A análise de conformabilidade feita por meio de simulação de conformação de chapas metálicas geralmente é concentrada em problemas de instabilidade, que ocorrem na forma de estricções e altas concentrações locais de deformação. Sob esse aspecto, a conformabilidade dos metais é avaliada por meio de curvas limite de conformação (CLC), que são obtidas pela determinação do início da instabilidade ao longo de trajetos pré-definidos de carregamento mecânico ou de deformação. Embora as curvas limites de conformação sejam amplamente usadas, elas apresentam falhas quanto à prevenção de ocorrência de fratura nos casos em que a estricção não é observada antes da falha. Isto ocorre especialmente com metais dúcteis, os quais exibem fratura por cisalhamento no caso de tensão conduzida por taxas de triaxialidade com valor baixo e negativo. Métodos baseados na mecânica de dano no contínuo estão sendo cada vez mais usados para analisar falhas em simulações de conformação de chapas, visando à melhoria da previsão de falhas. Esses métodos possibilitam a consideração da influência do acúmulo de danos sobre o comportamento do material, o que representa uma vantagem para as simulações e demais processos. O modelo de dano no contínuo de Lamaitre (1) permite que seja considerado o amaciamento causado pelo acúmulo de danos. Na segunda parte deste artigo esse modelo foi aplicado à simulação de vários processos de conformação de chapas.

Os parâmetros de material para o modelo aqui tratado foram identificados a partir de ensaios mecânicos. Inicialmente foi revisto o modelo estendido de Lemaitre, que considera o efeito da compressão na evolução de dano. A seguir é apresentado o arranjo experimental para a determinação dos valores dos parâmetros e são discutidos os métodos para a identificação deles, bem como são mostrados os resultados dos ensaios experimentais e a determinação dos valores dos parâmetros para dois aços com fases complexas (complex phase, CP).

 

Modelo do material

O modelo elastoplástico aplicado aos materiais selecionados para este estudo foi desenvolvido de acordo com a termodinâmica do contínuo para grandes deformações. A formulação usa uma cisão aditiva da deformação logarítmica total:

na deformação elástica Ee e deformação plástica Ep . A deformação logarítmica é definida como

em que “F” denota ao gradiente de deformação que mapeia um elemento de linha da configuração de referência num elemento de linha da configuração atual.

Foi considerado que o comportamento elástico era isotrópico, enquanto foi adotada a plasticidade anisotrópica do tipo Hill (2). Para simplificar, foi considerado que o efeito do dano era isotrópico. O atual modelo é baseado na ideia de que a deformação plástica não altera o comportamento anisotrópico do material, o que significa que suas simetrias são suficientemente descritas pelo estado inicial do material. De forma similar, foi considerado o efeito acumulado de micro-vazios e micro-trincas no comportamento elastoplástico do material por meio de uma variável escalar de dano ‘D’.

A seguir é feita uma revisão sobre a formulação do modelo, de acordo com a literatura (3).

Formalmente, a energia livre de Helmholtz

é expressa como função da deformação logarítmica total “E”, da deformação plástica Ep , da deformação plástica acumulada α e da variável de dano “D”.

Determina-se, termodinamicamente, que:

Relação que descreve a contribuição do endurecimento isotrópico, enquanto o potencial termodinâmico para a evolução dos danos é dado por:

Equações evolucionárias são derivadas a partir do potencial de dissipação:

Um conjunto de variáveis similares à deformação é formalmente obtido pela derivação do potencial de dissipação com respeito a seus conjugados termodinâmicos:

A evolução do dano depende do potencial termodinâmico ‘Y’, e dos parâmetros adicionais de material Y0, S, s e β:

A taxa de liberação de energia do dano, “Y”, considera o efeito do estado de tensões na evolução do dano.

Uma modificação da evolução do dano, chamada de evolução unilateral do dano, é introduzida pela aplicação de um fator de escala (ou supressão) das contribuições das tensões compressivas para o potencial termodinâmico de dano. Este potencial é substituído pela definição modificada de taxa no modelo original de Lemaitre, a qual utiliza uma cisão trativa-compressiva do tensor de tensão (4):

Ensaios de materiais

Dois aços do tipo AHSS, com microestrutura apresentando fases

Processo

Fig. 1 – (a) Desenho esquemático do ensaio de torção no plano; (b) corpo-de-prova de cisalhamento do tipo ponte dupla.

Fig. 2 – (a) Máquina universal de ensaios e corpo-de-prova com entalhe (raio ‘R’), com extensômetro óptico.

 

 

complexas – CP800 com espessura de 1 mm e CP1000 com espessura de 1,15 mm –, com valores nominais de limite de resistência iguais a 780 e 980 MPa, respectivamente, foram testados numa máquina universal de ensaios Zwick 250 sob tração uniaxial (7). Os ensaios de tração uniaxial foram feitos sob ângulos diferentes – 0°, 45° e 90° – em relação à direção da laminação das chapas. Além disso, o comportamento sob solicitações de cisalhamento foi investigado por meio de ensaios de torção plana. As duas zonas de cisalhamento (figura 1) são conduzidas por um estado de cisalhamento quase ideal (4).

O torque “M” foi medido enquanto a rotação relativa das braçadeiras exteriores, com respeito às interiores, era definida pelo ângulo de rotação θ.

No caso do aço CP1000, foram feitos ensaios adicionais de tração usando corpos de prova com entalhe (figura 2). O aço CP800 é usado em aplicações envolvendo estampagem profunda, enquanto o CP1000 é usado em processos envolvendo dobramento. Uma vez que as condições de carregamento mecânico e os correspondentes estados de tensão são diferentes nesses processos, foram usados procedimentos experimentais e estratégias para a determinação dos valores dos parâmetros do modelo ligeiramente diferentes. Para ambos os aços, os ensaios uniaxiais de tração, com seu eixo de tração mantendo ângulo de 0°, 45° ou 90° em relação à direção da laminação da chapa, foram feitos para caracterizar o comportamento elastoplástico do material e a anisotropia inicial. Para o aço CP800, os resultados dos ensaios de tração uniaxial, em termos da curva força versus deslocamento, também foram usados para determinar o comportamento do dano. Para isso, foi usada a seção da curva força versus deslocamento que descreve o comportamento de deformação para valores de deformação superiores aos da deformação uniforme. De forma similar, os dados de força versus deslocamento obtidos nos ensaios de tração usando corpos de prova com entalhe (cujo raio foi igual a 5 e 10 mm, figura 2, pág. 16) foram usados para a caracterização do comportamento de dano do aço CP1000.

Uma vez que se trata de um teste cuja faixa de triaxialidade é diferente da obtida pelo ensaio de tração, foram feitos ensaios de torção plana para determinar a dependência da evolução dos danos em relação à

Fig. 3 – Comparação entre os dados obtidos no ensaio experimental de tração uniaxial (0° em relação à direção de laminação) e os resultados da simulação correspondente para o aço CP800 (5)

triaxialidade para ambos os materiais. Em particular, o parâmetro do material ‘h’ presente no modelo melhorado de Lemaitre para evolução unilateral de dano foi determinado com auxílio desse ensaio.

Determinação dos valores dos parâmetros

Os parâmetros para endurecimento isotrópico para ambos os materiais foram determinados diretamente a partir de ensaios de tração uniaxial, pelo ajuste das curvas de tensão versus deformação. Para o aço CP800, que foi usado nos testes de estampagem profunda descritos na segunda parte deste trabalho, foi utilizada uma extrapolação do tipo Hollomon:

O patamar de escoamento observado no limiar da deformação plástica durante o teste de tração (figura 3) foi considerado pela região de endurecimento linear inicial até a deformação plástica equivalente atingir valor igual a 0,0072. Os parâmetros elastoplásticos de material determinados para o aço CP800 são mostrados na tabela 1 (pág. 18).

Processo

No caso do aço CP800 foi aplicada a extrapolação do tipo Swift:

Os valores dos parâmetros de material Y 0, S, s e β, os quais conduzem a evolução do dano, foram determinados pela análise inversa dos dados de força versus deslocamento obtidos nos ensaios de tração. O acúmulo de dano levou ao amaciamento e, finalmente, à fratura nos ensaios mecânicos (figuras 3, pág. 17, a 5). Foi usada uma função-objetivo para a determinação inversa dos parâmetros, a qual descreve o desvio das curvas medidas de força versus deslocamento em relação à resposta da simulação (5). Essa função foi minimizada em seguida. Foram usados os dados mecânicos provenientes dos ensaios de tração uniaxial para o material CP800 (figura 3). Foi

Fig. 4 – Comparação entre os resultados (simulação e experimento) relativos ao ensaio de tração usando corpo-de-prova com entalhe (com raio de 10 mm) para o aço CP1000 (6)

 

aplicado um modelo de elementos finitos ao ensaio de tração, assumindo elementos quadrados com borda igual a 1 mm na região onde ocorreu a estricção (5) . O mesmo valor médio da borda do elemento quadrado, 1 mm, foi aplicado na simulação de conformação de metais que será tratada na segunda parte deste estudo.

No caso do dobramento, foi necessário usar uma malha mais refinada (comprimento médio de borda igual a 0,1 mm) para resolver os gradientes de tensão que ocorrem através da espessura da chapa. Portanto, foram simulados ensaios de tração usando corpos de prova com entalhe apresentando raio de 5 e 10 mm (figuras 4 e 5), usando tamanho de malha igual a 0,1 mm. Ligeiramente diferente do que foi feito para a determinação dos valores dos parâmetros para o aço CP800, foram considerados os dados mecânicos provenientes dos ensaios de tração usando corpos de prova entalhados para identificar os parâmetros de dano para o aço CP1000 (6).

Fig. 5 – Comparação entre os resultados (simulação e experimento) relativos ao ensaio de tração usando corpo-de-prova com entalhe (com raio de 5 mm) para o aço CP1000 (6)

Fig. 6 – Curvas de momento versus ângulo de rotação obtidas nos ensaios de torção no plano para o aço CP800 (simulação e experimento) (5)

Com base nesses ensaios também foi determinado o parâmetro Dcritical, o qual conduz a supressão de elementos para os dois modelos de material. Um elemento será suprimido das simulações usando elementos finitos se a variável de dano ‘D’ exceder o valor de limiar Dcritical.

Resultados

A curva de força versus deslocamento prevista pelo modelo de Lemaitre apresentou boa concordância com os dados experimentais obtidos nos ensaios de tração uniaxial para o aço CP800 (figura 3, pág. 17). O corpo de prova se rompeu quando foi aplicado um deslocamento de aproximadamente 19,5 mm. Isto correspondeu a um alongamento total de 0,144.

Os ensaios de tração usando corpo de prova com entalhe mostraram fratura e amaciamento mais rápidos (figuras 4 e 5) em comparação com os ensaios de tração uniaxial devido à natureza não homogênea do primeiro teste. Conforme já era esperado, o ensaio no qual o raio do entalhe foi menor (5 mm) exibiu fratura e amaciamento mais rápidos que os observados nos ensaios feitos com o maior raio (10 mm). As simulações usando o modelo ajustado para o aço CP1000 superestimaram a força para deslocamentos maiores que 0,3 mm. O deslocamento sob o qual ocorreu fratura foi previsto com precisão pelas simulações.

Processo

O limiar da fratura foi menos abrupto nos ensaios de cisalhamento feitos com o aço CP800 do que nos ensaios de tração (figura 6, pág. 18). A curva de momento versus ângulo de rotação mostrou-se mais contínua quando ocorreu a fratura. A trinca iniciou ao lado da ponte dupla e continuou através dela a partir desse ponto. A propagação da trinca ocorreu de forma relativamente lenta nas simulações em comparação com o verificado nos ensaios experimentais. Portanto, ao determinar o parâmetro ‘h’, foi assumido que a nucleação da trinca iniciou no instante em que ocorreu a primeira queda de 10% do valor medido no momento. A determinação do parâmetro ‘h’ foi semelhante para o aço CP1000 (6). Os valores determinados para os parâmetros de dano-relativo para os aços CP800 e CP1000 são mostrados nas tabelas 3 e 4, respectivamente.

Conclusões

A primeira parte deste trabalho abordou o modelo de Lamaitre,

que foi aplicado neste estudo. Uma característica importante desse modelo é a consideração da evolução retardada de dano sob compressão em comparação com o que ocorre sob tração. Isso é importante no caso de aplicações de conformação em que podem ser observadas diferenças locais no estado de tensões. Foram apresentados resultados obtidos a partir de diversos ensaios mecânicos (tração e torção plana) para os aços avançados com alta resistência mecânica CP800 e CP1000. Os valores dos parâmetros para o modelo elastoplástico de dano podem ser determinados com base nesses ensaios. O modelo de material aplicado no estudo captou bem o comportamento observado para o

material. O desenvolvimento de um modelo de material adequado e o ajuste dos respectivos parâmetros se fazem necessários para que ele possa ser aplicado na simulação de processos.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Associação de Pesquisa para Aplicação de Aço (Forschungsvereinigung Stahlanwendung e.V.) e à Fundação para Aplicação do Aço (Stiftung für Stahlanwendung) pelo apoio financeiro concedido ao projeto P853, denominado “Desenvolvimento de um modelo de dano orientado ao usuário para a conformação de chapas feitas com aços avançados com alta resistência mecânica”.

O projeto IGF-16585, coordenado pela Associação de Pesquisa para Aplicação de Aço ( For schungsvereinigung Stahlanwen dung e.V. – FOSTA), foi promovido pela Associação dos Grupos de Trabalho sobre Pesquisa Industrial (Arbeitsgemeinschaft industrieller Forschungsvereinigungen, A.i.F.) sob o programa para promoção da pesquisa industrial conjunta da Associação Industrial de Pesquisa e Desenvolvimento ( Industrielle Gemeinschaftsforschung und – entwicklung, I.G.F.), usando financiamento do Ministério Federal Alemão da Economia e Tecnologia (Bundesministerium für Wirtschaft und Technologie, BMWi), com base numa resolução do Parlamento Alemão. Os autores são muito gratos a esse suporte. Além disso, eles também agradecem ao comitê de acompanhamento do projeto pela sua orientação profissional durante o desenvolvimento dos trabalhos.

Referências

  1. Lemaitre, J.; Desmorat R.: Engineering Damage Mechanics, Springer (2005), Berlin.
  2. H ill., R.: A theory of the yielding and plastic flow of anisotropic metals. Proc. Roy. Soc. London 193(281) (1948), P. 281-297.
  3. Soyarslan, C.; Tekkaya, A. E.: A damage coupled orthotropic finite plasticity model for sheet metal forming: CDM approach, Comp. Mater. Sci. 48 (1) (2012), P. 150-165.
  4. Yin, Q.; Soyarslan, C.; Güner, A.; Brosius, A.; T ekkaya, A. E.: A cyclic twin bridge shear test for the identification of kinematic hardening parameters, Int. J. Mech. Sci. 59 (1) (2012), P. 31-43.
  5. Tekkaya , A. E.; Soyarslan, C.; Isik, K.; Doig, M.: Entwicklung eines anwenderorientierten Versagensmodells für die Blechumformsimulation höchstfester Stahlwerkstoffe, Forschung für die Praxis P853 Bericht, FOSTA (2014).
  6. El Budamusi, M; Becker, C.; Clausmeyer, T.; Gebhard, J.; Chen , L.; Tekkaya, A. E.: Erweiterung der Formänderungsgrenzen von höherfesten Stahlwerkstoffen bei Biegeumformprozessen durch innovative Prozessführung und Werkzeuge, Bericht zum Vorhaben IGF- Nr. 16585 N/ FOSTA P930, eingereicht (2015).
  7. Deutsches I nstitut für N ormung e.V.: DIN EN ISO 6892-1 Metallic materials – Tensile testing – Part 1: Method of test at room temperature (2009).

 

 

 


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