padrão OPC UA, e armazenados em um banco de dados (Fonte: IfW; Gráfico: Hanser)
Construindo uma célula para medição da qualidade
O controle indireto da qualidade é uma prática comum na moldagem por injeção, na qual se faz o controle das variáveis da máquina ou do processo que se correlacionam com a qualidade do componente(9). Entretanto, a moldagem por injeção é influenciada por inúmeros fatores de perturbação não mensuráveis que influenciam o desempenho da máquina. Portanto, parâmetros de processo idênticos não levam a evoluções idênticas de processo e não levam à produção de componentes com níveis idênticos de qualidade. O gêmeo digital deve proporcionar suporte por sugestões de ajustes na definição dos parâmetros do processo, de maneira que seja obtido o nível de qualidade desejado. Para poder considerar influências disruptivas, os parâmetros da qualidade previstos devem ser continuamente comparados com os valores reais, e os modelos de aprendizagem de máquina (ML) devem ser retreinados com base nos desvios observados.
As características dos componentes produzidos no projeto DIM usando o equipamento experimental (modelo Allrounder 470 S da Arburg) foram determinadas de maneira sincronizada com o ciclo, usando uma célula de medição da qualidade constituída por uma balança de laboratório (modelo Entris II da Sartorius) para determinação do peso do componente, e um projetor de medição digital (modelo IM-7020 da Keyence), a qual determina diversos diâmetros, distâncias e tolerâncias geométricas de posição (figura 2).
Fig. 2 – Tampas com garantia de inviolabilidade, produzidas no equipamento experimental, foram medidas a cada ciclo na célula de medição da qualidade (IfW)
Treinamento dos modelos para aprendizagem de máquina
Para treinar os modelos para aprendizagem de máquina, em primeiro lugar deve ser coletado o maior conjunto de dados possível, incluindo tantos efeitos principais e interações entre os parâmetros de ajuste do processo quanto possível. No projeto DIM foi definido um planejamento de experimentos fatorial completo, composto por oito parâmetros. Com base nesses dados, diversas estruturas de modelos foram treinadas e comparadas de acordo com a chamada taxa de melhor ajuste (best fit rate, BFR). De acordo com as variáveis de entrada do modelo, as abordagens podem ser divididas em três categorias:
Modelos estáticos: além dos valores desejados, variáveis estáticas do processo (por exemplo, a pressão máxima na cavidade), que são determinadas a partir das curvas de variáveis do processo, também são usadas para calcular a qualidade (regressão polinomial ou perceptron com múltiplas camadas);
Modelos dinâmicos: redes neurais recorrentes calculam a qualidade com base em todas as séries temporais de variáveis do processo.
Como já era esperado, foi demonstrado que os modelos dinâmicos obtêm valores mais altos da taxa de melhor ajuste e podem, portanto, representar melhor a realidade (figura 3). Mas os modelos estáticos, especialmente o perceptron com múltiplas camadas, também mostraram resultados apenas ligeiramente piores que os modelos dinâmicos. Como também requerem tempos de computação significativamente mais curtos, são mais adequados para a operação em tempo real do gêmeo digital.
Fig. 3 – A comparação da melhor taxa de ajuste obtida pelos diferentes modelos mostra que os modelos dinâmicos, que usam séries temporais inteiras como variáveis de entrada, podem representar melhor a realidade. Mas os modelos estáticos (perceptrons com múltiplas camadas) também obtiveram taxas de melhor ajuste com valores muito altos (Fonte: IfW; Gráfico: Hanser)
Embora o gêmeo digital pré-treinado receba os novos dados da máquina e do processo após cada ciclo de moldagem por injeção e os use para prever a qualidade do componente, ele compara essa previsão com as variáveis de qualidade efetivamente medidas e se retreina com base no erro então observado. Assim, ele aprende a descrever o processo de maneira cada vez melhor ao longo do tempo. Pela retropropagação o gêmeo digital também pode calcular as configurações ideais da máquina para uma característica de qualidade desejada.
Validação do gêmeo digital usando cenário desconhecido
A funcionalidade do gêmeo digital foi testada detalhadamente em vários estudos de caso. Em um deles (figura 4), houve a incorporação ao processo de 20% de resina reciclada a partir do ciclo 22. Como o gêmeo digital não tinha conhecimento sobre as diferentes propriedades desse material, ele inicialmente não conseguiu prever o desvio ocorrido no peso do componente, o que refletiu na diferença entre a qualidade medida e calculada e no valor da melhor taxa de ajuste (BFR). Após o primeiro retreinamento (ocorrido no ciclo 43), essa taxa aumentou novamente e o peso do componente obtido foi previsto com maior precisão.
Fig. 4 – A partir do ciclo 22 passou-se a incorporar 20% de material reciclado ao processo – e o gêmeo digital não mais conseguiu prever o peso do componente. O duplo retreinamento (linhas verticais em cinza) e o reajuste dos ajustes do processo (linhas verticais verdes) fizeram com que o peso desejado fosse novamente obtido de acordo com as sugestões do gêmeo digital (Fonte: IfW; Gráfico: Hanser)
Para obter uma peça com peso de 8,19 g o gêmeo digital calcula ajustes nas variáveis de ajuste, considerando as condições de adaptação recém-aprendidas nos parâmetros de ajuste. Após alterar os valores desejados de acordo com a orientação do gêmeo digital (no ciclo 48), o peso do componente mudou, mas o valor desejado ainda não foi obtido. Somente após novo retreinamento (no ciclo 66) e novo ajuste das variáveis de ajuste (no ciclo 71) o valor desejado seria obtido.
Este cenário ilustra muito bem a importância do retreinamento, pois só assim o peso desejado poderia ser conseguido, apesar da influência externa desconhecida. O ideal é que os modelos dos gêmeos digitais sejam retreinados após cada ciclo da máquina, mas isso não foi feito neste estudo para mostrar mais claramente o efeito do retreinamento e do ajuste do processo.
Agradecimentos
Os autores gostariam de agradecer ao estado alemão de Hesse pelo apoio e promoção do projeto “Gêmeo digital da moldagem por injeção ” (Digital Twin of Injection Molding”, FKZ: 0107/ 20007409). O projeto também foi financiado pelo Fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional (Europäischer Fonds for regionaler Entwicklung, EFRE). Os agradecimentos são também estendidos ao Departamento de Engenharia de Medição e Controle da Universidade de Kassel, por sua intensa colaboração no projeto da criação do gêmeo digital.
Serviço
Uma descrição mais detalhada do estudo de caso, em formato de vídeo, pode ser encontrada no endereço eletrônico www.uni-kassel.de/ go/DIM). Todos os documentos apresentados e os workshops realizados, bem como as diretrizes que descrevem as etapas de desenvolvimento necessárias para criar um gêmeo digital, também se encontram disponíveis gratuitamente.
Referências bibliográficas
As referências bibliográficas mencionadas neste artigo podem ser encontradas na página www.kunststoffe.de/onlinearchiv
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