Ferramentas para trabalho a frio são usadas em operações de corte, conformação (embutimento e estiramento) e rebarbação a temperaturas inferiores a 200°C. Os dois fatores mais importantes são a manutenção do gume cortante, para as ferramentas de corte, e o baixo desgaste, para ferramentas de conformação, ambas sujeitas à condição de tenacidade suficiente para evitar a quebra. Nas operações de conformação, o contato deslizante com o metal a conformar é uma característica importante para o desempenho do ferramental, no que diz respeito ao desgaste (1).

Na confecção da ferramenta torna-se importante a cuidadosa seleção do aço a ser utilizado, levando em consideração fatores como o valor material, a usinagem a ser aplicada e as propriedades dos materiais. Para aplicações mais críticas, geralmente são usados aços com dureza na ordem de 60 HRC, obtendo alta resistência ao desgaste a frio (2) .

Os aços ledeburíticos 12% Cr, como o AISI D2 e D6, são frequentemente empregados na confecção de matrizes de conformação a frio, facas industriais e punções. Tanto o D2 como o D6 possuem resistência ao desgaste proporcionada por uma matriz martensítica revenida e um elevado volume de carbonetos primários não dissolvidos. Possuem, contudo, baixa tenacidade, estando sujeitos a trincamento e fratura prematura (3).

Para aplicações em que o principal mecanismo de falha de ferramentas é o desgaste adesivo, têm se empregado aços de tenacidade mais elevada como o VF800AT, desenvolvidos pela Villares Metals S.A., material que mesmo quando tratado termicamente para durezas de 58-60 HRC apresenta superior tenacidade e, consequentemente, maior resistência ao desgaste adesivo que o aço AISI D2(2).

O aço VF800AT

A tenacidade é uma propriedade importante dos aços-ferramenta, pois a resistência ao desgaste não depende somente de sua dureza. A maior dureza retarda o surgimento de trincas, porém reduz a tenacidade do material, facilitando a propagação delas. Já uma dureza mais baixa propicia maior resistência do material à propagação de trincas devido à maior tenacidade, mas facilita sua nucleação e, em alguns casos, a deformação das arestas de corte das ferramentas por falta de resistência mecânica.

Um aço para trabalho a frio com propriedades otimizadas de tenacidade e resistência ao desgaste adesivo é o VF800AT. Seu projeto de liga foi realizado conforme a composição química base dos aços (8% Cr 0,8% C), visando manter as características de desgaste, estabilidade dimensional e resistência mecânica típicas dos aços ledeburíticos 12% Cr. A tabela 1 apresenta os valores da composição química típica dos aços VF800AT e AISI D2(4,5).

O tratamento térmico de têmpera e revenimento desse aço consiste em austenitização a 1020- 1040°C, podendo ser temperado em óleo, ar ou vácuo, seguido de duplo revenimento a 520-550°C para durezas superiores a 58 HRC e melhor resposta à tenacidade do material. A figura 1 apresenta o limite de resistência e a energia para fratura em flexão para os seguintes aços: VF800AT, VD2 (AISI D2), VC131 (AISI D6) e VWM2,

 

todos tratados para a dureza de 60 HRC. O gráfico mostra a superior tenacidade do aço VF800AT em relação ao D2(5).

Desgaste abrasivo versus desgaste adesivo

Desgaste abrasivo

O desgaste abrasivo é definido como a perda de material provocada pela passagem de uma partícula dura sobre uma superfície de material mais mole(6), exemplificada na figura 2 (pág. 34). De modo geral, a dureza e a microestrutura são dois dos principais fatores que influenciam o desgaste abrasivo. Em aços-ferramenta a resistência ao desgaste é obtida pelo endurecimento do material por meio de tratamento térmico, obtendo-se uma microestrutura mais dura, associada aos carbonetos primários dispersos na matriz.

Desgaste adesivo

Sólidos tendem a aderir a outros em razão de suas afinidades químicas, distância e pressão de

Fig. 1 – Resultados do ensaio de flexão a quatro pontos para os aços VWM2, VD2, VC131 e VF800AT. Resultados para bitolas de 60 mm, tratadas para dureza de 60 ± 0,7 HRC. Corpos de prova com 5 x 7 mm2 de secção, orientação longitudinal(5).

 

contato nas superfícies. Entre as várias formas de combinação, o contato metal-metal é o que apresenta elevada força de adesão(6), e o desgaste ocorre uma vez que a adesão envolve colamento e fratura de microasperidades com a transferência do metal que ocorre de uma superfície à outra. O mecanismo de desgaste por adesão pode ser visualizado na figura 3 (pág. 34)(7). A adesão é favorecida quando os materiais idênticos se deslocam uns contra os outros em condições relativamente limpas. A similaridade existente entre o material da chapa e o da ferramenta, somada às altas pressões e ao movimento repetitivo, ocasionam transferência de material da chapa para a ferramenta, no início a nível microscópico. Esse material que se desprende da chapa permanece soldado ou caldeado à superfície da ferramenta e dá origem a um efeito cumulativo que se intensifica a cada nova peça produzida(8).

Materiais e métodos

Foram confeccionados 10 punções de conformação e 10 matrizes de pré-corte em AISI D2 e VF800AT, respectivamente, na unidade da Maxion Wheels instalada em Limeira (SP), sendo produzidas cinco unidades em cada tipo de aço. Tais ferramentas foram submetidas a tratamento térmico de têmpera e revenidas conforme indicado pelo fornecedor de aço(4,5), para a dureza final de 58 HRC.

As ferramentas foram usadas para a fabricação de rodas automotivas de aço, sendo controlado o número de peças produzidas até o final da vida útil de ambas. A figura 4 apresenta uma imagem ilustrativa dos punções e matrizes testados já em final de vida. Os itens analisados são responsáveis pela estampagem de produtos distintos.

Os punções foram usados para a conformação de um aço bifásico ferrita-matensita com adição de cromo como elemento de liga (DP-Cr), o qual apresenta como característica microestrutural ilhas de martensita envoltas em uma matriz ferrítica. O pré-corte é realizado em uma região bastante encruada por operações de estampagem anteriores, que aumentam a resistência mecânica local. Neste caso, o material estampado é um aço de alta resistência e de baixa liga

Fig. 2 – Representação esquemática do desgaste do tipo abrasivo. Figura adaptada(7).

microligado ao nióbio, com uma microestrutura ferrítica e perlítica. As ferramentas, ao final de sua vida útil, foram analisadas para a identificação das causas da falha, além de facilitar o entendimento a respeito da produtividade diferenciada de um mesmo ferramental quando confeccionado em aço D2 ou VF800AT. Foram realizados ensaios de líquido penetrante para a visualização das trincas formadas, além de caracterização microestrutural por meio de microscopia óptica, para avaliação

da microesturura dos aços, e eletrônica de varredura, para a análise topográfica do ferramental e dos mecanismos de desgaste.

Fig. 3 – Representação esquemática do desgaste do tipo adesivo. Figura adaptada (7).

Fig. 4 – Exemplo de punções de conformação e matrizes de pré-corte

 

Resultados e discussões

Testes de desempenho

Os testes de campo realizados mostraram que o desempenho

 

Fig. 5 – Desempenho dos punções de conformação e das matrizes de pré-corte por tipo de aço. Média do número de peças produzidas por componente.

tanto dos punções de conformação quanto das buchas de pré-corte confeccionados em aço VF800AT foi muito superior ao do ferramental manufaturado em AISI D2, cujos resultados são apresentados na figura 5. Em relação aos punções de conformação, as ferramentas de aço VF800AT apresentaram em média um desempenho cinco vezes melhor em comparação às fabricadas em D2. No caso das matrizes de pré-corte de VF800AT, o desempenho foi 2,5 vezes melhor.

Ensaio por líquido penetrante

A figura 6 (pág. 36) apresenta os punções e matrizes após o ensaio não destrutivo por líquido penetrante. Constatou-se que a região onde ocorreram as trincas é a mesma em que há o contato entre a ferramenta e a chapa, ou seja, nas bordas externas dos punções e na superfície interna das buchas, submetidas ao deslizamento e, consequentemente, ao desgaste adesivo.

Caracterização metalográfica

A figura 7 apresenta a caracterização metalográfica das ferramentas de AISI D2 e VF800AT por meio de microscopia óptica. Nota-se que a quantidade de carbonetos primários no aço D2 é muito superior à do VF800AT. Tais fases atuam como concentradores de tensão, contribuindo para uma tenacidade reduzida quando há solicitações mecânicas, e sua formação decorre do processo de solidificação durante a fabricação do aço. Uma maior fração volumétrica dessas fases está presente no aço D2 devido à sua composição química favorável (elevados teores de C e Cr) em comparação ao VF800AT, como mostrado na tabela 1 (pág. 33).

Caracterização por microscopia eletrônica de varredura

As buchas de pré-corte foram avaliadas por meio de microscopia eletrônica de varredura (MEV) para a análise da topografia das ferramentas e a identificação dos mecanismos de desgaste. A figura 8 mostra os pontos que sofreram desgaste adesivo. No interior da bucha de pré-corte foram encontradas regiões em que houve caldeamento/ adesão do aço carbono com o ferramental (regiões incrustadas), devido ao contato metal-metal. As regiões de adesão estão indicadas por setas contínuas. A figura 9 (pág. 38) apresenta os espectros de análises por EDS dos pontos 1 (adesão de aço carbono) e 2 (matriz de aço-ferramenta).

Além disso, podem ser observadas marcas de usinagem que se assemelham a bandas paralelas, indicadas por setas tracejadas na figura 8d. Tais marcas atuam como concentradores de tensão para a nucleação de trincas quando

Fig. 6 – Detalhe das trincas observadas nas ferramentas evidenciadas por meio do ensaio não destrutivo por líquido penetrante: a) e visão geral dos punções e matrizes; b) setas indicando as trincas internas na matriz de pré-corte.

 

 

Fig. 7 – Microestrutura dos aços AISI D2 (a) e VF800AT (b). Imagem ampliada em 500 vezes. Ataque com Nital a 4%.

 

Fig. 8 – Análise da região interna da bucha de pré-corte por MEV: a) imagem de elétrons secundários – imagem ampliada em 50 vezes; b) imagem composicional do mesmo campo da imagem “a”; c) imagem de elétrons secundários – ampliada em 75 vezes; e d) detalhe da adesão de aço carbono no ferramental proveniente do processo de conformação – imagem ampliada em 200 vezes.

 

as ferramentas são submetidas a esforços mecânicos.

Com base nessa análise, verificou-se que a principal razão de as ferramentas de aço VF800AT terem apresentado melhor desempenho que as de AISI D2 é a sua superior tenacidade em dureza elevada – 58 a 60 HRC. Essas combinações de propriedades foram obtidas devido a uma microestrutura do material mais tenaz, composta por martensita revenida e carbonetos primários dispersos em menor fração volumétrica em relação ao aço D2.

Analisando o processo de conformação de chapas a frio e as características do ferramental empregado nesse tipo de operação, é possível afirmar que cedo ou tarde as ferramentas falharão. Dessa forma, os trabalhos de desenvolvimento tecnológico ocorrem no

Fig. 9 – Espectros da caracterização dos pontos 1 e 2 (figura b), respectivamente: a) região com adesão de aço carbono – detecção apenas do elemento Fe; e b) matriz de aço-ferramenta, vide a presença de elementos de liga como Cr e Mo.

 

sentido de aumentar os intervalos entre as falhas do ferramental. Concentradores de tensão, elevadas tensões de trabalho e adesão metal-metal são apenas algumas das adversidades às quais são submetidas as ferramentas de produção de bens industrializados; entretanto, materiais com maior tenacidade contribuem para a redução de falhas, retardando a nucleação e propagação de trincas oriundas do processo produtivo.

Conclusões

As ferramentas produzidas em aço VF800AT possibilitaram um intervalo de falhas que, em média, superou o do aço AISI D2 em 2,5 vezes para aplicações em buchas de pré-corte e 5 vezes para punções de conformação.

A superior tenacidade do VF800AT foi o principal fator que contribuiu para o aumento do intervalo de ocorrência de falhas apresentado pelo ferramental.

Os ganhos de produtividade obser vados em decorrência da substituição dos materiais abrangem uma maior disponibilidade da linha produtiva e da mão de obra, bem como a redução do número de peças refugadas e do consumo mensal de componentes das matrizes de estampagem.

Referências

 

  1. Roberts, G.; Krauss , G.; Kennedy , R. Tool Steels. 5. Ed. Material Park, Ohio. ASM International, 1998.

  2. Mesquita , R. A. e Barbosa, C. A. Uma avaliação de desgaste e tenacidade em aços para trabalho a frio. Tecnologia em Metalurgia e Materiais. São Paulo, v. 2, n. 2, p.12-18. Out-dez, 2005.

  3. M esquita, R. A.; Andrijauskas, P. S.; França, L. C.; Abreu, D. Q. e Barbosa, C. A. Um novo aço para trabalho a frio de alta tenacidade – VF800AT. Congresso anual da ABM, 56, 2001, Belo Horizonte. São Paulo: ABM, 2001. P71-80.

  4. Ficha técnica do aço VD2. www.villaresmetals.com.br, acesso em Junho/2014.

  5. Mesquita, R. A. e Barbosa , C. A. A importância da tenacidade em aços-ferramentas para trabalho a frio. 4o Encontro da Cadeia de Ferramentas, Moldes e Matrizes. Joinville, SC, 2 a 5 de Maio de 2006.

  6. Bressan, J. D. e Schopf , R. A. Resistência ao desgaste abrasivo e adesivo de aços-ferramenta avaliada por meio do ensaio pino-disco. 10o Encontro da Cadeia de Ferramentas, Moldes e Matrizes. São Paulo, SP, 8 a 10 de Agosto de 2012.

  7. Imagens adaptadas de www.austenit.com/mecanismodefallo.htm. Acesso em Julho/2013.

  8. Souza, J. H. C. Mecanismos de atrito e desgaste em conformação de chapas e sua influência na cadeia de produção do ferramental. 9o Encontro da Cadeia de Ferramentas, Moldes e Matrizes. São Paulo, SP, Brasil, 10 a 12 de agosto de 2011.

 

 


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