Márcio Amazonas(*)
O recém-publicado Decreto 12.688/2025, apelidado de "Decreto dos Plásticos", representa um ponto de inflexão para a cadeia de reciclagem no Brasil. A partir de janeiro de 2026, grandes empresas serão obrigadas a incorporar um mínimo de 22% de material reciclado em novos produtos plásticos, com a meta progredindo para 40% até 2040. A medida visa modernizar a gestão de resíduos, mas expõe um g
argalo crítico: a regulamentação para uso de resinas recicladas em embalagens alimentícias atualmente se restringe apenas ao poli(tereftalato de etileno) (PET).
Esta nova exigência coloca em foco o polipropileno (PP), o polímero de maior volume nos resíduos sólidos urbanos, amplamente utilizado em embalagens de alimentos. Para que o PP reciclado possa ser utilizado em sua aplicação mais nobre e atender à nova demanda, a indústria nacional e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) enfrentam o desafio de desenvolver, validar e aprovar novas tecnologias de descontaminação. Atualmente, a Resolução RDC 20/2008 da Anvisa, alinhada ao Mercosul, autoriza apenas o rPET, deixando um vasto potencial de mercado inexplorado.
Cenário regulatório internacional: EUA vs. Europa
A regulamentação de materiais reciclados para contato com alimentos varia moderadamente entre as principais agências globais, oferecendo diferentes modelos que o Brasil pode incorporar. A abordagem norte-americana, conduzida pelo U.S. Food and Drug Administration (FDA), é considerada mais flexível, enquanto a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) adota um caminho mais rigoroso para o controle de fontes dos materiais recuperados, como mostra a tabela abaixo.
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O FDA já emitiu mais de 400 cartas de não-objeção (LNOs) sendo 54 apenas em 2024, a maioria para poliolefinas, indicando uma forte tendência de aceitação desses materiais. Em contrapartida, a EFSA, com sua abordagem mais cautelosa, ainda não aprovou processos para poliolefinas, rejeitando submissões por falhas na comprovação da remoção de contaminantes ou no controle estatístico dos resíduos.
O caminho a ser trilhado no Brasil
No Brasil, a Anvisa trata as submissões para novas tecnologias com rigor e confidencialidade. No entanto, a morosidade para se obter aprovações e a exclusividade dada ao PET revelam falha na alocação de recursos pela Agência para que outros polímeros possam ser contemplados. O novo decreto cria, portanto, um senso de urgência que poderá acelerar essa análise e permitir que os prazos sejam devidamente cumpridos.
Para que o PP reciclado grau alimentício se torne uma realidade, será necessário um esforço conjunto. As empresas de reciclagem precisarão investir em tecnologias de descontaminação mecânica avançada, capazes de garantir a remoção de contaminantes em níveis seguros — o padrão do FDA, por exemplo, considera desprezível um teor residual inferior a 0,5 partes por bilhão (ppb ou µg/l). Em paralelo, a Anvisa precisará estabelecer protocolos claros para avaliar e aprovar esses novos processos, possivelmente se inspirando nos modelos internacionais.
O cenário é complexo, mas promissor. Medidas governamentais recentes, como a proibição da importação de resíduos plásticos e a criação de instrumentos como os créditos de logística reversa, sinalizam um movimento em direção à valorização da cadeia nacional de reciclagem. Contudo, a competitividade do setor ainda é minada pela tolerância com o descarte irregular em lixões, uma prática de baixo custo que desincentiva a coleta seletiva e o processamento adequado.
O Decreto 12.688/2025, portanto, não é apenas uma obrigação, mas um catalisador. Ele força a indústria e o poder público a dialogarem para destravar o potencial econômico e ambiental do polipropileno e de outras resinas, transformando o problema sanitário e ambiental causado pelos resíduos plásticos em uma oportunidade de negócio sustentável e seguro para a indústria brasileira.
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Márcio Amazonas é vice presidente da Nextloop Américas, empresa dedicada ao desenvolvimento de novos mercados, tecnologias e aprovações para o uso do polipropileno reciclado grau alimentício.
https://nextlooppamericas.com/
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Imagem: Shutterstock
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