Qualidade da superfície do ferro fundido vermicular FV 450 após a retificação plana tangencial


Este artigo apresenta os resultados do acabamento superficial e as imagens das superfícies de amostras do ferro fundido vermicular após a retificação plana, com rebolo de carbeto de silício. Ao longo do trabalho, a penetração foi variada (15 e 30 μm), enquanto que a velocidade de corte (32 m/s) e a velocidade longitudinal da mesa (10 m/min) foram mantidas constantes.


M. L. S. Lima, J. R. S. A. Cardoso, R. B. Silva, L. J. Arantes, A. V. Mello e F. M. C. Freitas

Data: 01/06/2017

Edição: MM Abril 2017 - Ano 53 - No 615

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Figura 1 – Grandezas físicas na retificação plana tangencial[7]

Em geral, o processo de retificação é a última etapa na produção de uma peça, de modo que qualquer desconformidade pode significar a perda do produto e gerar grandes prejuízos. Mas ainda são poucos os estudos que avaliam de maneira estatística as relações dos parâmetros de corte com os resultados desejados[7], pois são muitas as variáveis envolvidas neste ciclo e os ensaios experimentais demandam mais tempo, sendo, no geral, mais onerosos que os processos convencionais de usinagem, com ferramenta de geometria definida. Dessa forma, torna-se necessário identifi car as variáveis do processo que mais afetam a integridade da superfície e os desvios dimensionais das peças. Assim, um trabalho experimental investigativo nesta área se revela de grande importância.

As principais grandezas físicas envolvidas nas operações de retificação plana tangencial são apresentadas a seguir e ilustradas na figura 1:

vs = velocidade periférica do rebolo (m/s);
vw = velocidade periférica da peça (mm/s ou m/min);
ap = profundidade de usinagem (mm);
ae = penetração de trabalho (mm);
lc = comprimento de contato rebolo-peça (mm);
Heq = espessura de corte equivalente ou espessura da camada de material arrancado pelo rebolo (mm).

No que se refere à penetração de trabalho, quando esta aumenta, provoca um acréscimo no número de grãos ativos e no tempo de contato. Isso faz com que cada grão abrasivo remova uma quantidade menor de material, resultando em cavacos mais alongados e finos [1]. Ressalta-se que há uma maior parcela de atrito e riscamento, desde o início da formação do cavaco até a sua expulsão, elevando a temperatura na região de corte e, consequentemente, deteriorando o acabamento.

Embora a maioria dos trabalhos na literatura aborde a retificação de aços, ainda são poucos os estudos com aplicações em ferros fundidos. Estes são os principais materiais utilizados na fabricação de componentes de motores de combustão interna como blocos, cabeçotes, eixos de comando de válvula e virabrequins. Suas propriedades mecânicas são definidas pela microestrutura, mais precisamente pela forma em que o carbono se encontra combinado[5].

Figura 2 – Materiais fabricados em ferro fundido vermicular: bloco de motor a diesel (a); coletor de escapamento (b); disco de freio (c); cabeçote (d)

O ferro fundido é definido como uma liga terciária de ferrocarbono-silício, com teores de carbono geralmente acima de 2%, em quantidade superior ao que pode ser retido em solução sólida na austenita [2]. Além disso, o carbono resultante pode se apresentar parcialmente livre, na forma de veios ou então em lamelas de grafita. A maioria dos ferros fundidos contém silício, entre 1% e 3%, e enxofre, podendo ou não conter outros elementos de liga.

Até a década de 1990, os ferros fundidos eram divididos em quatro classes, sendo cinzento, maleável, branco e nodular. A partir de 1999, uma nova classe de ferro fundido começou a ser produzida: ferro fundido vermicular. Esta classe vem ganhando cada vez mais espaço na indústria automobilística e atualmente é utilizado na produção de blocos de motores [4]. Outros exemplos de aplicações deste material são: discos de freio, cabeçotes de cilindros e coletores de escapamento (figura 2).

Nos ferros fundidos vermiculares, a grafita apresenta-se predominantemente na forma de vermes e é interconectada com as extremidades arredondadas na forma de nódulos, conferindo ao material boa resistência mecânica, tenacidade, resistência à fadiga, amortecimento e condutividade térmica[5]. As propriedades deste material situam-se geralmente entre as dos ferros fundidos cinzento e nodular, conforme mostra a tabela 1.

Tabela 1 – Comparação entre as propriedades físicas e mecânicas dos ferros fundidos cinzentos, vermiculares e nodulares[4]

O ferro fundido vermicular reúne propriedades intermediárias em relação ao ferro fundido cinzento e nodular, tendo mais vantagem em relação ao primeiro, com destaque para o aumento de 75% no limite de resistência, 40% no módulo de elasticidade e 80% na resistência à fadiga.

Neste sentido, este trabalho apresenta os resultados de rugosidade e as imagens da superfície de amostras de ferro fundido vermicular, que foram retificadas com rebolo de carbeto de silício em várias condições de corte. Ressalta-se que o acabamento superficial exerce um papel importante no comportamento dos componentes mecânicos e está relacionado com a precisão de ajuste da máquina, condições de usinagem e com as tolerâncias de fabricação, que são especifi cadas de acordo com a aplicação da peça usinada. Segue então a importância de identificar o acabamento que pode ser proporcionado em um material que ainda não conta com muitos dados de retificabilidade.

Figura 3 – Retificadora plana tangencial com o sistema rebolo-peça

Figura 4 – Posicionamento do bocal com o fluido de corte

Materiais e métodos

Neste trabalho, foi usada uma retificadora plana modelo P36, com 2.400 rpm e 3 HP, além de resolução no eixo Z de 5 μm (figura 3). A ferramenta de corte utilizada foi um rebolo convencional de carbeto de silício (SiC), com especificação 39C46KVK, da Saint-Gobain Abrasivos, e com as seguintes dimensões: 254 x 25 x 76 mm. Foi selecionado o fluido de corte sintético de base vegetal ME-3, em solução aquosa na proporção de 1:20. O bocal foi posicionado de forma tangente ao rebolo, a uma vazão de 545 L/h (figura 4).

O material da peça é o ferro fundido vermicular FV450, em formato de barra retangular, com base quadrada e dimensões de 49 x 18 x 19 mm. Na tabela 2 são apresentadas algumas das principais propriedades do ferro fundido vermicular.

Tabela 2 – Características do ferro fundido vermicular[10]

Foram empregados os seguintes parâmetros de corte: velocidade periférica do rebolo (vs): 32 m/s, velocidade longitudinal da peça (vw): 10 m/min, profundidade de dressagem (ad): 10 μm, e dois valores de penetração de trabalho (ae): 15 e 30 μm. Foram realizados quatro ensaios, incluindo a réplica. O critério para o fim de cada ensaio foi um volume de material removido igual a 55,86 mm3 . As variáveis de saída utilizadas foram os parâmetros de rugosidade (Ra e Rz) e as imagens das superfícies usinadas.

A medição dos parâmetros da rugosidade foi realizada com o auxílio de um rugosímetro portátil, modelo SJ201P, da Mitutoyo, com resolução de 0,01 μm. Foram utilizados um comprimento de onda do fi ltro (cut-off) de 0,8 mm e um de avaliação de 4 mm. As medições foram realizadas perpendicularmente à direção de avanço longitudinal da peça, sendo a primeira medição a 4,5 mm da aresta e as demais equidistantes de 10 mm, conforme ilustrado na figura 5.

Figura 5 – Regiões de medição da rugosidade na superfície da peça

Após o processo de retificação, todas as amostras foram submetidas a procedimentos metalográficos, para verificar se houve danos na superfície. Elas foram devidamente limpas e preparadas para a avaliação das superfícies retificadas em um microscópio eletrônico de varredura (MEV).

Resultados e discussões

A seguir são apresentados os resultados de rugosidade e as análises realizadas das superfícies obtidas, após a retificação do ferro fundido vermicular em diferentes condições de corte.

Rugosidade

Os resultados médios para os parâmetros de amplitude da rugosidade aritmética (Ra) e da rugosidade total (Rz) são apresentados nas figuras 6 e 7, respectivamente. Estes valores foram obtidos após quatro passes, com penetração de 15 μm, ou dois passes, com 30 μm, totalizando 60 μm ao final de cada ensaio.

Na figura 6 observa-se que há um crescimento da rugosidade Ra, com a penetração de trabalho ae. Essa tendência está relacionada com o aumento da espessura de corte equivalente, a qual é consequência direta do aumento da penetração de trabalho. Isso implica em cavacos com maiores dimensões, os quais, com a progressão do corte, se agrupam e podem causar o empastamento do rebolo.

Sabe-se que, dependendo da estrutura do rebolo, os seus poros não são capazes de alojá-los. Assim, o cavaco alojado no rebolo diminui a eficiência na retificação, aumenta os esforços de corte da ferramenta sobre a peça e, consequentemente, compromete a superfície retificada.

Figura 6 – Valores médios de rugosidade Ra obtidos com a variação da penetração de trabalho

Figura 7 – Valores médios de rugosidade Rz, obtidos com a variação da penetração de trabalho

Além disso, a penetração de trabalho possui relação direta com a área de contato entre a peça e o rebolo, ou seja, com o seu aumento, cresce também a área de contato e, consequentemente, as forças de corte, afetando ainda a qualidade da superfície retificada. Esta pode ter sido a causa da elevação de ambos os parâmetros de rugosidade estudados neste trabalho. Mas, mesmo com a elevação da rugosidade Ra, os valores obtidos estão abaixo de 0,3 μm, os quais são bem inferiores ao limite máximo de Ra = 1,6 μm (valor de referência usualmente adotado para processos de retificação de semiacabamento). Estes valores indicam que as condições de corte empregadas nessa pesquisa (velocidade do rebolo, velocidade da peça, penetração de trabalho, rebolo e fluido de corte) foram adequadas para a retificação plana do ferro fundido vermicular FV 450.

Figura 8 – Valores de rugosidade Ra de acordo com o posicionamento do rugosímetro

Na figura 8, são apresentados os valores de rugosidade Ra obtidos em cada uma das cinco posições em que o apalpador do rugosímetro foi colocado durante a medição, tanto para o ensaio principal quanto para a réplica, utilizando-se os dois valores de penetração de trabalho descritos anteriormente. Nesta mesma figura, observa-se que nos ensaios principais, para cada penetração de trabalho, praticamente não houve diferença entre os valores de rugosidade obtidos, mas a diferença foi significativa para a réplica.

O aumento da rugosidade entre os ensaios 1 e 2 pode ser atribuído à superfície do rebolo resultante da operação de dressagem realizada. Não é tarefa fácil garantir uma uniformidade das dimensões de um grão abrasivo, mesmo adotando um procedimento rigoroso de dressagem, pois de uma para outra pode-se variar o número de grãos que foram expostos, como também a quantidade de ligante que pode atritar com a peça. A réplica de cada ensaio pode ter sofrido influência da dressagem e isso refletiu no acabamento da superfície em relação ao ensaio principal.

Análise da superfície usinada

Na figura 9 são apresentadas as superfícies do ferro fundido vermicular retificadas para as diferentes condições de corte. Essas imagens se referem ao ensaio principal e réplica para a menor penetração de trabalho. Observa-se que as marcas de avanço dos grãos são semelhantes. Nota-se também a presença de algumas áreas com deformações plásticas e de fluxo lateral de material causado pelos abrasivos, mas que, ainda assim, não elevaram a rugosidade para valores acima de 1,6 μm. Além disso, é importante ressaltar que não foram obser vadas trincas perpendiculares à superfície nas amostras e nem a presença de queimas de aspecto visual.

Figura 9 – Imagens em MEV das superfícies do ferro fundido vermicular FV 450 após a retificação com o rebolo de SiC em diferentes condições de corte

A figura 9 mostra ainda o ensaio principal e a réplica, respectivamente, para a maior penetração de trabalho. De forma análoga para a menor penetração, as marcas de avanço nos dois ensaios apresentados são bem parecidas, com riscos visíveis ao longo da direção de avanço da ferramenta. Ao comparar as duas imagens da figura 9 (cujas escalas são as mesmas) é possível observar que as marcas longitudinais nas superfícies das primeiras são mais largas e não apresentam a mesma continuidade como aquelas após a usinagem com a menor penetração de trabalho.

Esta diferença já era esperada, pois à medida que se aumenta a penetração de trabalho na máquina-ferramenta, os grãos também penetram mais na peça, refletindo na rugosidade. O parâmetro Rz foi mais sensível a esta alteração, que detecta os vales mais profundos em todo o comprimento de amostragem selecionado.

Conclusão

As seguintes conclusões podem ser apresentadas neste trabalho:

Referências

  1. Bianchi, E. C.; Valarell, I. D.; Fernandes, O. C.; Mogami, O.; Silva Jr, C. E.; Aguiar, P. R.: Análise do comportamento de rebolos convencionais na retificação de aços frágeis e dúcteis. Congresso Norte-Nordeste de Engenharia Mecânica (Conem), Recife, PE, 1996.
  2. Chiaverini, V.: Tecnologia mecânica - Processos de fabricação e tratamento, 2a ed., v. 3, 388 p., McGraw-Hill Ltda., São Paulo, SP, 1986.
  3. Dawson, S.; Indra, F.: Compacted graphite iron - A new material for highly stressed cylinder blocks and cylinder heads. SinterCast - Supermetal CHI, 2012.
  4. Dawson, S.; Hollinger, I.; Robbins, M.; Daeth, J.; Reuter, U.; Schulz, H.: The effect of metallurgical variables on the machinability of compacted graphite iron. Sintercast, 22 p., publicação técnica, 2014.
  5. Guesser, W. L.: Propriedades mecânicas dos ferros fundidos. 1 a ed., 336 p., Blüsher, São Paulo, SP, 2009.
  6. Guesser, W. L.: Ferro fundido com grafita compacta. Metalurgia & Materiais, p. 403-405, 2002.
  7. Malkin, S.: Grinding technology. Theory and applications of machining with abrasives. Society of Manufacturing Engineers, Michigan, 275 p., 1989.
  8. Marinescu, I. D.; Hitchiner, M.; Uhlmann, E.; Rowe, W. B.; Inasaki, I.: Handbook of machining with grinding wheels. CRC Press, Nova York, EUA, 2007.
  9. Shaw, M. C.: Principles of abrasives processing. Oxford Science on Advanced Manufacturing, Nova York, EUA. 565 p., 1996.
  10. Viana, R.: Desempenho de brocas de HSS revestidas na furação de ligas de Al-Si. Dissertação de mestrado – Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia, MG, 81 p., 2004.