Os aços inoxidáveis duplex (AID) foram desenvolvidos na década de 1930 para solucionar os problemas de corrosão intragranular nos aços inoxidáveis austeníticos submetidos a ambientes agressivos. Devido a isso, eles passaram a substituir os aços austeníticos, o que alavancou a sua comercialização(7). Entretanto, ocorreram problemas com esses materiais devido ao mau controle da sua fabricação e manutenção. Foram realizados estudos e modificações visando melhorias nesses materiais, o que levou ao desenvolvimento dos aços inoxidáveis superduplex (AISD). Estudos recentes abordam a questão econômica no que diz respeito a esses materiais, tendo em vista que eles possuem altos teores de elementos de liga (Cr e Ni). Devido a isso, a utilização de maiores teores de N visa estabilizar a austenita, diminuindo o teor de Ni nesses materiais(6). O s aços inoxidáveis super duplex (AISD) pertencem a subclasses dos aços inoxidáveis duplex, apresentando elevada resistência mecânica, bem como alta resistência à corrosão, características que aliam  os benefícios provenientes das fases presentes, ferrita (δ) e austenita (γ)(9). Por serem classificados com o aços nobres e especiais, são aplicados em ambientes mais agressivo.  Devido a esse fato, se fazem necessários estudos aprofundados visando ao aperfeiçoamento das características desses materiais que, geralmente, são utilizados para construção de equipamentos para a indústria petroquímica, trocadores de calor, máquinas para usinas de dessalinização etc. A soldagem é um dos processos mais utilizados na fabricação e manutenção desses equipamentos. Porém, uma soldagem mal feita pode desencadear uma série de problemas. O trabalho realizado por Nunes(8) mostra resultados distintos ao selecionar parâmetros de soldagem (corrente e velocidade) quanto ao balanceamento das fases. Esse balanceamento pode ser considerado aceitável quando o teor de ferrita obedece à faixa de 35 – 65%, segundo Eckenrod e Pinnow(3). Por esse motivo é importante analisar os seus efeitos nas características metalúrgicas, relacionando-os à corrosão. O ciclo término da soldagem pode proporcionar a precipitação de fases, bem como modificar a razão δ/γ. Tendo em vista que no caso dos aços AISD a energia de soldagem está diretamente relacionada com a variação da razão, outras propriedades podem ser afetadas como, por exemplo, a resistência à corrosão e propriedades mecânicas. Nesse contexto, esse trabalho tem o objetivo de avaliar os efeitos dos parâmetros de soldagem no balanceamento de fases e a influência na resistência à corrosão do aço inoxidável superduplex UNS S32750 (SAF 2507).

 

Materiais e métodos

Foram feitas combinações entre os parâmetros de soldagem de modo a avaliar a influência da variação da energia de soldagem pela modificação da velocidade de soldagem, sendo mantidos os demais parâmetros de controle (corrente e tensão de soldagem). Para analisar os efeitos da influência, foram feitos ensaios de corrosão(CPT), bem como a quantificação de ferrita por ferritoscópio e por imagem.

 

Caracterização do material como recebido

Foi realizada a  análise metalográfica convencional do material-base, para verificar a condição inicial dele. O modo de caracterização será descrito a seguir, no tópico que trata da preparação de amostras.

 

Preparação dos corpos de prova

As chapas  de aço UNSS32750 utilizadas possuíam dimensões de 100 x 50 x 24 mm, de modo  que a maior dimensão  é coincidente  com o sentido de laminação. Para o corte das chapas foi utilizada uma serra de fita fabricada pela Starret.

 

Soldagem

As soldagens foram realizadas utilizando o processo TIG autógeno no modo de corrente contínua, ou seja, sem adição de material, e uma fonte inversora IBM Digiplus A7. Foi usado como gás de proteção o argônio puro na vazão de 15 l/ min, e eletrodo de tungstênio com adição de óxido de Th de 2,4 mm. A distância da ponta do eletrodo para a peça (dpep) foi de 4 mm.

Quanto aos parâmetros de soldagem, foram utilizadas três velocidades (11,4, 20 e 40 cm/min) com corrente de soldagem de 200 A, resultando em três condições de soldagem com energia de 18, 10 e 5 kJ/cm, respectivamente. Os parâmetros foram estabelecidos de modo a analisar a variação da energia de soldagem pela alteração da velocidade de soldagem (técnica Tipo “V”). As tensões médias obtidas nas condições de soldagem foram de 17 a 20 V. A tabela 1 mostra os parâmetros utilizados nas três condições.

 

Corte e preparação metalográfica

A soldagem foi executada junto ao maior eixo da chapa. Para obter uma maior área fundida, as amostras foram extraídas da sessão longitudinal do cordão de solda. A figura 1 mostra o desenho esquemático do corpo de prova soldado e das amostras submetidas a ensaios. As amostras denominadas “a” foram preparadas metalograficamente pelo procedimento comum de lixamento, polimento e ataque químico com Behara modificado à temperatura de 60ºC. Para a captação de imagens foi utilizado o microscópio Olympus GX41 acoplado a um computador, além do software Image-Pro Plus v.6.0.

Retiradas de outra região, as amostras denominadas “b” foram cortadas para eliminar o excesso de metal-base e embutidas em resina acrílica de cura a frio com um fio de cobre para contato elétrico. Esse preparo foi feito para os ensaios de corrosão, CPT.

Fig. 1 – Representação esquemática do processo de soldagem e corte das amostras submetidas a ensaios.

 

Quantificação das fases

A quantificação foi feita de dois modos: por imagem e por ferritoscópio. Primeiramente, as amostras passaram por quantificação de fases por ferritoscópio, apresentando superfície lixada a 100 mesh, onde foram feitas 25 medições para cada condição, considerando um intervalo de confiança de 95% na avaliação estatística dos resultados. Esse ensaio consiste em quantificar um determinado volume de material por meio de indução magnética. O aparelho utilizado foi o ferritoscópio Fischer MP-23. Foi utilizado o método de avaliação estatística dos resultados pelo software Origin, usando o ANOVA.

Após a preparação metalográfica, as imagens obtidas por meio do microscópio óptico foram tratadas por meio do software ImageJ (versão 1.46r), visando obter o teor das fases na área mostrada pela imagem. Foram analisadas 25 imagens para cada condição de soldagem.

 

Ensaio de polarização

CPT O ensaio foi realizado com base na norma ASTM G 150, que determina os parâmetros do ensaio para a medição da temperatura crítica de pite (CPT), utilizando um potenciostato com controle de varredura da temperatura. A amostra foi imersa em uma solução eletrolítica de 1M NaCl, dentro de uma célula específica, com a possibilidade de aquecimento gradativo de 1 °C/min.

Durante o ensaio é aplicada uma tensão constante de modo que a amostra (anodo) é polarizada. Foi utilizada uma tensão de 700 mV, conforme é recomendado para o processamento de aços inoxidáveis. Foi registrada a variação da densidade de corrente (mA/cm²) com o aumento da temperatura e do tempo. A temperatura crítica de pite é observada quando a densidade de corrente se estabelece acima de 100 μA/cm² por, pelo menos, um minuto (ASTM G 150). Os ensaios foram realizados nas juntas soldadas e no metal-base, como meio de comparação.

 

Resultados e discussão

A seguir serão apresentados os resultados referentes aos ensaios realizados, visando relacionar as variáveis de controle com as respostas esperadas. Eles foram comparados de modo a identificar a influência direta da microestrutura na resistência à corrosão do material soldado.

Fig. 2 – Resultados da análise realizada na zona fundida obtidos por meio de ferritoscópio, apresentados em forma de gráfico

 

Quantificação de fases – método do ferritoscópio

A análise feita por ferritoscópio, realizada na zona fundida (ZF), apresentou os seguintes resultados mostrados na tabela 2. A figura 3 também mostra os resultados na forma de gráfico.

Foi verificado um aumento do teor de ferrita com o aumento da energia de soldagem, apresentando a influência direta da variação da velocidade de soldagem. O resultado foi estatisticamente significativo e os valores devem ser considerados com relevância, já que têm acesso limitado por instituições aplicadoras desses produtos, principalmente as indústrias de petróleo e gás.

A exemplo de estudos realizados, esperava-se que o teor de δ (ferrita delta) fosse decrescendo com o aumento da energia de soldagem, devido ao gradiente de resfriamento que interfere positivamente na precipitação de austenita a partir da ferrita. Porém, foi observada uma tendência considerável ao aumento do teor de ferrita. Esse fenômeno também foi verificado por Nunes(8), caso em que o teor de ferrita tendia a aumentar com o aumento da energia pela redução da velocidade de soldagem para faixas de 6 a 15 kJ/cm. Um fator que pode ser considerado é o fato de as soldagens serem realizadas em chapas grossas, com condições de resfriamento tridimensionais, o que proporciona um arrefecimento rápido mesmo para condições de alto nível de energia de soldagem. Com isso, o efeito do resfriamento pela variação da energia pôde ser inibido, dando espaço à perda de nitrogênio. Foi verificada por Garcia(4) a perda de nitrogênio em soldas confeccionadas com TIG autógeno e argônio puro como gás de proteção. Esse efeito ocorre devido à diferença de pressão de nitrogênio na poça de fusão e o ambiente externo de proteção (ar puro).

Fig. 3 – Exemplos de quantificação realizada por meio do software ImageJ da condição de soldagem E1

 

Quantificação de fases – método de análise por imagem

Conforme a norma ASTM E 1245- 03, essa técnica confirma que o percentual em área de uma fase é aproximadamente igual ao percentual em volume. Houve uma diferença de, em média, 11% entre os métodos de quantificação. Isso pode ser atribuído aos fatores de correção dos dois métodos, considerando que o programa ImageJ quantifica por diferença do tom de cinza da imagem, não diferenciando as fases intermetálicas e muitas vezes os contornos de grão; já o ferritoscópio mede a fração magnética de um volume. A figura 3 (pág. 76) mostra um exemplo de imagem tratada e sua respectiva versão original. Os resultados obtidos por imagem são mostrados na tabela 3. A figura 4 mostra o gráfico da quantificação realizada por imagem. Apesar da variação entre os dois métodos, o gráfico segue a mesma tendência de aumento da ferrita com a diminuição da energia de soldagem.

Fig. 4 – Gráfico da quantificação de ferrita nas condições de soldagem obtida pelo uso da técnica Tipo “V”

 

Ensaio CPT

A seguir são apresentados os resultados obtidos nos ensaios CPT, em que foi analisada a resistência à corrosão por pites das condições estudadas. A tabela 4 mostra os resultados para as condições estudadas e para o metal-base (E0). Também são apresentados exemplos de gráficos elaborados nos ensaios e o destaque para a região onde se iniciaram os pites. Apesar de os valores obtidos serem próximos, é possível identificar uma tendência à diminuição da CPT à medida que aumenta o teor de ferrita. Tendo em vista que pelas condições E2 e E3 foram obtidos maiores teores de ferrita, 75 e 77%, respectivamente (quantificação por imagem), essas apresentaram menores valores de CPT em relação à condição E1 e E0.

Fig. 5 – Gráfico dos resultados obtidos pelos ensaios de corrosão nas condições de soldagem E3 (5 (a) e 5 (b)) e E0 (5 (c)).

Esse resultado também foi observado por Will(11), em que a condição de aporte térmico próxima a 1 kJ/cm, com maior teor de ferrita e menor teor de nitrogênio, apresentou menor nível de CPT. Analisando o gráfico da condição normal (E0) é possível observar que a peça não sofreu abertura de pite crítica, pois a densidade de corrente ultrapassou o valor de 100 μA por pouco tempo, e então repassivou a abertura do pite. Esse fenômeno é conhecido como pite metaestável, em que não ocorre a abertura definitiva do pite. Isso mostra que o metal-base possui valor CPT próximo a 80°C, tanto para o aço UNS S32750 como para o Zeron 100 (Deng et al., 2008 apud Will, 2009). A figura 6 mostra as tendências relacionadas ao teor de ferrita e CPT.

Fig. 6 – Gráfico de comparação do teor de ferrita com CPT observado nas condições de soldagem

As micrografias feitas nos pites mostraram que a ferrita é menos resistente à corrosão em comparação com a austenita. Isso pode ser atribuído à presença de nitretos dentro dos grãos de ferrita, fragilizando-os mesmo na ZF(5,10). É possível ver, ao fundo do pite, após o ataque químico, os grãos de austenita mais resistentes à corrosão. Vale salientar que esse fenômeno foi observado em todas as condições. As figuras 7 e 8 (pág. 82) mostram a abertura do pite nas condições E1 e E3, respectivamente.

Analisando as figuras 7 e 8, é possível observar que a fase austenítica com morfologia alotrimórfica serviu de barreira para a expansão do pite. Na figura 8(b) é mostrada, com foco no interior do pite, a austenita resistente à corrosão; ao redor encontra-se a severa corrosão da ferrita.

Fig. 7 – Micrografia do pite após o ensaio de corrosão na condição E1: superfície lixada a 600 mesh (7 (a)); e superfície polida (7 (b)). Ataque com Behara modificado. Imagem aumentada em 200 vezes.

Fig. 8 – Imagens obtidas por micrografia do pite após o ensaio de corrosão na condição E3; superfície polida e atacada com Behara modificado. Imagem aumentada em 50 vezes (8 (a)) e em 500 vezes (8 (b)).

 

Conclusão

Tendo como base os resultados apresentados nas seções anteriores quanto à influência dos parâmetros de soldagem no balanceamento de fases e resistência à corrosão do aço inoxidável superduplex UNS S32750, pode-se concluir que:

 

Agradecimentos

Os autores desse trabalho agradecem à Capes e à Petrobrás, pela concessão de bolsas e pelo financiamento do projeto, ao laboratório de corrosão da Universidade Federal do Ceará (UFC), pela disponibilidade do espaço e pelo suporte para a realização dos ensaios de corrosão CPT, ao Instituto Senai de Tecnologia, pela disponibilidade no que tange à realização do artigo, e aos bolsistas do laboratório Engesolda, pela ajuda na realização desse trabalho.

 

Referências

 1) ASTM E 1245-03. “Standard practice for determining the inclusion or second phase constituent content of metals by automatic image analysis”.

2) ASTM. “Standard specification for seamless and welded ferritic/austenitic stainles steel pipe”. Norma A790/A 790M-01, 2008.

3) Eckenrod, J. J., Pinnow, K. E. “Effects of chemical composition and thermal history on the properties of alloy 2205 duplex stainless steel.” In: New Developments in Stainless Steel Technology. p. 77-87, 1984.

4) Garcia, E. R. V. ”Efeito da corrente de soldagem do processo TIG pulsado autógeno na microestrutura da zona fundida dos aços inoxidáveis duplex UNS S322101” Dissertação de mestrado, Escola Politécnica da Universidade Federal de São Paulo, 2011.

5) Kajimura, H.; O awa, K.; Nagano, H. Effects of α/γ phase ratio and N addition on the corrosion resistance of Si-bearing duplex stainless steel in nitric acid. ISIJ International. v. 31, n. 2, p. 216-222, 1991.

6) Londoño, A. J. R. “Precipitação de fases intermetálicas e austenita secundária na ZAC de soldagens multipasse de aços inoxidáveis duplex”. Tese de Doutorado – Departamento de Eng. Metalúrgica, Escola Politécnica, U. de São Paulo, São Paulo, 2001.

7) Lope s, J. T. B. “Influência da presença de fases frágeis e da temperatura nas propriedades de trinca por fadiga do aço inoxidável duplex UNS S31803”. Tese de Doutorado, Departamento de Eng. de Materiais, Faculdade de Eng. Mecânica, U. Estadual de Campinas.

8) Nunes, E. B. “Propriedades mecânicas e caracterização microestrutural na soldagem do aço inoxidável duplex UNS S31803 (SAF 2205)”. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.

9) Pohl , M. “The ferrite/austenite ratio of duplex stainless steels.” Zeitschrift für Metallkunde, München, v. 86, n. 2, p. 97 – 102, fev. 1995.

10) Ume, K. et al. Influence of thermal history on the corrosion resistance of duplex stainless steel linepipe. Materials Performance. v. 26, n. 8, p. 25-31, 1987.

11) Will , C. R. “Comportamento à corrosão de juntas de superduplex UNS S32760 soldadas por GMAW pulsado com diferentes misturas gasosas”. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009.


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