O amplo uso dos aços ARBL na indústria se dá devido à relação entre a robustez do sistema e a quantidade de matéria-prima usada na fabricação de produtos. O uso do aço ARBL em lugar do aço carbono comum tende a proporcionar uma maior vida útil ao componente, bem como reduzir os custos de transporte (3). Entretanto, a soldagem realizada na fabricação do setor automobilístico pode afetar a resposta em serviço desses materiais. Trincas induzidas por hidrogênio (TIH) têm sido um dos principais problemas enfrentados na união de aços ARBL (9). Assim, na elaboração de uma especificação de procedimento de soldagem (EPS) de um componente que tenha esses aços, busca-se evitar todas as condições que aumentem a susceptibilidade à fragilização por hidrogênio (SFH) (4).

Há fórmulas que quantificam a integração de elementos de liga com a soldabilidade do metal e que remetem ao índice de carbono equivalente (Ceq) (6). De acordo com a literatura (2), o uso desse índice tem auxiliado na previsibilidade da formação de fases frágeis na região soldada.

Complementarmente, o valor de dureza da zona afetada pelo calor (ZAC) também é tido como importante indicador de SFH, sendo citado o valor máximo, usualmente aceito, de 350 HV (8).

Esses fatores acarretam diversos desafios na soldagem de caçambas, visto que para a montagem delas podem ser realizadas uniões de dois ou mais componentes que usam o mesmo aço ARBL, em que cada componente tem uma determinada espessura e são soldados em diferentes posições de soldagem, variando-se os tipos de juntas, de acordo com o projeto da caçamba. Este trabalho tem como objetivo investigar possíveis alterações que soldas multipasses – realizadas por soldagem a arco elétrico (GMAW, de Gas Metal Arc Welding) – produzem sobre as propriedades mecânicas e microestruturais de um aço ARBL usado na construção de caçambas de empurre para mineração. Buscou-se verificar a ocorrência de descontinuidades e as suas possíveis causas, associando-as ao projeto e ao processo de fabricação.

 

Materiais e métodos

Materiais e consumíveis utilizados

O metal de base é um aço estrutural que apresenta tensão nominal de escoamento igual a 700 MPa e a seguinte composição química, para espessura de 10 mm: C – 0,145%; Si – 0,29%; Mn – 1,182%; P – 0,013%; S – 0,002%; Cr – 0,491%; Ni – 0,013%; Mo – 0,003%; V – 0,003%; Ti – 0,018%; Cu – 0,02%; Al – 0,032%; Nb – 0,013%; B – 0,0018%; N – 0,0035%. Para a soldagem GMAW dos corpos de prova, usou-se um arame maciço AWS 5.18 ER70S-6 com gás de proteção 85% Ar + 15% CO₂.

 

Preparação dos corpos de prova

Para a fabricação dos protótipos foram unidas chapas de 300 mm de comprimento, 100 mm de largura e espessuras de 6 e 12 mm. A usinagem do bisel foi realizada com uma esmerilhadeira. A soldagem foi realizada insitu, no modo manual, com uma fonte de potência eletromagnética – curva característica de tensão constante – operando no modo de transferência globular. Na figura 1 tem-se a caçamba juntamente com a ilustração em sistema CAD (Computer Aided-Design) das principais juntas do projeto. Observa-se que essas juntas estarão sujeitas a diversos tipos de cargas e esforços durante a aplicação do produto.

Com o objetivo de simular as principais juntas da construção da caçamba, optou-se pelo uso de cinco modelos de protótipos: Protótipo 1: união de duas chapas de 12 mm, junta 1; Protótipo 2: união do protótipo 1 com uma chapa de 12 mm, juntas 2 e 3; Protótipo 3: união de uma chapa de 6 mm com uma chapa de 12 mm, junta 4; Protótipo 4: união de duas chapas de 12 mm, junta 5; Protótipo 5: união de dois protótipos 1, juntas 6 e 7. E definiu-se as juntas como: Junta 1: junta sobreposta; Junta 2: junta de ângulo – dois passes realizados na posição horizontal; Junta 3: junta de ângulo – três passes realizados na posição horizontal;

Soldagem

Junta 4: junta de chanfro bisel curvado 90° – dois passes na posição horizontal; Junta 5: junta de topo duplo V, união de duas chapas de 12 mm, dois passes; Junta 6: junta de canto, união de dois protótipos 1 – dois passes na posição vertical descendente; Junta 7: junta de canto, união de dois protótipos 1 – três passes na posição vertical descendente.

 

Ensaios de caracterização

O ensaio de líquido penetrante (LP) seguiu conforme a norma Petrobras (7) e a preparação dos corpos de prova (CPs) ocorreu de acordo com a norma ASTM E3-11. Tendo em vista as análises macro e micrográficas, foramExtraídos três corpos de prova de cada protótipo (figura 2), com exceção do protótipo 1, de modo que fosse possível visualizar a seção transversal à junta da solda. 

Para a obtenção do contraste, realizou-se o ataque químico com o reagente Nital 2%, e para registro das micrografias foi usada uma câmera fotográfica. 

Por fim, o perfil de microdureza Vickers foi obtido por meio do equipamento Digital Microhardness Tester, com aplicação de uma carga de 2,94 N e realização de cinco indentações por região.

Optou-se por avaliar o comportamento microestrutural e de microdureza das juntas do protótipo 5, as quais estão localizadas na região do “munhão”.

Este componente é acoplado diretamente aos cilindros hidráulicos e destaca-se por estar submetido a uma combinação de solicitações mecânicas. A figura 3 mostra a macrografia da seção transversal das juntas deste protótipo.

O ataque com reagente químico realizado na seção transversal do protótipo 5 possibilitou a visualização das fronteiras entre o metal de base (MB), metal de solda (MS) e a ZAC de cada cordão de solda. Na figura 3(a) notam-se “faixas” mais claras que circundam as linhas de fusão das soldas. Na figura 3(b), as linhas contínuas representam a linha de fusão dos cordões, enquanto as linhas tracejadas representam a delimitação das “faixas” claras, as quais remetem à extensão da ZAC de cada cordão. A partir das macrografias da figura 3, subdividiu-se as soldas nas seguintes regiões de interesse para análise: zona afetada pelo calor do metal de base (ZAC-MB), metal de solda como depositado (MS), zona afetada pelo calor do metal de solda (ZAC-MS) e zona afetada pelo calor reaquecida do metal de base (ZACR-MB). Com esta subdivisão, buscou-se interpretar as variações localizadas de microestrutura e de microdureza das soldas multipasse, e associá-las aos aspectos relacionados à SFH.


 

Resultados e discussões

Análise de descontinuidades

Não foram observadas trincas superficiais, tampouco descontinuidades, após os ensaios visual e LP. Em uma primeira análise das juntas, destacou-se que a maior espessura obtida nas montagens dos protótipos é de 24 mm, o que conduziria à necessidade de pré-aquecimento do metal de base, o qual deve ser realizado em chapas com espessura a partir de 20 mm (NMLK, 2000). Este resultado pode ser explicado a partir da composição do protótipo 1, que é formado pela união de duas chapas de 12 mm. Por não se tratar de um corpo único, os espaços desta junta terão influência no escoamento do calor, que no caso da chapa de 24 mm aconteceria apenas por condução. As figuras 4, 5 e 6 mostram as macrografias representativas da seção transversal das juntas dos protótipos 2, 4 e 5, respectivamente, as quais apresentaram descontinuidades, de natureza operacional recorrentes. Já as soldas referentes ao protótipo 3 (junta 4) não apresentaram descontinuidades, considerando-se a análise macrográfica. Na figura 4 observa-se a ocorrência de falta de penetração e distorção na raiz. 

Vê-se também uma região com falta de fusão na interface junta 3/ junta 1, que pode estar associada à preparação incorreta das juntas, aliada a um controle inadequado dos parâmetros de soldagem. Na junta 5 (figura 5) identifica se a presença de poros e de penetração parcial na raiz

Essas são,possivelmente,originadas em decorrência da velocidade de soldagem.

As linhas tracejadas de cor preta, na figura 5, demarcam o perímetro das chapas antes da confecção dos protótipos. Acredita-se que a ausência de fusão seja uma consequência das dificuldades geométricas impostas pela montagem dos protótipos. Observa-se também a formação de porosidade, que, presume-se, origina-se da posição de soldagem, neste caso, a vertical descendente.

 

Análise de microestrutura e microdureza das soldas 

O tamanho do antigo grão austenítico, o tipo de microestrutura, o valor da dureza e a temperatura do meio são alguns parâmetros que influenciam a SFH de um aço (4). A figura 7 mostra as micrografias das regiões de interesse da junta 6. A análise microestrutural revelou que para a complementação da figura 7, a figura 8 apresenta os resultados dos ensaios de microdureza realizados na junta 6. Esses resultados possibilitam a correlação entre as fases identificadas e as variações nas propriedades mecânicas.

 

 

        

A figura 7 revela que a região ZACR-MB exibiu uma média de dureza próxima a 350 HV. Esse valor é crítico, elevando a SFH (8). Entretanto, estudos (Ito e Bessyo, 1968, apud Barra et al.) e observações (Wang, 2015c, apud Barra et al.) já indicaram que a SFH pode ocorrer mesmo com durezas abaixo de 350 HV, enquanto durezas mais elevadas podem resultar em baixa propensão à SFH. Portanto, para uma avaliação abrangente é crucial considerar não apenas a dureza da ZAC, mas também o grau de restrição da junta a ser soldada. No contexto dos tipos de junta usados no projeto de caçambas de empurre para mineração, esse grau de restrição é determinado pela espessura das chapas e pela configuração da montagem. A análise cuidadosa das juntas, com ênfase no protótipo 5, permitiu identificar descontinuidades operacionais como falta de penetração, distorção na raiz e formação de poros, associadas a fatores como preparação inadequada das juntas e controle insuficiente dos parâmetros de soldagem. Além disso, a análise microestrutural revelou variações nas regiões da ZAC, destacando a importância não apenas da dureza, mas tambémdo grau de restrição da junta na avaliação da susceptibilidade à fragilização por hidrogênio.

 

Conclusões

Os resultados obtidos indicam que a soldagem GMAW de aços ARBL, especialmente em configurações multipasses, demanda uma abordagem cuidadosa para evitar descontinuidades e garantir a integridade estrutural. A identificação das condições que propiciam a ocorrência de falhas, aliada à compreensão das variações microestruturais, oferece informações relevantes para o desenvolvimento de procedimentos de soldagem mais eficientes e seguros. A necessidade de pré-aquecimento do metal de base em junções mais espessas, conforme evidenciado, ressalta a importância do alinhamento preciso entre projeto, processo de fabricação e parâmetros de soldagem. Assim, este estudo contribui para a compreensão dos desafios inerentes à soldagem de aços ARBL.


 

Referências

1) ASTM-E3-11. Standard Guide for Preparation of Metallographic Specimens. Annual Book of ASTM Standards.

 2) Barra, Sérgio Rodrigues; Silva, Erijanio Nonato da; Santos, Anderson Douglas Simão dos. Carbono equivalente como parâmetro de avaliação da soldabilidade dos aços: Uma revisão da literatura. Materiais metálicos. 

3) Barreto, Jorge Luis et al. Aumento do desempenho no transporte de minério devido à aplicação de aços microligados ao nióbio na estrutura de caçambas de caminhões basculantes. [S.l.]: Apresentado.

 4) Martiniano, G. A. Efeito de parâmetros microestruturais e da temperatura do meio na susceptibilidade à fragilização por hidrogênio de aços de alta resistência e baixa liga. 2021. 247 f. Tese de doutorado, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia. 

5) Modenesi, Paulo J. Soldabilidade dos aços transformáveis. Belo Horizonte: Departamento de Engenharia Metalúrgica, Universidade Federal de Minas Gerais, 2004.

 6) Ohshita, S. et al. Prevention of solidification cracking in very low carbon steel welds. Welding J., v. 62, n. 5, p. 129, 1983.

 7) Petróleo Brasileiro S/A. N-2370C Líquido Penetrante – Especificação. Rio de Janeiro: Petrobras, 2003.

 8) Possebon, Silviano. Utilização de MIG/MAG com curto-circuito controlado na soldagem em operação. 2009.

 9) Silva, Hebert Roberto da. Methodology of analysis of hydrogen cracking in welding using destructive test and acoustic emission. 2010. 150 f. Dissertação (mestrado em engenharias) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2010.



 


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