A manufatura aditiva (MA) pode ser definida como o processo de fabricação com o objetivo de criar um objeto tridimensional por camadas a partir de um modelo virtual, e possui aplicação em diversos mercados por permitir a obtenção de geometrias complexas e uma maior variedade de materiais (12). Entretanto, em se tratando da manufatura aditiva de materiais metálicos, esse processo enfrenta desafios referentes à sua baixa qualidade superficial e baixa precisão dimensional e geométrica (7), sendo necessário o pós-processamento de maneira a garantir os requisitos de projeto, como é o caso da usinagem.

É importante salientar que, devido às características inerentes aos processos de manufatura aditiva, que envolvem a fusão e solidificação do material metálico, há a possibilidade de alterações significativas nas propriedades mecânicas e características microestruturais em comparação ao mesmo material fundido (3), o que pode afetar negativamente a usinabilidade do material.Assim, o comportamento do material quando submetido à usinagem pode ser diferente daquele esperado.

Vários estudos têm sido realizados para avaliar diferentes condições de corte na usinagem de materiais metálicos fabricados por MA. Sobre o fresamento, um trabalho (6) analisou o efeito da velocidade de corte e avanço no fresamento do aço UNS 5500 obtido por manufatura aditiva, usando uma ferramenta intercambiável de metal duro com diâmetro de 20 mm e dois insertos de designação ISO XDMT090308HXPA120. Os ensaios foram feitos com aplicação de fluido de corte (emulsão). As velocidades de corte foram definidas em: 80, 100, 120, 140 e 160 m/min. Foi realizado um passe de profundidade de 0,5 mm e velocidade de avanço da mesa mantida constante de 85 mm/min em todas as superfícies. A pesquisa concluiu que a velocidade de corte no fresamento afeta diretamente a integridade superficial do material, influenciando principalmente a dureza superficial, que diminuiu com o aumento da velocidade.

Em um estudo complementar mostrado na literatura (13), foi realizada uma análise da usinagem de peças de titânio fabricadas por manufatura aditiva, levando em consideração diferentes estratégias de fresamento (ascendente, descendente e de ranhura). A ferramenta de corte usada foi de metal duro, com diâmetro de 12 mm

e cinco dentes. A profundidade de corte axial (ap) e velocidade de corte foram mantidas constantes e iguais a 0,4 mm e 60 m/min, respectivamente. Este estudo mostrou que o fresamento ascendente ofereceu melhor qualidade superficial em comparação ao descendente (menores valores de rugosidade). Durante o fresamento de ranhuras, foi observada uma quebra prematura da ferramenta, atribuída ao caminho da ferramenta perpendicular ao metal de solda solidificado.

O estudo aqui presente tem como objetivo avaliar o efeito de diferentes condições de corte no fresamento do aço inoxidável AISI 316 L fabricado por manufatura aditiva nos resultados de rugosidade da superfície usinada, corrente elétrica requerida pela máquina-ferramenta e desgaste da ferramenta de corte. As condições de corte testadas foram em termos de avanço e trajetória da ferramenta em relação à direção longitudinal de deposição do material (paralelo e perpendicular).

Procedimento experimental

Os ensaios de fresamento frontal (faceamento) foram feitos em um centro de usinagem CNC da Romi (modelo D 600), o qual possui potência nominal de 18,5 kW, magazine com capacidade de comportar até 20 ferramentas e comando Fanuc 0i-MD, operando a faixas de rotação de 10 a 8.000 rpm.

A peça usada, em aço inoxidável AISI 316L, foi fabricada por manufatura aditiva por deposição a arco (MADA) com arame metálico. O corpo de prova apresenta geometria prismática, com superfície a ser usinada com dimensões de 14 mm de largura e 85 mm de comprimento. A ferramenta de corte utilizada nos ensaios foi composta por um cabeçote de fresamento de facear com 50 mm de diâmetro e três cortes, para pastilhas com designação ISO TPKN 1603. As três pastilhas usadas nos ensaios foram de metal duro revestido, com designação ISO TPKN1603PPR530, classes P e M, da Rewiid. Na figura 1 são mostrados o cabeçote de fresamento fixado ao cone, uma pastilha utilizada, bem como as informações quanto aos parâmetros de corte conforme recomendação do fabricante.

Conforme os objetivos deste trabalho, diferentes trajetórias da ferramenta em termos de direção de avanço foram avaliadas: paralelo (0°) e perpendicular (90°) à direção longitudinal de deposição do material empregado na manufatura aditiva. Para a trajetória em paralelo, apenas uma passagem da ferramenta sobre a peça foi usada, uma vez que a largura da peça é menor que o diâmetro da ferramenta. Para a trajetória perpendicular, duas passagens foram realizadas: 1o passe e 2o passe. Na figura 2 é mostrado um esquema ilustrativo das diferentes trajetórias avaliadas, bem como a configuração para os ensaios de fresamento.

Em relação aos parâmetros de corte usados nos ensaios de fresamento, a velocidade de corte (vc) e profundidade de corte (ap) foram de 80 m/min

e 0,50 mm, respectivamente, ambas constantes para todos os ensaios. Além das diferentes trajetórias da ferramenta (paralelo e perpendicular), diferentes condições de avanço foram testadas: 0,1 mm/rev e 0,2 mm/rev. Em termos de penetração de trabalho (ae - largura efetiva da fresa), este parâmetro foi igual à largura da peça (14 mm) para a trajetória paralela (0°) e 42 mm para a trajetória perpendicular (90°). Na tabela 1 é mostrado o planejamento experimental usado nos ensaios de fresamento.

As variáveis de saída analisadas neste trabalho foram a rugosidade da superfície usinada (parâmetro Ra), corrente elétrica da máquina-ferramenta e o desgaste da ferramenta de corte. A rugosidade foi medida com auxílio de um rugosímetro portátil Mitutoyo SJ 210. Foi utilizado um comprimento de amostragem de 0,8 mm, comprimento de avaliação de 4,0 mm (cinco comprimentos de amostragem) e filtro do tipo Gaussiano. Três medições foram feitas para cada condição de fresamento e os valores médios e desvio-padrão do parâmetro Ra foram considerados para análise.

A corrente elétrica da máquina ferramenta foi medida com auxílio de sensores de Efeito Hall e microcontrolador Arduino, a uma taxa de aquisição de sinais de aproximadamente um ponto por segundo (1 Hz). O desgaste de cada pastilha de metal duro foi analisado com o auxílio de um microscópio digital de bancada Haiz Zoom 1.600 x cam 2.0 Mp. Para avaliação quantitativa, o desgaste de flanco máximo (VBBmax) de cada inserto foi medido com auxílio de software de edição de imagens após calibração de escala com régua de 0,5 mm de resolução conforme exemplificado na figura 3.

Resultados e discussões

Na figura 4 são mostrados os valores de rugosidade Ra obtidos para cada condição de fresamento testada, em que 0° e 90° corresponde à trajetória da ferramenta paralela e perpendicular, respectivamente, f1 e f2 referem-se respectivamente ao avanço de 0,1 mm/rev e 0,2 mm/rev, e 1o passe e 2o passe para primeira passagem e segunda passagem da ferramenta na peça na trajetória de 90°.

Notou-se que, referente ao efeito da trajetória da ferramenta na rugosi-

dade da superfície usinada (figura 4), a trajetória de 90°, em comparação com a paralela (0°), apresentou, no geral, melhores resultados de rugosidade (menores valores de Ra), com exceção da condição 90° - 0,2 mm/rot - 2o passe. Além disso, é possível observar que o aumento do avanço resultou em maiores valores de rugosidade Ra, exceto quando foi usada a trajetória paralela (0°), em que o aumento do avanço contribuiu para reduzir os valores de Ra em 35,48%. Este comportamento não é usual, uma vez que maiores valores de rugosidade estão normalmente associados com a utilização de maiores avanços (11). Esse fenômeno, embora atípico, pode ser influenciado por condições específicas do fresamento, como a interação entre a ferramenta e a peça ou a acumulação de material nas arestas da ferramenta, que podem agir como um “amortecedor” durante a usinagem (1). Em relação às passagens da ferramenta na peça para a trajetória perpendicular (90°), pode-se observar (figura 4) que, em geral, a primeira passagem (1o passe) apresentou menores valores de

rugosidade Ra, principalmente para a condição mais severa (maior avanço). Para o menor avanço, embora o 1o passe tenha promovido menor valor de Ra, em média, não houve diferença significativa em relação ao 2o passe. Na figura 5 estão os gráficos contendo os valores da corrente elétrica em função do tempo para cada condição de fresamento testada, incluindo os valores médios de corrente elétrica durante o tempo de corte. Em relação aos valores médios, pode-se observar que o fresamento paralelo (0°) apresentou, no geral, menores valores médios de corrente elétrica no tempo de corte em comparação com a trajetória perpendicular, especialmente para a condição mais severa (maior avanço). Além disso, é possível observar maior variação de corrente elétrica no período ativo para a trajetória de 90°, o que resultou em maiores desvios-padrão. Esse resultado sugere maiores oscilações nos esforços de corte durante o fresamento a 90°, resultando, consequentemente, em maiores variações de corrente elétrica durante o período ativo.

Em relação ao efeito do avanço na corrente elétrica, nota-se (figura 5) que quando se aumenta o avanço no fresamento, a corrente elétrica requerida pela máquina também aumenta. Isso ocorre porque um maior avanço implica na remoção de uma quantidade maior de material por unidade de tempo, o que exige maiores esforços de corte. Essas forças de corte adicionais demandam mais potência do motor da máquina-ferramenta, resultando em um maior consumo de energia, o que está associado a maiores valores de corrente elétrica (10).

Na figura 6 há imagens da superfície de folga das ferramentas (pastilhas) usadas neste trabalho, incluindo uma pastilha nova para fins comparativos. Visivelmente, se destaca o desgaste de flanco em todas as ferramentas, que se manifesta por uma faixa desgastada que ocorre paralelamente à aresta de corte, fruto do atrito constante entre a ferramenta e a peça (9). Também pode-se observar que o máximo valor de desgaste de flanco foi de 0,435 mm (figura 6(d)), um valor elevado, considerando o tempo de usinagem em que a ferramenta foi utilizada (240 segundos).

De acordo com a literatura (2), o desgaste da ferramenta de corte exerce influência significativa na rugosidade da peça. À medida em que a ferramenta se desgasta, especialmente na aresta de corte, a remoção de material se torna menos precisa, resultando em uma superfície usinada mais rugosa (maiores valores de rugosidade). Ainda de acordo com a literatura (4), o desgaste da ferramenta de corte diminui sua eficiência durante o corte, exigindo, portanto, maiores esforços para remoção de material, além de aumentar o atrito entre a ferramenta e a peça, levando a um maior consumo energético (maiores valores de corrente elétrica).

Os resultados de desgaste observados neste trabalho sugerem que o elevado valor de rugosidade Ra observado para a condição 90° - 0,2 mm/rot - 2o passe (figura 4), bem como os maiores valores de corrente elétrica para esta mesma condição (figura 5(d)), podem estar associados ao desgaste elevado da ferramenta de corte, uma vez que as mesmas ferramentas foram usadas para todos os ensaios, sendo essa condição de corte em específico (90° - 0,2 mm/rot) a última testada conforme o planejamento experimental mostrado na tabela 1.

É importante ressaltar que, para as condições testadas neste trabalho, a rotação da ferramenta foi aproximadamente oito vezes maior que a taxa de aquisição da corrente elétrica, o que não permite avaliar com maiores detalhes o comportamento dessa variável de saída em relação à interação entre cada aresta de corte e o material da peça. Além disso, a baixa taxa de aquisição também prejudica a análise no que diz respeito à espessura de corte variável, a qual impacta diretamente a demanda de energia durante a usinagem (8).

Conclusões

Com base nos resultados obtidos neste trabalho, pode-se concluir que a trajetória de 90°, em comparação com a paralela (0°), apresentou, no geral, melhores resultados de rugosidade (menores valores de Ra), com exceção da condição 90° - f2 - 2o passe, última condição testada. O aumento do avanço resultou em maiores valores de rugosidade Ra, exceto quando foi usada a trajetória paralela (0°).

O fresamento paralelo (0°) apresentou uma média de valores de corrente elétrica (valor RMS) pouco menor em comparação com a trajetória perpendicular (90°), principalmente para o maior avanço (f = 0,2 mm/rev). A corrente elétrica ao longo do tempo de corte (remoção de material) aumentou com o avanço.

Para as condições testadas neste trabalho, a ferramenta de corte apresentou um desgaste de flanco acentuado: máximo de 0,435 mm após 240 segundos de remoção de material (tempo de corte).

Agradecimentos

Os autores agradecem ao curso de Engenharia Mecânica e ao Centro de Tecnologia da Universidade Federal do Piauí (UFPI) pelo apoio e disponibilização das instalações e equipamentos necessários para o desenvolvimento deste trabalho. Um dos autores agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão da bolsa de pesquisa a nível de iniciação científica, a qual foi essencial para a realização deste projeto de código PICT 11114-2023 (PIBIC UFPI 2023/2024).

Responsabilidade pelas informações

Os autores são os únicos responsáveis pelas informações incluídas neste trabalho.

Referências

  1. Altintas, Yusuf. Manufacturing automation: metal cutting mechanics, machine tool vibrations, and CNC design. Cambridge university press, 2012.

  2. Amorim, Heraldo José de. “Estudo da relação entre velocidade de corte, desgaste de ferramenta, rugosidade e forças de usinagem em torneamento com ferramenta de metal duro”. (2002).

  3. Beese, A.M. Microstructure and mechanical properties of AM Builds. Thermo- mechanical modeling of additive manufacturing. 1 Ed, 2018. ISBN 9780128118207. https://doi. org/10.1016/B978-0-12-811820-7.00007-0.

  4. Cataldo, Andrea, Riccardo Scattolini, and T. Tolio. “An energy consumption evaluation methodology for a manufacturing plant”. CIRP Journal of Manufacturing Science and Technology 11 (2015): 53-61.

  5. Cozzolino, Ersilia, et al. “Uma abordagem integrada para investigar o consumo de energia para fabricação e acabamento de superfície de peças de Inconel 718 impressas em 3D”. Journal of Manufacturing Processes 79 (2022): 193-205.

  6. De Barros, Guilherme Cardoso Ribeiro. “Estudo da integridade superficial após fresamento do aço UNS 15500 obtido por manufatura aditiva”. (2018).

  7. Frazier, W. E.; Wang, Z.; Zeng, X. Metal additive manufacturing: A review. Journal Of Materials Engineering and Performance. [S. l.], p. 1917-1928. 08 abr. 2014. Disponível em: https://link.springer.com/. Acesso em: 25 out. 2021.

  8. LI, Xiaoli. A brief review: acoustic emission method for tool wear monitoring during turning. International Journal of Machine Tools and Manufacture, v. 42, n. 2, p. 157-165, 2002.

  9. Machado, Álisson Rocha, et al. Teoria da usinagem dos materiais. Editora Blucher, 2015.

  10. Mendonça, Geovanna Diniz. “Análise da influência do avanço no microfresamento da liga Al6101 T6 através da qualidade superficial dos canais”. (2022).

  11. Stephenson, D. A. e Agapiou, J. S. Metal cutting theory and practice. CRC Press, Boca Raton, 3rd edition, 2016.

  12. Stewart, Duncan. 3D printing growth accelerates again: TMT Predictions 2019. Deloitte, 2019. Disponível em: https://www2.deloitte.com/us/en/insights/industry/technology/technology-media-and-telecom-predictions/3d-printing-market.html. Acesso em: 27 de junho de 2019.

  13. Veiga, Fernando, et al. “Analysis of the machining process of titanium Ti6Al-4V parts manufactured by wire arc additive manufacturing (WAAM)”. Materials 13.3 (2020): 766.

     

 

 

 


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