Estudo testa a conformabilidade de aços avançados de alta resistência pelo método de expansão de furos


Este artigo aborda os aços avançados de alta resistência (AHSS), enfatizando as subcategorias nas quais eles são divididos, bem como as formas de processá-los. Materiais desta classe vêm sendo cada vez mais empregados, principalmente em aplicações que compreendem a redução de peso e a melhoria do desempenho de peças e componentes confeccionados a partir deles, como tem ocorrido na indústria automotiva. Algumas propriedades destes aços são aqui tratadas, juntamente com os novos desafios inerentes à sua conformação. Além disso, são apresentadas explanações sobre a expansão de furos, um tipo de teste fundamental para a caracterização dessas ligas.


A. F. Almeida, L. A. Thesing, L. Schaeffer e U. Boff

Data: 01/10/2016

Edição: CCM Outubro 2016 - Ano XII - No 138

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Fig. 1 – Classificação dos aços quanto à conformabilidade versus limite de resistência à tração, com destaque para as três gerações de aços AHSS (4).

O uso dos avançados de alta resistência AHSS (do inglês Advanced High Strength Steels) possibilita a confecção de peças com peso reduzido e com maior capacidade de absorção de energia durante impactos. No entanto, o processamento dessas ligas traz uma série de dificuldades no que tange à sua conformação como, por exemplo, maior ocorrência de retorno elástico. Além disso, devem ser consideradas as suas características próprias de estampabilidade, tendo em vista que estes aços apresentam uma reduzida conformabilidade de bordas. Este trabalho apresenta uma revisão sobre os materiais desta classe e trata da conformabilidade de bordas – um assunto que não pode ser negligenciado quando se trata de estampagem de aços avançados de alta resistência.

AHSS

As três gerações

A crescente demanda de estruturas mais leves na indústria automotiva e a concorrência com outros materiais, tais como alumínio, magnésio e compósitos, levou os produtores de aço a desenvolver novas ligas, culminando nos chamados aços avançados de alt a resistência (AHSS), comumente divididos em três gerações.

Os aços DP (Dual Phase), CP (Complex Phase), TRIP (Transformation Induced Plasticity), FB (Ferriticbainitic) e MS (Martensitic Steel) pertencem à primeira geração e apresentam tensão de ruptura que varia de 600 a 1.700 MPa. Entre as aplicações destes aços na indústria automotiva está a confecção de para-choques e barras de proteção lateral, devido à capacidade de absorção de energia em colisões, típica desses materiais (19) . A segunda geração é composta pelos aços TWIP (Twinning Induced Plasticity), L-IP (Lightweight Induced Plasticity) e pelos aços inoxidáveis austeníticos, os quais apresentam limite de resistência de 1.200 a 1.500 MPa e alongamento de 55 a 70%. No entanto, estes possuem um custo muito elevado, o que inviabiliza a sua aplicação na indústria automotiva. A terceira geração de aços AHSS, da qual fazem parte os Q&P (Quenched and Partitioned), NanoSteel e os TBF (TRIP-aided bainitic ferrite), com propriedades mecânicas intermediárias (entre a primeira e a segunda geração (3)), apresenta um custo de produção mais competitivo. A figura 1 ilustra as três gerações dos AHSS em um diagrama de limite de resistência à tração versus deformação.

A figura 2 mostra o bulge test para um aço DP e um NanoSteel. Há evolução significativa de conformabilidade entre os aços da primeira e da terceira geração.

O uso de aços avançados de alta resistência na construção de estruturas de veículos vem crescendo rapidamente, como mostra a figura 3 (pág. 16).

É importante ressaltar que o uso de materiais avançados permite a construção de estruturas mais leves e resistentes. Entretanto, o peso do veículo é influenciado quando a este são agregadas novas te cno lo gias com o, p or exemplo, airbags, motores elétricos para acionamento de vidros, rodas maiores, barras de proteção lateral etc.

Considerações quanto aos equipamentos de conformação

Apesar das vantagens proporcionadas pelo uso de aços de maior resistência, a estampagem desses materiais abrange uma série de novos desafios – desenvolvimento de prensas e de outros equipamentos com maior força, devido à maior rageração (NanoSteel 1.188 MPa). Fonte: Branagan. resistência mecânica dos materiais e às menores tolerâncias referentes ao processamento, novos materiais e/ou processos (como metalurgia do pó) para a confecção de ferramental e o estabelecimento de projetos de produtos nos quais sejam considerados os tipos de design e as carac terísticas de estampabilidade desses aços –, bem como problemas – redução da vida útil das matrizes de corte e de estampagem (2, 5, 8).

Corte e puncionamento dos AHSS

As propriedades mecânicas destes aços levam à rápida degradação das ferramentas de corte e estampagem que os processam. Devido à necessidade de maiores tensões para promover o corte dos AHSS, as folgas entre o punção e a matriz, em comparação com o processamento de aços convencionais, devem ser aumentadas. Quanto maior a espessura do material, maior deve ser a folga entre as ferramentas (21) . Exceções a estas recomendações incluem o processamento de bordas e a confecção de furos, sujeitos à expansão, bem como flangeamento, em que a folga ideal pode corresponder a 21% da espessura da chapa processada (14).

Fig. 2 – Bulge test realizado em um aço da primeira geração (DP980 1.030 MPa)
e da terceira geração (NanoSteel 1.188 MPa). Fonte: Branagan.

Anteriormente, foi apresentada uma breve revisão acerca dos aços avançados de alta resistência, na qual foram abordadas algumas de suas características, aplicações e os desafios relacionados à conformabilidade desses materiais. A seguir, serão tratadas algumas propriedades que vêm chamando a atenção da indústria e de pesquisadores que atuam no segmento de aços avançados de alta resistência: a conformabilidade de bordas e o ensaio que a quantifica – o teste de expansão de furos.

Conformabilidade local

Fig. 3 – O percentual de cada tipo de material metálico usado na fabricação de um automóvel (12)

A conformabilidade de chapas pode ser classificada como “de volume” (bulk sheet formability) e “de borda” (edge formability). A conformabilidade de volume, também conhecida como conformabilidade global, pode ser descrita como a capacidade de conformação da chapa sem que haja falha no corpo da peça final devido à falta de ductilidade do material. Esta propriedade pode ser determinada pelas curvas-limite de conformação (CLC), por experimentos de embutimento, estiramento e medições de ductilidade a partir de testes convencionais de tração. A conformabilidade de borda, ou conformabilidade local, pode ser descrita como a capacidade de estampagem do material da chapa sem que ocorra falha por fratura em uma borda ou furo da peça final. A conformabilidade local é avaliada a partir de testes de expansão de furos, e a medida é conhecida como razão de expansão de furos (15).

Fig. 4 – Processo de expansão de furos em uma chapa. Pela norma, o furo deve ter diâmetro de 10 mm e o punção deve ter ângulo de 60°. Fonte: adaptado de (15).

Um dos requisitos para a aplicação de aços em certas partes de um veículo é que o materiaselecionado possua, além de excelente estiramento, boas carac terísticas de embutimento profundo e resistência à fadiga, além de capacidade de sofrer expansão de furos (18) . Para exemplificar, pode-se citar as chapas de aço multifásicas de baixo carbono associadas ao TRIP ou TMP (TRIP-aided multi-phase), as quais foram especialmente desenvolvidas para a indústria automotiva e atendem a alguns requisitos, tais como capacidade de absorção de energia durante a deformação (barras de proteção lateral). No entanto, estes aços, apesar da sua boa conformabilidade global, apresentam pouca conformabilidade local, o que dificulta a sua aplicação em, por exemplo, algumas partes da suspensão, tais como braços (figura 6, pág. 18).

Razão de expansão de furos

A magnitude das deformações ocorridas na chapa quando ela é submetida à expansão de furos é carac terizada pela razão de expansão de furos (REF), também simbolizada por “β”, que é definida como a razão entre o aumento do diâmetro interno do colar e o diâmetro do furo inicial (10 mm de diâmetro) (17). A chapa é fixada por um prensa-chapas e o furo é expandido na medida em que um punção cônico de 60o avança, conforme mostra a figura 4.

  onde REF é igual à razão de expansão de furo.

  O processo de expansão de furos difere da conformação mecânica tradicional, uma vez que a interface do furo não apresenta restrições para a propagação de trincas. Assim, os critérios de fratura dúctil do processo de expansão devem ser cuidadosamente examinados e novos critérios de fratura devem ser implementados a partir da comparação com resultados experimentais (13) . A figura 5 (pág. 18) mostra uma chapa com um furo submetido a um processo de expansão, no Laboratório de Transformação Mecânica da UFRGS (RS).

O teste de expansão de furos é um dos tipos de avaliação que tem uma boa correlação com o desempenho do material na produção, uma vez que este teste promove o contato entre ferramenta e chapa, simulando condições típicas da produção de peças. Isso não ocorre, por exemplo, com o teste de tração (16).

Fig. 5 – Exemplo de chapa submetida ao teste de expansão de furos.

Fig. 6 – Exemplos de peças cuja conformabilidade local é importante. Braços de suspensão (FB 540 e FB 560, respectivamente). Fonte: ArcelorMittal.

Variáveis que influenciaram a razão de expansão de furos

O valor limite da REF depende de diversos parâmetros (9, 10, 11, 20):

Prever o formato da peça após a expansão de um furo, bem como o diâmetro do furo expandido e a altura do flange, pode diminuir muito o tempo de projeto, em comparação com testes baseados em tentativa e erro (17).

De acordo com Sung (2007) e Dykeman (2009), até o momento não foi possível estabelecer uma relação direta entre falhas localizadas (como a expansão de furos) e propriedades como encruamento “n”, anisotropia “r” e alongamento. Os materiais precisam ser submetidos a diversos estados de tensões.

Entre os desafios listados pela SSAB, produtora sueca de aços, no que tange à estampabilidade de chapas sujeitas a algum tipo de expansão de furos ou bordas, estão:

Rupturas em cantos/furos não podem ser previstas pela CLC;

Rupturas em c antos / furos estão relacionadas com a qualidade da confecção do furo inicial;

Quanto maior é a resistência mecânica do aço, menor é a REF;

A REF fica ainda pior quando o furo é obtido por ferramentas.

Influência da qualidade do furo

Diversos trabalhos relatam que a expansão de furos tem forte relação com o método de confecção dos furos e com a qualidade deles. Wang et al analisaram a capacidade de expansão de furos do aço DP780, para furos feitos por usinagem, cor te por jato d’água e puncionamento. A razão de expansão de furos foi de 38% para os furos usinados e para os feitos por corte por jato d’água, enquanto os furos obtidos por puncionamento apresentaram expansão de 14% (23).

A afiação das arestas de corte e a folga entre a matriz de corte e o punção afetam diretamente a qualidade das arestas da chapa e, consequentemente, o desempenho delas em operações posteriores à estampagem.

Rebarba

No caso da expansão de furos feitos por puncionamento, é muito importante observar o lado da rebarba. Sempre que possível, a furação e a expansão devem ser feitas em direções opostas, para que a rebarba fique localizada na parte interna do furo (do mesmo lado do punção). A rebarba na parte externa (lado oposto ao punção) possibilita a formação de trincas (12, 14). Em geral, a remoção da rebarba aumenta a REF (6).

Aplicações da expansão de furos

A expansão de furos em chapas metálicas é usada, por exemplo, na indústria automotiva, para inserir buchas de borracha nos braços de controle do sistema de suspensão de veículos (7). Sugimoto et al (2002) também relatam que a confecção de algumas partes da suspensão requer aços que apresentem boa conformabilidade local (figura 6).

Fig. 7 – Roda automotiva feita em aço (1)

Atualmente, os aços avançados de alta resistência são pouco usados na produção de rodas automotivas. No entanto, há pesquisas em andamento voltadas para o aumento deste tipo de aplicação. Isso depende muito do design almejado para o produto, cuja obtenção depende de aços que apresentem boa conformabilidade local. A figura 7 mostra uma roda automotiva feita em aço. A redução do peso (massa) de partes em rotação, como é o caso das rodas, influencia o consumo de combustível.

O flangeamento de furos também é utilizado para a produção de componentes feitos a partir de chapas finas, destinados à junção com outras peças (22). Na indústria automotiva, boa parte da estrutura de veículos é feita a partir de chapas planas. A redução de peso é obtida a partir do uso de materiais com elevada resistência, combinados com tipos de design que maximizam a rigidez da estrutura. Uma das formas de aumentar a rigidez de uma estrutura fabricada a partir de chapas é a introdução de flanges, em que a inserção de buracos diminui o peso, enquanto o flangeamento aumenta a rigidez pelo aumento do momento de inércia de área.

Conclusões

Um dos principais desafios da indústria automotiva é desenvolver veículos leves levando em consideração as normas de segurança e as políticas ecológicas e econômicas vigentes. Isso abrange a interação de diversas áreas da indústria, tais como de desenvolvimento de design, de ciência dos materiais e de processos de fabricação. Os aços avançados de alta resistência parecem ser os materiais que melhor atendem a estas necessidades. No entanto, o processamento deles também impõe novos desafios, como é o caso da conformabilidade de bordas.

Referências

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