A sustentabilidade tem se tornado um pré-requisito para a aquisição de alguns produtos. Devido a isso, indústrias de diferentes setores têm buscado remodelar as etapas de sua cadeia produtiva. No setor de embalagens, por exemplo, é visível a mudança de cenário, já que um grupo crescente de empresas tem buscado alternativas de menor impacto ambiental para a comercialização de seus produtos. As matérias-primas de embalagens biodegradáveis e compostáveis podem ser provenientes de recursos renováveis e não renováveis, como pode ser observado na figura 1, e suas características químicas podem alterar sua interação com o meio em que estão inseridas. Biofilmes biodegradáveis e compostáveis, por exemplo, podem se degradar completamente em até seis meses.

Fig. 1 – Comparação entre plásticos convencionais e bioplásticos de

acordo com sua origem e degradação

Essas soluções podem ser integradas em um modelo de economia circular, onde as embalagens são concebidas para serem compostadas, em vez de serem descartadas como resíduos. Porém, a produção de bioplásticos não representa nem 1% da produção mundial de plásticos (1), uma realidade que precisa mudar, pois a oferta atual é insuficiente para atender à demanda de clientes atraídos pela redução da pegada de carbono e/ou pela biodegradabilidade desses materiais. É necessário incentivar a produção de bioplásticos para que este setor gere massa crítica para influenciar na melhoria da infraestrutura de produção. Devido à baixa produção, os preços podem ser três a quatro vezes superiores aos dos polímeros convencionais, sendo mais um motivo para inibir o aumento da demanda. Com um preço similar, o transformador provavelmente não hesitaria em usar um bioplástico. 
Este artigo traz para discussão mais um ponto, que é o da performance dos biofilmes em ensaios técnicos, pois além de todos os desafios citados, os biofilmes precisam ainda atender a requisitos de similaridade com os filmes convencionais (2-3). Para entender, comparar e sugerir mudanças foram realizadas medidas de resistência à perfuração, resistência à propagação do rasgo, cálculo da taxa de permeabilidade ao vapor d’água, umidade, solubilidade, grau de intumescimento e medidas de tração. 
 

Objetivo 
Este estudo tem como objetivo discutir resultados de medidas de bioplásticos biodegradáveis e compostáveis para aplicação no setor de embalagens de eletroeletrônicos. 
 

Métodos e materiais 
Para a realização do estudo foram usados os materiais e métodos mencionados a seguir. 
 

Materiais 
Os bioplásticos foram adquiridos na forma de filmes oferecidos por diferentes fornecedores. Para a comparação foi usado um filme como referência que é utilizado na indústria de eletroeletrônicos, e as identificações dos bioplásticos são mostradas na tabela 1, da qual também constam as composições dos filmes e as identificações usadas para facilitar as comparações durante a pesquisa. O bioplástico que serviu como referência é identificado pela palavra “referência”.

Caracterização dos filmes

Os filmes foram caracterizados quanto a resistência à perfuração, resistência à propagação do rasgo, taxa de permeabilidade ao vapor d’água, umidade, solubilidade, grau de intumescimento e medidas de tração.

 

Resistência à perfuração 
A resistência à perfuração foi determinada de acordo com a norma ASTM F1306 (2021), em máquina universal de ensaios Instron, modelo 5966- E2, usando célula de carga de 100 N. A velocidade de perfuração, realizada com uma ponteira metálica de ponta esférica, com diâmetro de cerca de 3,2 mm, foi de 25 mm/min. A perfuração foi realizada da face externa até a face interna dos materiais. O ensaio foi conduzido em ambiente a 23°C ± 2°C e (50 ± 5)% de umidade relativa, após condicionamento dos corpos de prova neste mesmo ambiente por no mínimo 48 horas. 
 

Resistência à propagação do rasgo 
A resistência à propagação do rasgo das amostras foi determinada de acordo com a norma ASTM D1938 (2019), em máquina universal de ensaios marca Instron, modelo 5966-E2, operando com célula de carga de 10 N e 100 N. Neste ensaio, corpos de prova com 25 mm de largura e 75 mm de comprimento, nos quais foi realizado um corte inicial, foram tracionados a uma velocidade constante de 250 mm/min, de maneira que se promova a propagação do rasgo inicial. O ensaio foi conduzido em ambiente a 23°C ± 2°C e (50 ± 5)% de umidade relativa, após condicionamento dos corpos de prova neste mesmo ambiente por no mínimo 48 horas.

Taxa de permeabilidade ao vapor d’água 
A taxa de permeabilidade ao vapor d’água foi determinada por meio do método gravimétrico, baseado na metodologia ASTM E96/E96M-22 (2022). A metodologia foi aplicada com as seguintes especificações: 

 

Umidade 
Placas de Petri foram aquecidas a 105°C por três horas. Em seguida, as placas foram resfriadas em dessecador com sílica gel, sendo o ar interno removido com auxílio de uma bomba de vácuo. Os filmes plásticos foram então cortados em quadrados de 4 cm² de área, pesados em balança analítica juntamente com placas de Petri e levados à estufa a 105°C por três horas. Os filmes foram deixados em dessecador até a temperatura ambiente, sendo pesados na mesma balança ao término do tempo determinado. 

A variação de massa (Δmassa) foi obtida pela diferença entre a massa inicial e a final (equação 1), e o percentual de umidade (%umidade) foi realizado conforme a equação 2.

 
Condições de ensaio: 
 
1) Condições – 1: 38°C ± 0,5°C e 90% ± 2,0% UR 
2) Condições – 2: 23°C ± 0,5°C e 90% ± 2,0% UR 
 
Dessecante: cloreto de cálcio anidro (CaCl2). 
 

Solubilidade

Placas de Petri foram aquecidas a 105°C por três horas. Em seguida, elas foram resfriadas em dessecador com sílica gel, sendo o ar interno removido com auxílio de uma bomba de vácuo. Os filmes plásticos foram cortados em quadrados de 4 cm² de área, os quais foram pesados em balança analítica juntamente com as placas limpas e secas. Em seguida, foram levados à estufa a 105°C por três horas. Os filmes foram deixados em dessecador até a temperatura ambiente, sendo pesados ao término. 
 
Os filmes foram transferidos para balões Erlenmeyers de 250 mL, onde foram submersos em 30 mL de água destilada. Depois foram levados à uma incubadora Shaker, onde permaneceram sob lenta agitação por 24 horas a 25°C. Por fim, os filmes foram secos em estufa a 105°C por três horas. Ao apresentarem temperatura ambiente (em dessecador), foram pesados. A massa foi obtida pela diferença entre a massa inicial e a final (equação 1), e o percentual de solubilidade (%solubilidade) foi realizado conforme a equação 3. 


 

Grau de intumescimento 
Placas de Petri foram aquecidas a 105°C por três horas. Depois, as placas foram resfriadas em dessecador com sílica gel, sendo o ar interno removido com auxílio de uma bomba de vácuo. Os filmes plásticos foram cortados em quadrados de 6,25 cm² de área e pesados, juntamente com as placas de Petri limpas e secas, em balança analítica. Cada filme foi submerso em água destilada e mantido, sem agitação, por dois minutos. Em seguida, o filme foi seco com papel de filtro e pesado. O cálculo do grau de intumescimento (GI) foi realizado conforme a equação 4.

 

Medidas de tração 
A propriedade mecânica de resistência máxima à tração foi determinada de acordo com a norma ASTM D882-2012. Para cada filme, sete corpos de prova de 80 mm de comprimento e 25 mm de largura foram armazenados por 24 horas, em temperatura de 23°C ± 2°C e umidade relativa de 55 ± 5%. Os corpos de prova foram então ensaiados em máquina universal de ensaios (Modelo: 3367, Marca: Instron) com distância inicial de separação das garras e velocidade de realização do teste fixadas em 25 mm e 20 mm/min, respectivamente. As amostras de filmes foram submetidas a três ciclos térmicos de -20°C até 80°C, mantendo-se em um período de 2,5 horas a 20ºC, e em seguida por 2,5 horas a 80ºC, e também por uma hora com mudança de temperatura de 20ºC a 80ºC (um ciclo). O ensaio foi feito com uma câmara de ensaios climáticos (Modelo: se-300-2-2, Marca: Thermotron). 
 

Resultados e discussões 
Os resultados obtidos durante a caracterização dos filmes quanto a resistência à perfuração, resistência à propagação do rasgo, taxa de permeabilidade ao vapor d’água, umidade, solubilidade, grau de intumescimento e propriedades de tração são mostrados nas tabelas 2, 3 e 4, respectivamente.






 

Ensaios de tração: máxima carga e Módulo de Young 
O biofilme F-02/24 apresentou as melhores propriedades quanto a máxima carga e ao Módulo de Young. Esse biofilme comparado aos outros biofilmes em estudo pode suportar maior força antes de se romper, possui maior valor para a máxima tensão que ocorre em um ponto específico do material durante o ensaio de tração, independentemente de ser o ponto de ruptura, e possui maior Módulo de Young. Quanto mais alto o módulo, mais estresse é necessário para criar a mesma quantidade de deformação. As características carga-deformação são dependentes do tamanho do corpo de prova. Por exemplo, serão necessárias duas vezes a carga para produzir um mesmo alongamento se a área da seção transversal do corpo de prova for dobrada. Com base nisso, é possível obter resultados de força máxima para diferentes espessuras. O biofilme F-02/24 usado para substituir o F-01/24 (referência) deverá sofrer alterações na sua espessura.

Usando uma regra de proporcionalidade foi verificado que: 
 

Para o F-02/24 substituir o F-01/24 com características aproximadas às propriedades mecânicas do ensaio de tração será necessária uma nova espessura de aproximadamente 55,3 μ.

Nas tabelas 2, 3, 4 e 5 são mostrados os valores médios dos testes realizados e o respectivo desvio padrão. Em relação à determinação de grau de intumescimento para as amostras estudadas, nenhuma delas apresentou valores que indicaram intumescimento, sendo todos os valores iguais a zero, indicando baixa absorção de umidade.

 

 

Conclusão

Diversificar as soluções, incluindo os bioplásticos, é crucial para enfrentar o “desafio do plástico”, promovendo uma abordagem eficaz e impulsionando a inovação e a transição tecnológica com alternativas mais sustentáveis. Nos testes realizados, os biofilmes apresentaram resultados bastante distintos em praticamente todos os pontos de análise em relação aos filmes convencionais. Entretanto, ajustes deverão ser realizados para alcançar a similaridade entre os materiais. Para suportar a mesma carga, alguns dos filmes avaliados devem sofrer ajustes na espessura como, por exemplo, o F02 e F05. Comportamentos diferenciados também podem ser observados nos filmes F03, F06 e F07 em relação à medida de propagação do rasgo, pois os mesmos não permitem que ocorra a sua propagação. A justificativa está no tipo de matéria-prima do qual estes biofilmes são constituídos.

Algumas medidas podem ser tomadas como favoráveis em relação à biodegradação. O desempenho dos biofilmes F02, F04 e F05 no quesito de solubilidade em água, por exemplo, se mostra muito interessante para embalagens de uso único, pois já apresentam um grau de degradação diferenciado quando entram em contato com a água. Existe ainda um desafio tecnológico a ser superado, que é a taxa de permeabilidade ao vapor d’água. Sobre todos os biofilmes, os valores são muito superiores aos dos filmes convencionais. 
Os bioplásticos aqui estudados são capazes de substituir os filmes convencionais na aplicação de interesse deste artigo, com adaptações e ajustes. Os materiais são ecologicamente corretos e podem desempenhar com êxito a principal função da embalagem: proteger os produtos que vão para o mercado. Porém, há tópicos que precisam ser discutidos e melhorados. 
 

Agradecimentos

Os autores deste estudo agradecem ao Instituto FIT da Amazônia pelo apoio financeiro e auxílio para a execução das pesquisas.

 

REFERÊNCIAS 
1) A promessa dos bioplásticos. Frances Jones, da Revista Pesquisa FAPESP. Edição 290. Abril. 2020.

2) V., E. B. Macêdo. Desenvolvimento e caracterização de filmes à base de amido de banana verde (Musa paradisíaca L.) nativo e modificado por tratamento hidrotérmico. Itapetinga: UESB, 2020.

3) M., J. Oliveira de. Produção e caracterização de filmes de amidoglicerol-fibras de celulose elaborados por tape-casting. Florianopólis, 2013. 


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