O Ferro fundido vermicular CGI450 apresenta propriedades mecânicas que o tornam interessante para a fabricação de, por exemplo, blocos de motores a combustão, setor em que clientes buscam constantemente motores com maior eficiência. No entanto, sua pior usinabilidade, que não é uma propriedade específica do material, mas sim uma consequência de uma complexa interação entre ferramenta de corte e peça, envolvendo fatores como a vida da ferramenta, força de corte, qualidade de superfície usinada e outros(9), é acompanhada por desafios na linha de produção.

A usinabilidade do CGI é dependente das propriedades mecânica do material, e essas propriedades são altamente relacionadas à morfologia da grafita e à microestrutura do material(6). Em particular, a grafita é um elemento de baixa dureza quando comparado a outros elementos presentes no ferro fundido. No entanto, a morfologia vermicular da grafita do CGI lhe propicia uma forte ancoragem na matriz metálica, o que influencia suas propriedades mecânicas e reduz a clivagem ou propagação de trincas no material durante sua usinagem(6)

Essencialmente, o CGI tem sua microestrutura formada por ferrita, grafita e perlita, e na literatura(5) há estudos que consistem na avaliação de dois regimes de corte, contínuo e interrompido, a influência da perlita na vida da ferramenta de corte de metal duro e PCBN. Para ambas as ferramentas, foi constatado que o aumento da quantidade de perlita foi benéfico para o regime de corte interrompido. No entanto, levou a um fim de vida precoce da ferramenta quando foi usado o regime de corte contínuo. Um estudo mostrado na literatura(7) aborda que a espessura das lamelas de cementita presentes na perlita são influentes na usinabilidade do CGI e, usando a usinabilidade do ferro fundido cinzento como referência, foi constatado que o CGI de lamelas mais grossas apresentou 67% de usinabilidade, enquanto o CGI de lamelas mais finas apresentou 83%.

O espaçamento entre essas lamelas de cementita foi avaliado em outros estudos(1, 8). No primeiro, os resultados mostram que diferentes espaçamentos interlamelares não causaram efeitos significativos na usinabilidade em usinagem intermitente, situação que também ocorreu no segundo, mas neste estudo, com usinagem contínua, o que surpreendeu os autores, pois, segundo eles, a dureza é inversamente proporcional à distância interlamelar da perlita. 

O magnésio é adicionado ao ferro líquido para contribuir para a formação de grafitas em forma de verme. Entretanto, o magnésio tem maior afinidade química com o enxofre do que o manganês. Assim, ao invés de se formar partículas de sulfeto mais macias e flexíveis do que de manganês (MnS), que durante o processo de usinagem formam um filme lubrificante sobre a superfície da ferramenta, forma-se sulfeto de magnésio (MgS), que são partículas duras e abrasivas durante o processo de usinagem(3, 4, 5).

Na superfície da ferramenta de corte pode ser depositado revestimento cerâmico, em camada única ou multicamadas, por processo de deposição química de vapor (CVD) e/ou deposição física de vapor (PVD), afim de atenuar a ação das partículas abrasivas, reduzir as forças e temperatura desenvolvidas durante a usinagem, o que consequentemente pode promover aumento de vida da ferramenta de corte, possibilitar o uso de velocidade de corte maior e aumento de produtividade(2, 10)

Vistas as particularidades do CGI, e visto que na usinagem o fim de vida da ferramenta de corte é precoce, principalmente em condições severas, como o processo de furação, quando comparado ao material tradicional para fabricação de motores a combustão, o ferro fundido cinzento, esta situação instiga o estudo sobre revestimentos para aumentar a vida das ferramentas de corte. Assim, este estudo traz uma avaliação sobreo comportamento de três revestimentos de brocas de metal duro na furação do ferro fundido ver micular CGI450, além de comparação entre eles e brocas sem revestimento.

Materiais e métodos

Na figura 1 são mostradas as brocas utilizadas neste estudo, feitas de metal duro, nanoestruturadas, com diâmetro de 8 mm e com geometria diferenciada (figura 2), e foi avaliado o comportamento dos revestimentos multicamadas Fire (TiN+TiAlN), Endurum (TiSiN+TiAlN) e Signum (TiAlSiN) em ensaios de furação feitos em barras retangulares de ferro fundido vermicular CGI450. Brocas sem revestimento também foram utilizadas para comparação.

Figura 1 – Brocas revestidas e não revestidas com geometria diferenciada

Figura 2 – Afiação da aresta principal do tipo R. Fonte: Catálogo técnico Gühring (2022)

 

Para os ensaios, as barras foram fixadas diretamente na mesa da máquina, usando laxas de fixação, garantindo boa rigidez do conjunto. Antes do ensaio, as superfícies superior e inferior das barras foram faceadas, ficando as peças com dimensões de 390 x 240 x 46 mm. Os ensaios foram realizados em um centro de usinagem modelo Arrow 500 (Cincinati Milacron), com mandril hidráulico GM300 SK-40 D8 (Gühring) que foi usado para a fixação da broca, e seguiram a seguinte rotina: a cada 26 furos feitos na barra de CGI, o ensaio era pausado para análise de desgaste da ferramenta de corte em estereomicroscópio modelo Discovery V12 (Zeiss); caso o limite de desgaste não tivesse sido constatado, a ferramenta voltava para a máquina para mais uma sequência de 26 furos. Os ensaios foram interrompidos quando o fim de vida da ferramenta foi constatado – desgaste de flanco VBB máximo de 0,3mm, 469 furos ou ruído excessivo com iminência de colapso, o que ocorresse primeiro.

As brocas têm canais de refrigeração em sua parte interna. Entretanto, os ensaios foram realizados a seco. Os furos foram feitos com profundidade de 17,5 mm e equidistantes entre si, sendo 10 mm a distância de centro a centro. Para avaliar o comportamento dos revestimentos em ensaios de vida da ferramenta, no processo de furação foi utilizado um planejamento fatorial bk, onde “k” é o número de variáveis de entrada a serem consideradas, que neste caso é igual a 3, e “b” é o número de níveis a serem testados, neste caso, dois.

Das três variáveis de entrada, duas são quantitativas (avanço e velocidade de corte) e uma qualitativa (revestimento da broca). No caso do revestimento, são quatro níveis para esta variável (sem revestimento, TiN + TiAlN, TiSiN + TiAlN e TiAlSiN). Sendo assim, dois planejamentos 23 são necessários, conforme é mostrado na tabela 1, que também mostra os níveis para as variáveis.

Este planejamento foi utilizado para permitir análises estatísticas dos resultados de outros parâmetros de saída que foram também estudados (forças, potência, temperatura e acabamento), cujos resultados serão apresentados em outros artigos. Desta forma é possível preparar o planejamento dos ensaios, com combinações dos níveis das variáveis, resultando em oito condições de ensaio em cada planejamento, como é mostrado na tabela 2.

Na mesma tabela é mostrado que cada revestimento foi testado em quatro condições, e para aumentar o nível de confiabilidade dos resultados, cada ensaio foi replicado três vezes, totalizando assim 24 ensaios (8 x 3) em cada planejamento. Como são dois planejamentos (tabela 2), deveriam ser desenvolvidos 48 ensaios de vida. Entretanto, como havia apenas quatro brocas sem revestimento disponíveis, estas foram testadas uma única vez em cada condição, resultando assim em 40 ensaios.

Resultados e discussões

Na figura 3 são mostrados os resultados dos ensaios de vida das brocas. Para as brocas sem revestimento não houve repetições, portanto, as barras de dispersão não aparecem, e a medição de desgaste foi feita a cada seis furos.

Figura 3 – Gráficos de vida das ferramentas de corte: a) sem revestimento; b) revestimento TiN + TiAlN; c) revestimento TiSiN + TiAlN; d) revestimento TiAlSiN

Portanto, o eixo horizontal (furos n°) do gráfico (figura 3a) é diferente do eixo dos gráficos das brocas revestidas. Para as brocas revestidas houve repetições, o que gerou cálculos de média e desvios-padrão (figuras 3b, 3c e 3d).

Nos testes feitos envolvendo o revestimento TiSiN + TiAlN (figura 3c), em algumas condições, apenas um teste (entre as três réplicas) fez mais furos, não permitindo o cálculo da média. Esses testes estão marcados com um asterisco (*) na curva.

Analisando os gráficos da figura 3 observa-se que em todas as condições de ensaio as ferramentas revestidas fizeram muito mais furos (três a quatro vezes mais) que as ferramentas não revestidas. Esse resultado corrobora com a literatura(2, 10). A condição mais severa de desgaste para as ferramentas revestidas é a C3, pois para o revestimento TiN + TiAlN foi constatado o limite de desgaste com menor quantidade de furos que as outras condições; para o revestimento TiSiN + TiAlN foi necessário interromper os ensaios antes que o valor de desgaste fosse obtido, pois um ruído estridente estava sendo produzido, e se o ensaio fosse continuado, o risco de colapso da ferramenta era eminente. Assim, menos furos foram realizados.

O gráfico referente ao revestimento TiAlSiN mostra que estatisticamente o desgaste é o mesmo, entre C1 e C3. Entretanto, C1, em teoria, era para ser a condição que chegaria ao limite de desgaste mais rápido, pois tem a maior velocidade de corte e avanço, mas C3 tem menor avanço, o que resulta em maior tempo de usinagem para realizar um furo, e que consequentemente leva a uma menor quantidade de furos em uma relação/número de furos versus tempo.

Outro fator importante a ser considerado é que com um menor avanço, temos uma menor área de contato entre a peça e ferramenta, aumentando a concentração de temperatura próxima à aresta principal. As condições C2 e C4 têm a mesma velocidade de corte, mas a C2 tem maior avanço, o que na relação/número de furos versus tempo produz mais furos que a C4. Entretanto, para os revestimentos TiN + TiAlN e TiSiN + TiAlN observou-se menor desgaste, similar ao C4 para o revestimento TiAlSiN.

Analisando as curvas de desgaste e os desvios-padrão dos gráficos, dos revestimentos testados nas condições de corte aqui utilizadas, na usinagem de CGI450, o revestimento TiSiN + TiAlN se mostrou o menos resistente ao desgaste e instável (maiores desvios-padrão).

O revestimento TiAlSiN teve curvas e valores de desgaste muito similares para as condições testadas, com instabilidade um pouco mais pronunciada para C1. Porém, o fim de vida ocorreu quando foram feitos 469 furos, e o desgaste não ultrapassou 0,2 mm, independentemente da condição de corte. Observando o desvio-padrão das curvas de desgaste do revestimento TiN + TiAlN, houve maior estabilidade entre os testes de cada curva. Entretanto, a quantidade de furos realizados e o valor de desgaste obtido na C3 mostram que esse revestimento é menos resistente ao desgaste que o revestimento TiAlSiN para esta condição.

Entre as condições testadas, a C2 é o melhor parâmetro de usinagem para os revestimentos testados na furação do CGI450 figura 4 são mostradas imagens das brocas após os testes, sendo o revestimento TiAlSiN com 469 furos na condição 1, e, sem revestimento, TiN + TiAlN e TiSiN + TiAlN quando atingiram o limite de desgaste na condição 3, 1 e 1, respectivamente.

Figura 4 – Imagem das brocas após os ensaios em estereomicroscópio com ampliação de 15 x: a) sem revestimento; b) revestimento TiN + TiAlN; c) revestimento TiSiN + TiAlN; d) revestimento TiAlSiN

Conclusão

Com base na análise dos resultados deste estudo, conclui-se que os resultados consoam com a literatura, validando a afirmativa de que ao revestir a ferramenta de corte com materiais cerâmicos a sua vida é prolongada. Apesar de a condição de corte C1 ter maiores valores de velocidade de corte e avanço, ela não se mostrou a mais severa condição de usinagem com relação ao desgaste da ferramenta, para os revestimentos testados.

Com base na análise dos resultados deste estudo, conclui-se que os resultados consoam com a literatura, validando a afirmativa de que ao revestir a ferramenta de corte com materiais cerâmicos a sua vida é prolongada. Apesar de a condição de corte C1 ter maiores valores de velocidade de corte e avanço, ela não se mostrou a mais severa condição de usinagem com relação ao desgaste da ferramenta, para os revestimentos testados.

Com base na análise dos resultados deste estudo, conclui-se que os resultados consoam com a literatura, validando a afirmativa de que ao revestir a ferramenta de corte com materiais cerâmicos a sua vida é prolongada. Apesar de a condição de corte C1 ter maiores valores de velocidade de corte e avanço, ela não se mostrou a mais severa condição de usinagem com relação ao desgaste da ferramenta, para os revestimentos testados. em condições mais severas. A condição de corte C2 é estável nos três revestimentos testados, e proporcionou o menor valor de desgaste para os revestimentos TiN +TiAlN e TiSiN + TiAlN.

Agradecimentos

Esta pesquisa somente foi possível graças ao apoio da Gühring, que forneceu as brocas, da Tupy S.A., que forneceu as barras de CGI, da CAPES, pela bolsa de estudo, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), pela infraestrutura e disponibilidade de laboratório, e do Prof. Dr. Álisson Rocha Machado, pela orientação.

Responsabilidade pelas informações

Os autores são os únicos responsáveis pelas informações incluídas neste trabalho.

Referências

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  1. Black, J.; Kohser, R., 2012, “DeGarmo’s Materials and Process in Manufacturing”. Ed. John Wiley & Sons, Hoboken, New Jersey, 11Th, 1251 p.

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  1. Chiaverini, V., 1996, “Aços e Ferros fundidos”, Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais – ABM. 7° Edição, 599 p.

  1. Dawson, S.; Hollinger, I.; Robbins, M.; Daeth, J.; Reuter, U.; Schulz, H., 2014, “The Effect of Metallurgical Variables on the Machinability of Compacted Graphite Iron”. Pages 22. Publicação técnica no site da SinterCast.

  1. De Souza, J. A. G.; Sales, W. F.; Machado, Á. R., 2018. “A review on the machining of cast irons”, The International Journal of Advanced Manufacturing Technology, V. 94, Pages 4073 – 4092

  1. Mocellin, F., 2002, “Avaliação da usinabilidade do ferro fundido vermicular em ensaios de furação” Dissertação de mestrado, UFSC, Depto. de Engenharia Mecânica, Florianópolis – SC.

  1. Nayyar, V.; Grenmyr, G.; Kaminski, J.; & Nyborg, L., 2013, “Machinability of compacted graphite iron (CGI) and flake graphite iron (FGI) with coated carbide”, International Journal of Machining and Machinability of Materials, V. 13. Pages 67 – 90.

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  1. Santos, S. C.; Sales, W. F., 2007, “Aspectos tribológicos da usinagem dos materiais”. Artliber editora. São Paulo – SP – Brasil.


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