Os efeitos da furação convencional e por escoamento em chapas de aço


Este estudo avaliou as influências dos processos de furação convencional e por escoamento em chapas de aço de alta resistência e baixa liga LN 700 com espessura de 4,25 mm. Os corpos de prova utilizados que não sofreram retrabalho após o procedimento foram submetidos a testes de carregamentos cíclicos. A estimativa era que o material processado por meio de furação convencional apresentasse maior capacidade de suportar os ciclos de carga. Porém, os resultados obtidos contrariaram esta hipótese.


M. R. Policena, A. Trindade, W. H. Fripp e C. L. Israel

Data: 28/03/2017

Edição: CCM Fevereiro 2017 - Ano XII - No 142

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Os aços de alta resistência e baixa liga (ARBL) são conhecidos pela sua resistência mecânica e pelo seu baixo teor de carbono, apresentando excelente tenacidade ao entalhe e boa soldabilidade (1). Tais características são obtidas pelo refinamento da microestrutura.

Fig. 1 – Desenho e medidas dos corpos de prova utilizados nos ensaios de furação convencional e por escoamento. Fonte: autores.

Tab. 1 – Composição química medida para o aço LNE 700
Grau C Si P S Al Nb V Ti Mo B
Peso (%) 0,11 0,04 0,027 0,007 0,07 0,48 0,005 0,14 0,003 0,001
Fonte: autores

O processo de furação por escoamento utiliza uma ferramenta especial confeccionada em metal duro e é realizado sem o uso de lubrificantes, fazendo com que a temperatura da peça e da ferramenta se eleve devido ao seu atrito.

Tab. 2 – Propriedades mecânicas
Limite de escoamento (MPa) Limite de resistência à tração (MPa) Alongamento (%)
792 808 13
Fonte: autores

Pode ser utilizado, por exemplo, para trabalhos em peças tubulares com geometrias complexas e de difícil acesso, gerando rebarba nas extremidades dos furos (7) . Para Matysiak e Bernat (6) a rebarba é importante no processo, sendo influenciada pela plasticidade e pelas propriedades termofísicas dos materiais. Krishna et al. (5) furaram chapas de alumínio com espessura de 1 mm, obtendo bons resultados, enquanto Krasauskas (4) o fez com chapas de aço S235 laminado a quente, bem como de inox AISI 430 e de liga de alumínio Al 5652, concluindo que a força aplicada na furação foi consideravelmente afetada devido à espessura das chapas. Diniz et al. (3) ponderaram que a furação convencional utiliza uma ferramenta de geometria definida denominada broca, que geralmente é feita de aço rápido e promove o arranque de cavaco.

Fig. 2 – Ferramentas utilizadas nos processos de furação: (a) convencional; e (b) por escoamento. Fonte: Diniz et al. (3) e Nardi et al. (7).

No caso dos aços ARBL, quando eles são submetidos a altas temperaturas, como observado, por exemplo, na furação por escoamento, ocorre recristalização da sua microestrutura na zona termicamente afetada, o que influencia o seu limite de resistência. Em uma peça furada por escoamento o material deixa de ser homogêneo, pois sofre a influência de altas temperaturas na região do furo, gerando possíveis concentradores de tensão quando submetido a cargas cíclicas.

Procedimento experimental

O experimento consistiu no uso de chapas de aço de alta resistência e baixa liga da série Usiminas LN 700 que tinham espessura de 4,25 mm. A composição química e as propriedades mecânicas delas são mostradas nas tabelas 1 e 2, respectivamente.

Os corpos de prova foram confeccionados com as medidas e o formato mostrados na figura 1, de acordo com a norma ASTM E466.

No processo de furação convencional foi utilizada uma broca helicoidal de aço rápido com diâmetro de 11 mm, e na furação por escoamento foi usada uma ferramenta feita de metal duro UK40 com revestimento de nitreto de titânio, também com diâmetro de 11 mm (figura 2a e 2b).

Fig. 3 – Corpos de prova utilizados nos ensaios: (a) furação com broca; e (b) furação por escoamento. Fonte: autores.

Também foi utilizado um centro de usinagem para a furação dos corpos de prova, tanto no processo convencional como por escoamento, como é mostrado na figura 3a e 3b, respectivamente. Em ambos os processos a velocidade de trabalho do equipamento foi de 850 rpm e o avanço das ferramentas foi de 120 mm/min, para garantir que as condições das operações não interferissem nos resultados.

Tab. 3 - Valores da microdureza obtidos em cada processo de furação
Furação por escoamento Dureza (HV 0,5) Média (HV 0,5) s
Região da borda furo 1 287 326 289 300,7 22
Intermediário 2 270 287 275 277,3 8,7
Interface 3 273 283 273 276,3 5,8
Metal-base 04 301 310 301 304 5,2
Furação convencional Dureza (HV 0,5) Média (HV 0,5) s
Região da borda furo 290 277 251 272,7 19,9
Metal-base 280 286 282 282,7 3,1
Fonte: autores

Fig. 4 – Equipamento utilizado para os testes de fadiga: (a) corpo de prova processado por furação convencional; e (b) corpo de prova processado por furação por escoamento. Fonte: autores.

Testes de fadiga de desgaste foram realizados em quatro corpos de prova oriundos de cada processo de furação, sendo submetidos ainda a cargas cíclicas para verificar e comparar a resistência à fadiga do material submetido a tais condições (figura 4a e 4b). É provável que ocorra uma recristalização do material furado por escoamento, fazendo com que ele supor te menos ciclos de carga em comparação ao processo de furação convencional. Os ensaios foram realizados em uma máquina do tipo “push-pull”, em que foi estabelecida uma frequência de 5 Hz e 60% da tensão de escoamento para determinar a carga trativa máxima, que foi de 38 kN. Após os ensaios de fadiga, a região transversal aos furos foi submetida à análise de microdureza.

Resultados e discussão

Para avaliar a influência da furação na microestrutura do material, a microdureza na borda dos furos foi analisada. Em ambos os processos foram realizadas três endentações para cada região, com carga de 0,5 kgf na escala Vickers de dureza. Para o caso da furação convencional, foram obser vadas regiões distintas na borda do furo (figura 5b). Foram classificadas quatro regiões, sendo “1 – borda do furo”, “2 – metal-base”, “3 – zona termicamente afetada (ZTA)” e “4 – interface da zona termicamente afetada e do metal-base. Já no caso da furação convencional (figura 5a), usando a mesma metodologia, apenas duas regiões foram analisadas (“1 – borda do furo” e “2 – metal-base”), pois neste processo o aporte de calor é menos expressivo. A tabela 3 mostra os valores

A tabela 3 mostra os valores obtidos pela análise de microdureza, além da média e do desvio padrão (s). Em todos os casos os valores não apresentaram diferenças.

Tab. 4 - Número de ciclos obtidos no ensaio de fadiga para ambos os processos
Amostras Número de ciclos
Furação por escoamento Furação convencional
Média 125.033 31.836
Desvio padrão (s) 28.691 5.971
Fonte: autores

Os resultados dos testes de fadiga são mostrados na tabela 4. Pode-se observar uma considerável melhora da resistência à fadiga no caso das peças furadas por escoamento, pois elas apresentaram um número de ciclos aproximadamente quatro vezes maior que o referente às furadas com broca.

Por meio da análise da superfície da falha observada nas peças processadas por furação por escoamento, foi constatado que as rebarbas decorrentes deste processo inibiram a propagação de trincas, diminuindo assim o fator de concentração de tensão no furo, o que possibilitou o aumento do número de ciclos no ensaio.

Conclusão

Os resultados obtidos no ensaio de fadiga demonstraram que o processo de furação por escoamento influencia o número de ciclos, e que as peças assim furadas suportam uma carga cíclica aproximadamente quatro vezes maior que as processadas por furação convencional. Isso comprova que a teoria de que a recristalização do material durante a furação por escoamento tem influências negativas em relação à resistência à fadiga está errada.

Fig. 5 – Regiões submetidas à análise de microdureza: (a) furação convencional: (1) borda do furo e (2) metal-base; e (b) furação por escoamento: (1) borda do furo, (2) metal-base, (3) ZTA e (4) interface da ZTA e do metal-base. Fonte: autores.

Comparando a micro dureza da b orda dos furos feitos por meio de ambos os processos, foi constatado que ela se mostrou ligeiramente maior no caso dos que foram feitos por furação por escoamento, indicando que o aporte de calor do processo contribuiu para os resultados, apesar de não ter ocorrido diferença do ponto de vista estatístico.

Fig. 6 – Região da fratura do furo feito por escoamento. Fonte: autores.

A rebarba decorrente do processo de furação por escoamento formou uma espécie de “argola” na parte superior da chapa, o que pode ter possibilitado uma diminuição da concentração de tensões no furo, além de ter contribuído positivamente para os ensaios de fadiga cíclica. Assim, a furação por escoamento aumentou a resistência à fadiga de chapas com espessura de 4,25 mm feitas de aço de alta resistência e baixa liga.

Referências

  1. CHUNGUO, Z., STEFAN V. D.V., XIAOZHI, H., PENGMIN, L.: Fatigue crack growth behavior in weld-repaired high-strength low-alloy steel. Engineering Fracture Mechanics, v. 78, n. 9, p. 1862–1875, 2011.
  2. COSTA , J. D. M., FERREIRA, J. A. M., ABREU, L. P. M.: Fatigue behaviour of butt welded joints in a high strength steel. Procedia Engineering, v. 2, n. 1, p. 697-705, 2010.
  3. DINIZ, A. E., MARCONDES, F. C., COPPINI, N. L.: Tecnologia da usinagem dos materiais. 8a edição. São Paulo: Artiliber, 2013.
  4. KRASAUSKAS, P.: Experimental and statistical investigation of thermo-mechanical friction drilling process. Mechanika, v. 17, n. 6, p. 681-686, 2011.
  5. KRISHNA, P. V. G., KISHORE, K., SATYANARAYANA, V. V.: Some investigations in friction drilling AA6351 using high speed steel tools. ARPN Journal of Engineering and Applied Sciences, v. 5, n. 3, p.11-15, 2010.
  6. MATYSIAK, W., BERNAT, L.: Shaping the edges using flowdrill technology. Metalurgija, v. 54, n. 1, p. 235- 238, 2015.
  7. NARDI, D., LACALLE, L. N. L., LAMIKIZ, A.: Taladro por fricción en aceros de doble fase. Revista Metalurgia, v. 48, n. 1, p. 13-23, 2012.