Em 2005, a Arcelor e a ThyssenKrupp Stahl Auto, os dois principais fornecedores europeus de aço para aplicações automotivas, decidiram unir seus esforços para desenvolver uma nova família de aços utilizando manganês – os assim chamados aços TWIP (Twinning Induced Plasticity Steels, ou aços com plasticidade induzida por maclação). Esse desenvolvimento abriu as portas para reduções adicionais do peso dos veículos.

Os novos materiais, considerados inovadores por muitos especialistas, podem provocar alterações significativas no projeto e produção de carro.

Cinco anos antes, Georg Frommeyer, pesquisador do Instituto Max Planck para Pesquisa Siderúrgica (Max-Planck-Institut für Eisenforschung, M.P.I.E.), publicou um artigo chamado “Aços TRIP/TWIP ao manganês, super dúcteis e com alta resistência mecânica, para aplicações envolvendo alta absorção de energia” (Super-ductile and high-strength steels manganeseTRIP/TWIP for high energy absorption purposes)(1).

Seu trabalho de pesquisa logrou desenvolver aços com altos teores de manganês (de 15 a 30%) e quantidades adicionais de silício e alumínio.

A indústria automotiva

Os automóveis passaram por uma forte mudança ao longo dos últimos anos. Um carro é feito com muitos materiais diferentes, mas sua principal estrutura – conhecida como a carroceria bruta (body in white, ou BIW) – geralmente é feita com peças estampadas de aço soldadas entre si de forma a obter uma armação forte, rígida e segura.

A carroceria bruta corresponde ao estágio na manufatura de automóveis no qual os componentes de metal acabaram de ser soldados entre si. Nesta etapa da produção, o carro que está sendo fabricado ainda não recebeu peças móveis (portas, capôs e tampas de porta-malas, bem como para-lamas), motor, subconjuntos do chassi ou acessórios (vidros, assentos, airbags, tapeçaria, dispositivos eletrônicos etc.), nem pintura.

Esse método de construção usando aço responde por 99,9% de todos os carros produzidos no mundo. Os restantes 0,1% são construídos principalmente com carroceria bruta de alumínio, enquanto um número muito pequeno (menos de 0,01%) é feito com compósitos reforçados com fibras de carbono(2).

A carroceria bruta de um veículo responde por 20% de sua massa. O peso das portas (de passageiros, capô e porta traseira/tampa do porta-malas), chassi (peças da suspensão) e trem de transmissão fazem com que a quantidade total de aço e outros metais ferrosos alcance mais de 60% de participação no veículo.

M o d elos d e automóveis compactos como Golf, Astra, Ford Scort ou Toyota Corolla (C- Segment cars, de acordo com a terminologia da Comissão Europeia) pesavam em torno de 765 quilos na década de 1970. 

Desde então seu peso aumentou 5% a cada alteração no modelo. Nos dias de hoje todos eles tiveram seu peso duplicado em relação àquela época. A razão é simples: as pessoas desejam sistemas de ar condicionado, antiderrapantes (freios ABS, de AntiblockierBremssystem), estabilização ativa contra rolagem (ASR, de Active Roll Stabilization), airbags, veículos híbridos, motores mais econômicos e outros sistemas de controle(2, 3).

Tecnicamente há dois requisitos conflitantes: por um lado, o aumento de conforto e segurança; por outro, a redução das emissões e garantia de sustentabilidade. 

Para que ambos sejam atendidos, é necessário assegurar que as peças que constituem os veículos sejam leves e apresentem melhor desempenho, bem como menor consumo de combustível do que os antigos elementos.

E isso não é requerido apenas pela competição entre as montadoras, mas também pela legislação europeia, como as diretrizes de segurança NCAP (New Car Assessment Program, ou Programa de Avaliação de Carros Novos), o Euro 5, sobre emissões de motores movidos a Diesel, valores objetivados de emissões para novos veículos de 130 g de gás carbônico por quilômetro para o período entre 2012 e 2015, e pela Diretriz sobre o Final de Vida Útil de Veículos (End of Life Vehicle Directive, ELVD), promulgada pela União Europeia, a qual impõe que, a partir de 2015, 95% do peso de cada veículo seja reutilizado/recuperado, e que 85% de seu peso seja reutilizado/reciclado.

Cientistas e projetistas estão trabalhando no desenvolvimento de novos materiais, reduzindo o peso dos componentes automotivos feitos de aço e aumentando a segurança dos passageiros.

Simultaneamente estão sendo concebidos novos métodos de manufatura e projeto, como o NSB (New Steel Body (R) ou nova carroceria de aço), desenvolvido pela ThyssenKrupp, os quais vêm proporcionando enormes economias de peso.

Os novos aços

Pode-se classificar os aços usados na carroceria de um carro em três grupos, dependendo de seu limite de resistência: aços com baixa resistência (menor do que 300 MPa), aços de ultra-alta resistência (UHSS, Ultra High Strength Steels, maior do que 700 MPa), mais recentemente também designados como aços avançados de alta resistência (AHSS, Advanced High Strength Steels), e aços de alta resistência (HSS, High Strength Steels), os quais se situam na região intermediária entre os dois grupos anteriores.

Durante os últimos anos foram feitos significativos avanços no segundo grupo, já sob a designação AHSS, os quais são aços destinados à fabricação de carrocerias brutas mais leves e carros mais baratos. A evolução tem sido constante, e hoje já se pode falar de uma terceira geração de aços AHSS, a qual se posiciona na antiga lacuna situada entre a primeira e a segunda geração, conforme se pode observar na figura 1 (pág. 29).

Fig. 1 – As três gerações de aços avançados de alta resistência mecânica (AHSS, Advanced High Strength Steels). A terceira geração preenche a lacuna entre as outras duas

 

A principal diferença entre os aços de alta resistência convencionais (HSS) e os AHSS, mais sofisticados, encontra-se em sua microestrutura.

 Os aços HSS apresentam microestrutura monofásica constituída de ferrita, enquanto nos aços AHSS ela apresenta fases múltiplas, entre as quais se encontram ferrita, martensita, bainita e/ou austenita retida, em quantidades suficientes para produzir diferentes propriedades mecânicas.

 Alguns tipos de aços AHSS possuem temperabilidade aumentada ou características de resistência mecânica-ductilidade superiores às dos aços convencionais. A fabricação dos aços AHSS é mais complexa que a das versões convencionais. O controle durante o processo deve ser maior, uma vez que suas características se baseiam nas frações dos diferentes constituintes presentes em sua microestrutura. 

Dentro dessa classificação encontram-se os chamados aços bifásicos (dual phase, DP), aços com plasticidade induzida por transformação (transformationinduced plasticity, TRIP), aços com fases complexas (complex phase, CP), aços de baixa liga e alta resistência (high strength low alloy, HSLA), aços ferríticosbainíticos (ferritic-bainitic, FB), aços com plasticidade induzida por maclação (twinning-induced plasticity, TWIP), aços conformados a quente (hot formed, HF), e aços tratáveis termicamente após conformação (post-forming heattreatable, PFHT). 

Os aços TWIP possuem altos teores de manganês (17 a 30%), fazendo com que eles sejam plenamente austeníticos sob temperatura ambiente. Por esse motivo, o principal modo de deformação plástica é a maclação no interior dos grãos. A maclação promove altos valores da taxa instantânea de encruamento (coeficiente “n”) em uma microestrutura muito refinada.

Os contornos das maclas resultantes atuam como contornos de grão e aumentam a resistência mecânica do material. Os aços TWIP combinam níveis muito elevados de resistência mecânica com uma conformabilidade muito alta. 

O valor do coeficiente de encruamento “n” atinge valores da ordem de 0,40 sob deformação de engenharia de aproximadamente 30%, mantendo-se constante até atingir um valor de alongamento total igual a cerca de 50%. O limite de resistência é superior a 1.100 MPa e sua capacidade de deformação pode alcançar valores de 95%, conforme demonstra a figura 2 (pág. 32).

Fig. 2 – Acima: curvas tensão versus deformação para o aço TWIP (X-IP 100) e outros aços AHSS. Abaixo: evolução do expoente de encruamento (n). Fonte: Arcelor

 

De acordo com informações fornecidas pela ArcelorAuto e ThyssenKrupp, esses materiais podem alcançar grau de deformação igual a 35% para um nível de resistência de 1.400 MPa. Os aços TWIP possuem capacidade excepcional para absorção de energia no caso de colisões.

Os avanços nas metodologias de projeto e manufatura são ininterruptos. Uma carroceria bruta atual é composta por uma estrutura de peças feitas com diferentes aços. Cada elemento possui um papel definido, sendo feito com um aço cuja composição química e estrutura sejam as mais ajustadas possíveis. Pode-se encontrar dez diferentes tipos de aço num veículo(4). 

O AISI (American Iron and Steel Institute ou Instituto Americano do Ferro e do Aço) prevê que haverá uma redução do consumo médio de aço por veículo da ordem de 8% no período entre 2007 e 2015,com uma diminuição do uso de aços com baixa resistência de 6,5%, e crescimento do uso dos aços AHSS.

Lingotamento direto de tiras (DSC)

O processo de lingotamento direto de tiras (Direct Strip Casting, DSC) pode produzir bobinas de aço em um processo contínuo, aplicando um grau de redução a quente entre 60 e 70%(5). Esse processo pode ser descrito da seguinte forma: o aço líquido é depositado sobre uma correia transportadora circulante de aço por meio de um sistema de alimentação. 

A correia, que atua como o molde no lingotamento contínuo convencional, é resfriada intensamente com água a partir de sua região inferior. A solidificação (resfriamento primário) e o resfriamento secundário ocorrem sob atmosfera protetiva (selo de argônio ou mistura de argônio mais gás carbônico).

Dessa forma, as perdas metálicas são reduzidas, evitando-se os efeitos adversos sobre a qualidade do produto devido à oxidação. É estabelecida uma distribuição homogênea de temperatura na zona de resfriamento secundário, em um nível adequado para a laminação a quente subsequente. Posteriormente, a tira obtida (faixa de espessura do semiproduto bruto de fusão: 10 a 15 mm) é conduzida para um laminador em linha (laminação em três ou quatro passes), possibilitando o atendimento de 90% da faixa de espessura típica de um laminador de tiras a quente. O resfriamento final (terciário) e o bobinamento correspondem aos usados na tecnologia de lingotamento convencional.

Aços TRIP/TWIP HSD (R) (High Strength and Ductility), com alto teor de manganês, alta resistência mecânica e ductilidade

 

As características básicas do processo DSC são rápida solidificação sob atmosfera protetiva, ausência de fricção e flexão, resfriamento com aspersão de água, uso de pó fluxante e a aplicação de um grau suficiente de redução a quente. 

Elas viabilizam, conforme já foi mencionado, a produção de novos tipos de aço com teores mais altos de elementos de liga como, por exemplo, manganês (aproximadamente 10 a 27%), silício (até 3%), alumínio (até 6%) e carbono (até 2%).

As elevações dos valores de resistência mecânica e ductilidade em comparação aos aços convencionais são conseguidas por meio dos efeitos de plasticidade por transformação e maclação (TRIP e TWIP). Essas características, bem como a resistência à corrosão(6), dependem da composição química da liga e do controle do processo.

Interesse no aço TWIP

Uma corrida teve início quando os resultados da pesquisa de Frommeyer(1) foram publicados. Foi efetuado um número considerável de projetos de pesquisa as maiores siderúrgicas e importantes montadoras automotivas requereram patentes ligadas ao aço TWIP em um curto espaço de tempo, conforme está mostrado na figura 3. Agora estão sendo estudadas alternativas para reduzir o custo de fabricação dos aços TWIP.

Fig. 3 – À esquerda: número de artigos publicados sobre aços TWIP (fonte: Scopus). À direita: número de novas patentes requeridas sobre aços TWIP (fonte: Free Patent)

Referências

  1. Grässel, O., et al. High strength Fe-Mn- (Al, Si) TRIP/TWIP steels development -- properties – application. International Journal of Plasticity, vol. 16, p. 1.391- 1.409, 2000.

  1. Automotive, C. Pocket book of Steel. Corus Automotive, 2009.

  1. Cooman, B. C. De, et al. High Mn TWIP Steels for Automotive Applications, New Trends and Developments in Automotive System Engineering. InTech Marcello Chiaberge (Ed.), p. 101-102, 2011.

  1. Matlock, D. K.; Speer, J. G. Third Generation of AHSS: Microstructure Design Concepts. Ed, 2009, p. 185-205.

  1. Spitzer, K. H., et. al. Direct Strip Casting (DSC) – An Option for the Production of New Steel Grades. Steel Research International, vol. 74, p. 724-731, 2003.

  1. Mujica, L., et al. Development and characterization of novel corrosionresistant TWIP steels. Steel Research International, vol. 82, p. 26-31, 2011.


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