F. Bonardi Fo, G. Santos, S. Vanucci e M. L. Polli
Data: 29/12/2016
Edição: MM Novembro 2016 - Ano - 52 No 610
Compartilhe:O mercado atual mostra um alto índice de crescimento da indústria automotiva, movido pelos avanços tecnológicos e a grande demanda existente neste ramo. O aumento da demanda de veículos faz com que as indústrias fornecedoras de componentes automotivos estejam em constante evolução em seus processos de fabricação.
Entre os principais componentes automotivos está o cabeçote de motor (figura 1), cuja fabricação agrega alta tecnologia, porém, apresenta situações dignas de um estudo mais aprofundado sobre possíveis melhorias no processo. Pode-se citar como exemplo a usinagem de partes de um cabeçote de alta complexidade, tais como alojamentos de eixos de comando, guias de válvulas e sedes de válvulas sinterizadas.
Os materiais produzidos pela metalurgia do pó apresentam características vantajosas com relação às propriedades químicas, mecânicas e funcionais. Consequentemente, a usinagem destes componentes é um tópico emergente para a indústria e para a ciência[5].
As sedes da válvula em conjunto com as válvulas constituintes formam o par mecânico pelo qual se consegue a estanqueidade da câmara de combustão, visto na fi gura 2 (pág. 43). A geometria das válvulas é crítica, a fim de assegurar a estanqueidade durante a operação do motor, especialmente durante a compressão e a combustão. Vazamentos pelas válvulas afetam negativamente a taxa de compressão e, consequentemente, a efi ciência do motor[3].
Devido às propriedades mecânicas, as sedes de válvula tornaram-se peças de difícil usinagem. O desvio de circularidade e a qualidade superficial da sede de válvula sofrem influência do material e da classe da ferramenta de corte, além do material do anel, da rigidez da máquina-ferramenta, das condições de corte e das vibrações durante o processo de usinagem[6].
Ainda, em motores com maior número de válvulas, os diâmetros são menores e os materiais a serem usinados são mais duros. Estas condições, com a necessidade de maiores velocidades de corte, acarretam em grandes exigências sobre as ferramentas no processo de usinagem [4]. Em função da dificuldade de usinagem deste componente, é importante um estudo sobre as influências do processo de fabricação e, em particular, sobre as infl uências da velocidade de corte e avanço neste tipo de transformação, visando determinar valores adequados para estes parâmetros.
No processo de usinagem de sedes de válvulas, as características de rugosidade e circularidade têm grande importância, pois elas estão diretamente ligadas ao rendimento do motor, o que viabiliza a compreensão a fundo do comportamento dessas grandezas.
Devido às características específicas das sedes de válvulas, algumas tolerâncias são muito estreitas e, consequentemente, a exigência em um processo de longa escala se torna mais complexa. Portanto, são necessários estudos sobre o comportamento do processo quanto à sua estabilidade, para reduzir a importância do controle sobre as peças produzidas.
Este trabalho tem como objetivo estudar e estabelecer os valores adequados para o avanço e a velocidade de corte, a fim de encontrar a combinação que apresente as melhores qualidades de circularidade e rugosidade atendendo às características do produto. Foram estudados seis grupos de parâmetros de usinagem com três distintos valores de vc e fz para determinar qual deles apresenta um melhor desempenho de processo, considerando os limites de 0,01 mm de circularidade e 7 μm de Rz.
Os resultados encontrados nas medições de circularidade e rugosidade foram analisados com o uso do software Minitab, para a estatística da capabilidade do processo. A partir destes dados, foram concebidos histogramas e índices de Ppk para identificar qual combinação apresentou o melhor resultado.
Um material de sede de válvula sinterizado ferroso é feito da mistura de pós, compreendendo uma fase de endurecimento por sinterização e uma de carbetos finamente dispersos. Os corpos de prova partiram da utilização de peças (cabeçotes) e dispositivos de fixação hidráulicos, atualmente aplicados e utilizados nas linhas de produção.
Aplicou-se uma força de 4,5 toneladas sobre os quatro pontos de apoio para fixação e as peças foram posicionadas por meio de dois pinos cilíndricos. As sedes de válvula foram prensadas automaticamente por uma prensa hidráulica e dispositivos de montagem auxiliares.
Uma barra rebaixadora do fabricante Hanna Soluções Integradas foi usada, com uma aresta de corte e diâmetro efetivo de 26,6 mm. Esta ferramenta não possui direcionamento de refrigeração interna nas arestas de corte, sendo limitada apenas à parte frontal, onde ocorre a usinagem das guias de válvula.
Foi usada uma pastilha de nitreto cúbico de boro policristalino (PCBN) em formato T, com especificação TPGN 09 02 04, e cobertura TiN em face total. A pastilha é montada sobre o alojamento fixo do rebaixador e disposta a 45o do eixo de rotação. A fi xação é dada por um conjunto de grampo e parafuso com aperto ao centro da pastilha.
A ferramenta utilizada pode ser visualizada na fi gura 3. Antes do início da usinagem em cada nova condição (conjunto de parâmetros), foi feito o controle, bem como os ajustes de batimento axial e radial com especificação inferior a 0,005 mm para ambos os sentidos, conforme orientação da fabricante da ferramenta. Estes ajustes foram realizados com a ferramenta fixada ao eixo-árvore da máquina. Foram utilizadas arestas novas para cada nova condição de parâmetros de corte.
Para esta aplicação, utiliza-se a velocidade de corte entre 40 e 60 m/min, levando em consideração o material sinterizado usinado. Especialistas recomendam a utilização de 60 m/min[2] ou velocidades de corte entre 50 e 60 m/ min[1]. Diante das recomendações levantadas, foram utilizados três valores: 50, 55 e 60 m/min.
Para rebaixadores de sedes de válvula monocortantes, recomenda-se a aplicação de avanços entre 0,1 e 0,15 mm[2] e entre 0,08 e 0,12 mm[1]. Os avanços foram variados em dois valores: 0,1 mm e 0,15 mm.
Nessa etapa, foi utilizado um centro de usinagem horizontal Mori Seiki NH5000DCG, com velocidade de avanço rápido nos eixos X, Y e Z de 50 m/min e limite máximo de velocidade de rotação de 15.000 rpm. A máquina ainda possui aceleração de 6,9 m/s2, cursos de 730 mm nos eixos X e Y e 850 mm no eixo Z, além de dispor de comando numérico computadorizado Fanuc e interface MSX-701III.
Para as medições de circularidade das sedes foi usado um dispositivo de medição da italiana Marposs, equipado com apalpadores e receptores eletrônicos, além de movimentos circulares automáticos acionados por uma ogiva.
Todas as medições foram realizadas em uma sala com temperatura controlada a 20oC para que a incerteza de medição de 0,0001 mm não fosse prejudicada. Os controles foram realizados de forma automática, com altura de apalpação fixada em 6,5 mm.
Para as medições de rugosidade, foi utilizado um rugosímetro fabricado pela Mahr, modelo Perthometer S2, com apalpador dotado de esfera com diâmetro de 1,4 mm. As medições foram executadas com um comprimento de 1,75 mm e cut-off de 0,25 mm. Nas análises, o parâmetro considerado foi o Rz.
Os resultados foram avaliados a partir das combinações entre velocidade de cor te e avanço, conforme a tabela 1 (pág. 43). Cada peça possui quatro sedes de escape, sendo analisada somente a sede um. Portanto, foram usinadas 180 peças para compreender todas as combinações, totalizando 180 amostras para coleta dos dados. Devido aos tempos de medição necessários, a seguinte regra foi aplicada:
Todos os resultados encontrados nas medições de circularidade e rugosidade foram analisados com o uso do software Minitab, para a análise estática da capabilidade do processo. A partir destes dados, foram concebidos histogramas e índices de Ppk para identificar qual combinação apresentou melhor resultado objetivado.
Esses resultados foram analisados levando-se em consideração o índice de Ppk apresentado e também o comportamento dentro do histograma. Os melhores foram atribuídos à mais correta combinação de Ppk atingida para cada característica (rugosidade e circularidade). Estes alcançaram índices superiores a 1,33.
A tabela 2 (pág. 43) mostra os valores mínimo, máximo e médio da circularidade e rugosidade obtidos para as diferentes combinações realizadas.
Por meio da tabela apresentada, percebe-se pouca variação entre os valores médios encontrados. Porém, quando analisados os valores de amplitude, uma maior variação é percebida entre as diversas combinações.
Desta forma, devido à necessidade de avaliar-se a estabilidade do processo em longa escala, é necessária uma análise mais elaborada sobre os dados de amplitude e dispersão dos resultados encontrados, os quais serão discutidos a seguir. A fi gura 4 (pág. 47) mostra os gráficos referentes às variações na circularidade das sedes empregando as seis combinações supracitadas.
Para a combinação 1 (vc de 50 m/min e fz de 0,1 mm) percebe-se uma grande dispersão dos resultados obtidos, sendo que estes variam entre 0,001 e 0,008 mm e com grande parte das amostras dentro de 0,005 e 0,006 mm. Devido ao baixo limite superior estabelecido (0,01 mm), esta variação corresponde a 70% da tolerância.
As combinações 2 e 3, por sua vez, apresentam comportamentos similares. No gráfico da combinação 2 (vc de 50 m/min e fz de 0,15 mm) há uma variação de 0,003 a 0,009 mm, a qual aproxima-se da primeira variação encontrada, porém, ainda abrange 60% da tolerância estabelecida. Percebe-se neste gráfico que a curva já apresenta um comportamento próximo do ideal, pois mesmo com variação de 60%, os valores estão mais concentrados entre 0,004 e 0,005 mm, o que já demonstra uma melhor estabilidade e centralização do processo.
Já o gráfico da combinação 3 (vc de 55 m/min e fz de 0,1 mm), possui uma variação de 70% da tolerância com os dados concentrados em 0,003 e 0,005 mm, entretanto, com uma quantidade significativa alocada em 0,006 mm.
O gráfico da combinação 4 (vc de 55 m/min e fz de 0,15 mm), embora também apresente uma variação de 60% da tolerância, possui como diferencial 60% dos dados concentrados nos valores de 0,005 e 0,006 mm, demonstrando uma grande estabilidade e repetibilidade dos dados durante a amostragem executada. Pela curva alcançada, os dados estão concentrados próximos ao centro da tolerância.
As combinações 5 (vc de 60 m/min e fz de 0,1 mm) e 6 (vc de 60 m/min e fz de 0,15 mm) apresentam os piores resultados dentre os testes realizados. O gráfi co da combinação 5 tem variação de 100% da tolerância e, inclusive, apresenta valores fora do especificado, chegando a 0,012 mm, com os dados dispersos durante toda a faixa de tolerância permissível.
O gráfico da combinação 6 tem variação de 90% e dados totalmente espalhados durante a faixa de tolerância aceitável. Em ambos os gráficos, a disposição das amostras entre os diferentes resultados está uniforme, o que demonstra uma grande instabilidade do processo quando aplicadas estas duas últimas combinações.
Após todas as análises realizadas, o melhor resultado alcançado para a característica circularidade está presente na combinação 4. A figura 5 (pág. 48) mostra os gráficos referentes às variações na rugosidade das sedes, empregando as seis combinações supracitadas.
Na combinação 1 (vc de 50 m/ min e fz de 0,1 mm), a variação da rugosidade está entre 1,45 μm e 5,09 μm, com uma média de 3,625 μm. Neste gráfi co há uma variação de 57%. O gráfico referente à combinação 2 (vc de 50 m/min e fz de 0,15 mm) possui um comportamento similar ao da combinação 1, com médias aproximadas e valores superiores e inferiores também próximos.
As combinações 3 (vc de 55 m/ min e fz de 0,1 mm) e 4 (vc 55 m/ min e fz 0,15 mm) apresentam os melhores resultados entre as avaliadas. A variação da rugosidade é de 2,86 μm a 4,830 μm, com uma média de 3,941 μm. Nota-se uma variação de 31% da tolerância. No gráfi co da combinação 4, a variação da rugosidade está entre 2,74 e 4,62 μm, com uma média de 3,699 μm, sendo 30% de variação da tolerância. Estas combinações possuem resultados parecidos, porém, na combinação 3, a população de dados é mais concentrada entre seis principais famílias, o que a torna melhor que a combinação 4.
A curva do gráfico da combinação 3 mostra que este apresenta dados dispostos mais próximos ao valor médio encontrado. No gráfi co da combinação 5 (v c de 60 m/min e fz de 0,1 mm), a variação da rugosidade está entre 1,6 e 5 μm, com uma média de 3,703 μm. Há uma variação de 54%. No gráfico da combinação 6 (v c de 60 m/min e fz de 0,15 mm), a variação da rugosidade está entre 2,06 e 4,85 μm, com uma média de 3,635 μm, apresentando 44% da tolerância.
Diante do que foi apresentado, a combinação 3 mostrou o melhor resultado para a rugosidade. Quanto aos índices de Ppk, observa-se na tabela 3 (pág. 46) um comparativo entre circularidade e rugosidade.
Com base na tabela apresentada, foram encontradas as melhores combinações entre os índices para cada característica, sendo que o melhor resultado para circularidade é a combinação 4 e, para a rugosidade, a combinação 3.
As combinações 3 e 4 assemelham-se nos resultados de circularidade e rugosidade, porém, a padronização da melhor combinação é necessária e a combinação 4 foi estabelecida como ideal, justamente por apresentar os valores mais próximos entre circularidade e rugosidade.
Os resultados apresentados nos ensaios demonstram a precisão do processo de rebaixamento de sedes de válvulas. Entre todas as amostras coletadas, observou-se valores de Rz entre 1,45 mm e 5,27 mm e valores de circularidade entre 0 e 0,012 mm.
Quando aumentadas as velocidades de corte, os valores de circularidade apresentaram variações maiores. Da mesma forma, é possível avaliar que, quando o avanço aumenta, a rugosidade tende a apresentar resultados e variações menores.
Por meio de ensaios e análise dos índices de Ppk, conclui-se que os parâmetros adequados são: velocidade de corte a 55 m/ min e avanço de 0,15 mm. Com esta análise, torna-se possível a redução das frequências de controle do processo, visto que com esta combinação estabelecida o processo torna-se capaz e estável para as características avaliadas.
Considerando a correlação entre o índice de Ppk e a fabricação de peças defeituosas por milhão produzido, além dos resultados apresentados nesta combinação, com um índice de Ppk de 1,35 para circularidade e 1,34 para rugosidade, é possível afirmar que a probabilidade de fabricação de peças anômalas é de 0,006% ou de 64 peças a cada milhão.