Por Alan Bonel(*)

 

Quando falamos em materiais plásticos, é impossível não reconhecer o papel central que as normas técnicas desempenham na organização do mercado. Elas estabelecem regras claras para ensaios, especificações e desempenho, permitindo que empresas, fornecedores e clientes falem a mesma língua técnica em qualquer parte do mundo. No entanto, quando o assunto são plásticos reciclados, ainda existe um enorme vácuo normativo.

 

Diferentemente dos polímeros virgens, que já contam com normas consolidadas e amplamente reconhecidas, como ASTM, ISO ou DIN, os materiais reciclados ainda estão em processo de padronização. Essa ausência de critérios técnicos universais se torna um dos maiores obstáculos para a consolidação do setor.

 

A dificuldade começa na percepção de mercado. Compradores frequentemente demonstram incerteza, pois não sabem exatamente o que esperar de um lote de material reciclado. Essa desconfiança é resultado direto da falta de padronização: um mesmo “polietileno reciclado”, por exemplo, pode apresentar propriedades mecânicas muito distintas dependendo da origem, do processo de triagem e do método de reprocessamento. Sem normas que definam parâmetros mínimos de qualidade, o cliente precisa confiar quase que exclusivamente na palavra do fornecedor ou em ensaios realizados caso a caso. O resultado é um mercado fragmentado, onde cada negociação exige verificações adicionais, encarecendo o processo e dificultando a escalabilidade.

 

Felizmente, o cenário começa a mudar. Nos últimos anos, entidades normativas como a ASTM têm formado grupos de trabalho específicos para o desenvolvimento de normas aplicáveis aos plásticos reciclados. Esses grupos reúnem especialistas da academia, da indústria e de órgãos reguladores com o objetivo de estabelecer metodologias claras de ensaio e requisitos mínimos de desempenho. A lógica é simples: quanto mais transparente e confiável for a caracterização de um material reciclado, maior será sua aceitação no mercado. O que se busca não é apenas criar um “carimbo burocrático”, mas construir uma base de confiança que permita a expansão da economia circular.

 

De qualquer maneira, o esforço de classificar grades de materiais reciclados conforme normas já estabelecidas, como a ASTM D4000 por exemplo, pode ser feito independentemente de haver ou não normas específicas para reciclados. Nesse sentido, ainda que materiais reciclados apresentem propriedades diferentes dos respectivos virgens, o que realmente importa é saber quais são essas propriedades e garantir que elas sejam estáveis e com valores reprodutíveis.

 

Outro ponto central é a relação entre normas e sustentabilidade. A padronização de reciclados não é apenas uma questão técnica, mas também um passo fundamental para a transição para uma economia circular. Ao dar maior previsibilidade e confiança, normas estimulam a substituição de polímeros virgens por reciclados em diversas aplicações, reduzindo a demanda por recursos fósseis e contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas. Em outras palavras, normas não são apenas instrumentos de laboratório, mas ferramentas estratégicas para a sustentabilidade global.

 

Não se pode ignorar, contudo, que há desafios. Implementar normas implica custos, como a necessidade de investir em equipamentos de ensaio mais precisos, capacitar equipes de laboratório e rever processos internos. Até mesmo uma frequência e amostragens mais robustas para garantir a representatividade dos lotes. Pequenas e médias empresas podem sentir mais fortemente esse impacto. No entanto, os ganhos em longo prazo tendem a superar os custos iniciais. Um mercado baseado em confiança e previsibilidade gera menos desperdício, menos retrabalho e mais oportunidades de expansão.

 

Em resumo, a falta de normas claras ainda é um dos grandes entraves para a reciclagem de plásticos. Enquanto os polímeros virgens desfrutam de padronização consolidada, os reciclados ainda caminham rumo à formalização. A boa notícia é que movimentos consistentes já estão em curso, liderados por entidades como a ASTM, que buscam criar parâmetros mínimos de qualidade. Quando essas normas se consolidarem, serão capazes de transformar a percepção do mercado, aumentar a competitividade e impulsionar a sustentabilidade.

 

A atualização e a criação de normas para reciclados devem ser vistas como um passo inevitável para o futuro da indústria de plásticos. Mais do que instrumentos burocráticos, elas representam a base de um novo ciclo, em que resíduos deixam de ser problema e passam a ser recurso. Ao normatizar os reciclados, não apenas garantimos qualidade técnica, mas também abrimos caminho para um setor mais confiável, sustentável e economicamente viável.

 

 

Saiba mais sobre normas para o setor de plásticos acompanhando a seção Normas, no portal da Plástico Industrial.

 

(*)Alan Bonel é especialista em polímeros e atua há mais de 15 anos com foco em normas técnicas nacionais e internacionais, especialmente nas áreas de ensaios, laboratório e requisitos de montadoras. Compartilha conteúdos técnicos no LinkedIn e no canal do YouTube @bonelsimplificando.

 

 

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