Vicente Ferrer Correia Lima Neto e Pércio Luiz Karam de Miranda, da UTFPR
Data: 24/06/2017
Edição: FV - Maio - 2017 No 10
Compartilhe:A corrida pela inserção de fontes renováveis na matriz energética mundial é incentivada por diversos fatores luta contra o aquecimento global, estímulo ao desenvolvimento tecnologia limpa, eliminação dos riscos de acidentes nucleares, segurança energética, volatilidade dos preços dos combustíveis fósseis e fortalecimento de economias locais.
No Brasil, aos motivos citados, soma-se a preocupação com o racionamento de energia, principalmente devido ao alto risco hidrológico da matriz de energia elétrica, que possui 65,2% de base hídrica [1]. O prolongamento dos períodos de escassez de chuva tem feito o País acionar usinas termoelétricas, que aumentam o custo de energia [2] e a liberação de gases de efeito estufa na atmosfera.
O Plano Decenal de Energia 2024 [3] prevê a expansão da geração em 55% da capacidade instalada em 10 anos, tendo em vista a retomada do crescimento das atividades econômicas e a solução de problemas de infraestrutura. O crescimento terá como vetores basicamente usinas hidrelétricas (20%) e outras fontes renováveis (eólica, solar e biomassa, com 26%), além de algumas termoelétricas (8%). Vale destacar que projetos de autoprodução não estão contidos nesses números, sendo estimada para estes capacidade fotovoltaica instalada de 1319 MW em 2024, o que representa um grande salto sobre os 9 MW registrados em 2014, mas ainda pouco em face do potencial disponível (figura 1).
O conceito de geração distribuída está diretamente ligado à implantação de um gerador dentro de uma unidade consumidora, seja ele renovável ou de cogeração qualificada, adotando-se assim um fluxo de energia bidirecional. A microgeração distribuída inclui geradores renováveis com potência até 75 kW, e a minigeração compreende geradores de potência nominal de 75 kW até 5 MW (sendo 3 MW para PCHs), que podem realizar a compensação da energia gerada. A compensação energética é feita por créditos de energia ativa (kWh) a serem consumidos em unidades consumidoras de mesma titularidade do gerador em até 60 meses. Todas essas definições fazem parte da Resolução Normativa (RN) no 687 [6], de novembro de 2015, da Aneel Agência Nacional de Energia Elétrica, que revisou outra RN da Agência, de número 482 [5], de 17 de abril 2012.
Apesar de a RN 482 já oferecer a oportunidade de o consumidor brasileiro gerar sua própria energia e fornecer o excedente para a rede de distribuição, a RN 687, que entrou em vigor em março de 2016, trouxe novidades que aumentaram a abrangência e os efeitos da regulamentação sobre geração distribuída. Os principais destaques são:
Vale lembrar que, no sistema de crédito estabelecido pelas resoluções, mesmo que o gerador produza mais energia do que seu consumo, sua fatura é dependente de seu valor mínimo referente ao custo de disponibilidade da rede elétrica (30 kWh para sistemas monofásicos, 50 kWh para bifásicos e 100 kWh para trifásicos).
Com base na regulamentação da geração via consórcio e cooperativas, foi concebido um projeto de sistema fotovoltaico em condomínio, a ser instalado sobre o telhado de um prédio em Curitiba (PR). O edifício possui dois andares, cada um com oito apartamentos, totalizando 16 unidades consumidoras, mais áreas comuns e portões elétricos. A energia gerada pelos painéis fotovoltaicos visa suprir tanto o consumo comum do condomínio quanto o consumo de cada unidade consumidora.
O projeto seguiu as seguintes etapas:
Para o cálculo da energia disponível, foram utilizadas as médias de irradiação fornecidas pelo Cresesb Centro de Referência para Energia Solar e Eólica. A tabela I mostra os resultados encontrados para a região do projeto, mostrada na figura 2.
Consideraram-se para o cálculo de energia disponível as maiores médias de irradiação mínimas mensais (inclinação 44° N), mesmo com o plano de instalação dos painéis sendo horizontal (0° N) e com possibilidade de incliná-los para a posição ótima (igual à latitude local, 25,1° N).
De posse da irradiação, para o cálculo energético, foi medida a área disponível no topo do prédio para instalação dos painéis solares. A medição, feita manualmente e ratificada por imagens de satélite (Google Earth PRO, Landsat 8, Nasa/USGS), totalizou área de aproximadamente 240 m2 (figura 3). Para o projeto, foram respeitados os limites de menor comprimento e maior largura da área (32 m e 7 m, respectivamente).
Adotou-se o módulo da SolarWorld SW 245, de 1,68 m2 de área, 14,6% de eficiência e 245 Wp de potência (figura 4). Foram projetadas seis fileiras de módulos (ocupando 6 m de largura), cada uma com 19 módulos (totalizando 31,825 m de comprimento), perfazendo 114 módulos com potência total de 27,93 kWp e ocupando área de 191,14 m2. A disposição do arranjo está mostrada na figura 5.
A inclinação ideal para os painéis é de 25,1° para a região Norte (aproximadamente a latitude encontrada para a zona do projeto), que será ajustada pela estrutura metálica de instalação.
Calcula-se a potência total de geração estabelecida a partir da energia de geração mês a mês (E), que é dada pela irradiação (I) multiplicada pela área de painéis (A) e sua respectiva eficiência (m):
A tabela II mostra a estimativa de geração média mensal e a soma anual, que atinge 37,317 MWh.
Para o cálculo dos custos do projeto, é necessário contabilizar, além dos painéis, um inversor que suporte a potência máxima de geração e a estrutura metálica de fixação, bem como o cabeamento dos painéis. Deve ser considerado ainda o custo de mão de obra para implantação na região metropolitana de Curitiba e o de homologação do projeto junto à concessionária de energia. A tabela III relaciona todos esses custos para o projeto descrito, sendo que a soma atinge quase R$ 220 mil.
O projeto descrito caracteriza-se, segundo a RN 687, como um empreendimento com múltiplas unidades consumidoras. Neste caso, toda a energia gerada é injetada na rede e são gerados créditos, os quais são abatidos posteriormente da fatura de cada unidade.
Os créditos primeiramente abatem o consumo referente às áreas comuns do condomínio, como iluminação, bomba d’água e portão elétrico. Os créditos restantes são repartidos entre os condôminos, de forma a reduzir os gastos dos moradores com energia elétrica.
A figura 6 apresenta a fatura do condomínio referente ao mês de setembro de 2016. A partir do consumo médio mensal (88,5 kWh) e do cálculo da energia gerada pelo projeto, é possível calcular o crédito restante de energia, a ser usado pelos condôminos para abatimento de sua fatura. Os créditos mês a mês são mostrados na tabela IV.
Nota-se que a média dos créditos destinados a cada unidade consumidora (189 kWh/mês) se aproxima da média de consumo de uma residência do Sul do Brasil no ano de 2015 (178 kWh/mês). Mesmo se o consumo dos apartamentos do condomínio situar-se pouco acima da média, a totalidade dos créditos de energia seria aproveitada no abatimento da fatura.
Considerando preço da energia elétrica de R$ 0,64/kWh e uma atualização de 0,5% por mês (média aproximada do IPCA dos últimos 10 anos), caso o projeto seja financiado em dez anos a uma taxa de juros de longo prazo de 6% ao ano, as parcelas mensais seriam de R$ 3 891,67 — o que, dividido pelos 16 apartamen tos menciona dos, resulta em cerca de R$ 245 por mês para cada condômino (figura 7). Assim, o retorno financeiro do projeto é alcançado em 145 meses (12 anos e 1 mês), com breakeven em 10 anos. Vale-se lembrar que plantas solares possuem vida útil de 25 a 30 anos, com baixo custo de manutenção, oferecendo, portanto, um longo período de lucro após a quitação do financiamento.