O novíssimo Atlas Brasileiro de Energia Solar


A segunda edição do Atlas tem base de dados ampliada e com maior resolução, contendo ainda análises sobre a variabilidade do recurso solar e cenários de emprego de tecnologias fotovoltaicas e térmicas. A publicação contribuirá para aumentar a segurança e precisão das decisões no setor FV e também para o avanço científico e tecnológico na área. O artigo relata os processos de desenvolvimento do modelo numérico e de elaboração do Atlas.


Fernando Ramos Martins, do Laboratório de Estudos Atmosféricos e Oceânicos, Departamento de Ciências do Mar, Unifesp; Rodrigo Santos Costa, André Rodrigues Gonçalves, Francisco José Lopes de Lima e Enio Bueno Pereira, do Laboratório de Modelagem e Estudos de Recursos Renováveis de Energia, Centro de Ciência do Sistema Terrestre, Inpe

Data: 22/06/2017

Edição: FV - Maio - 2017 No 10

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A energia solar é temporalmente intermitente e apresenta uma variabilidade espacial elevada em razão da sua forte relação com condições meteorológicas locais (cobertura de nuvens, concentração de aerossóis e gases atmosféricos, sistemas sinóticos e outros) e fatores astronômicos associados aos movimentos orbital e de rotação da Terra.

O conhecimento sobre o potencial do recurso solar incidente na superfície é essencial, mas não suficiente para impulsionar o aproveitamento dessa fonte de energia, pois a variabilidade desse recurso tem impactos em aspectos técnicos de qualidade e de segurança do sistema elétrico. Assim, a avaliação do potencial de recursos de energia solar numa região envolve basicamente três componentes: a distribuição espacial do recurso solar, sua variabilidade temporal e as incertezas associadas às duas primeiras componentes. Informações sobre tais componentes são essenciais para elaboração de cenários de aplicação e para estudos de viabilidade de aproveitamento do recurso solar para projetos de usinas fotovoltaicas e plantas de geração heliotérmica.

Embora dados coletados em superfície, com instrumentação adequada e observando os cuidados devidos de operação e manutenção, sejam a fonte mais segura para conhecimento do potencial local de energia solar, o custo de instalação e operação de uma estação de coleta de dados com a precisão requerida para o setor energético é um fator limitante. O uso de métodos numéricos torna‐se uma alternativa para uma análise preliminar e identificação de locais e áreas de grande interesse para o aproveitamento do recurso solar.

Estudos indicam que os erros de interpolação de dados observados em estações de superfície afastadas em mais de 50 km são superiores aos erros de estimativas produzidas por modelos numéricos que simulam os processos físicos de transferência radiativa na atmosfera. A figura 1 ilustra como as incertezas de estimativas obtidas por interpolação de dados observados em superfície superam as incertezas de estimativas produzidas por modelos de transferência radiativa alimentado por dados de satélite.

Outra vantagem dos modelos numéricos de transferência radiativa é a redução do custo de operação de redes de coleta de dados em superfície. Modelos alimentados por dados de satélite requerem uma base de dados coletados na superfície com uma densidade espacial reduzida e representativa das condições ambientais e climáticas típicas de uma região, para que sejam validadas as estimativas obtidas e quantificadas as incertezas apresentadas pelas estimativas produzidas pelo modelo numérico para as características ambientais típicas daquela região.

Diversas bases de dados produzidas com uso de modelos de dados satelitais estão disponíveis comercialmente para o território brasileiro. Dentre elas podemos citar SolarGIS [3] e Irena Global Atlas for Renewable Energy [4], entre outras. No entanto, as incertezas associadas aos dados de irradiação solar destas bases não estão apresentadas de forma consistente com as dimensões continentais e características ambientais do Brasil de forma que possibilite a avaliação adequada de riscos da sua utilização na elaboração de um estudo de viabilidade do aproveitamento do recurso solar. A comunidade cien

Fig. 1 – Valores dos desvios quadráticos médios de estimativas de radiação solar incidente na superfície obtidas por interpolação de dados coletados em 16 piranômetros dispostos em estações meteorológicas distribuídas na região Sudeste do Brasil e operadas pelo CPTEC/INPE. O eixo das abscissas representa a distância ao ponto de coleta de dados mais próximo. As linhas horizontais representam o intervalo de valores de desvio de estimativas obtidas com uso do modelo de transferência radiativa Brasil-SR. Estimativas produzidas por modelos numéricos e por interpolação e extrapolação de dados observados apresentam incertezas similares quando a distância da estação de coleta de dados é inferior a 50 Km. (Fonte: [1])

A comunidade científica brasileira vem trabalhando na elaboração de bases nacionais de dados de energia solar de forma consistente e com intercâmbio com instituições internacionais reconhecidas pelos trabalhos aplicados ao setor energético. O resultado deste esforço é o desenvolvimento do modelo Brasil‐SR, por uma equipe de pesquisadores brasileiros vinculados ao Labren/Inpe [5] e às universidades federais Unifesp, UFSC e IFSC. O diferencial principal da base de dados produzida com o Brasil‐SR está no fato de que esse modelo foi adaptado para as características climáticas do Brasil, localizado em região tropical bastante distinta das latitudes médias dos demais países que desenvolvem modelos numéricos para avaliação de potencial solar.

O Brasil‐SR utiliza dados de cobertura de nuvens obtidos de imagens digitais do satélite geoestacionário Goes posicionado sobre a América do Sul. Além disso, a execução do modelo requer o uso de informações de topografia, albedo de superfície, dados climatológicos de temperatura, umidade relativa e visibilidade atmosférica para todo o território brasileiro. Dados de concentração de aerossóis atmosféricos também compõem o conjunto de informações para alimentação do modelo, de forma a reduzir incertezas nas estimativas de irradiação solar incidente na superfície. Poucos modelos simulam a atenuação da energia solar produzida pelos aerossóis, mas este aspecto é bastante importante no território brasileiro em razão do elevado número de eventos de queimada que ocorrem durante a estação seca do ano. Os aerossóis tornam‐se o principal fator de atenuação da radiação solar em muitos dias do período seco, em razão da baixa nebulosidade e precipitação que caraterizam grande parte do território brasileiro, principalmente as regiões Nordeste, Centro‐Oeste e Sudeste do Brasil.

A primeira edição do Atlas Brasileiro de Energia Solar, lançada em 2006 [2], foi o principal produto do esforço dessa comunidade acadêmica brasileira. A base de dados disponibilizada gratuitamente foi elaborada com base em 10 anos (1995‐2005) de dados de nebulosidade obtidos com a análise de imagens dos satélites da série Goes. As incertezas das estimativas produzidas pelo modelo Brasil‐SR foram avaliadas por meio de comparação com dados observados em 98 estações meteorológicas operadas pelo Inmet em todo o território nacional, e dados coletados nas estações da rede Sonda operada pelo Inpe. Naquele momento, a rede Soda havia recém‐entrado em operação e contribuiu no processo de validação com apenas dois anos de dados radiométricos das três componentes da irradiação solar na superfície: global, direta normal e difusa. A edição pioneira do Atlas constituiu um marco importante no histórico da energia solar no Brasil e é, ainda hoje, empregada por vários investigadores e empreendedores da área de energia e em estudos acadêmicos desenvolvidos nas universidades brasileiras.

Passados 10 anos, o mesmo grupo de pesquisadores publica agora a segunda edição, ampliada e revisada, do Atlas Brasileiro de Energia Solar. Trata‐se de um exemplo de trabalho cooperativo entre pesquisadores de várias instituições no Brasil, entre elas o Inpe Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a Unifesp Universidade Federal de São Paulo, a UFSC Universidade Federal de Santa Catarina, o IFSC Instituto Federal de Santa Catarina e o Cenpes Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Melloquisa, da Petrobras. Para essa nova edição, foram em

Para essa nova edição, foram empregados mais de 16 anos de dados satelitais (1999–2015), com maior resolução espacial e temporal, e implementados vários avanços nas parametrizações do modelo de transferência radiativa Brasil‐SR, visando aprimorar a confiabilidade e acurácia da base de dados produzida e disponibilizada para acesso público. Além desses avanços, a nova versão contém análises sobre a variabilidade espacial e temporal do recurso solar e apresenta cenários de emprego de várias tecnologias solares. Os aprimoramentos na modelagem numérica e a série mais longa de dados satelitais permitiu reduzir as incertezas das estimativas de irradiância solar na superfície e, por conseguinte, avaliar de forma mais detalhada a variabilidade espacial e temporal da radiação solar incidente na superfície. O intuito do documento é prover informações que contribuam para o avanço científico e tecnológico e para a tomada de decisões no setor de energia.

As incertezas associadas à base de dados desta segunda edição do Atlas foram avaliadas por comparação estatística com dados observados por piranômetros instalados na rede nacional de estações meteorológicas automáticas, operada pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), e na rede Sonda, operada pelo Labren/Inpe. As estações automáticas do Inmet foram implantadas a partir de 2005 e disponibilizam dados de irradiação solar global incidente em todas as regiões do território brasileiro. A rede Sonda, que iniciou sua operação em 2004, conta com 16 estações solarimétricas de primeira linha (classe 1), de forma a atender todos os requisitos estabelecidos não só pela Organização Mundial de Meteorologia mas também aqueles definidos pela Aneel Agência Nacional de Energia Elétrica e a EPE Empresa de Pesquisa Energética para o setor elétrico nacional. Tais estações coletam dados das componentes global, difusa e direta normal, além de dados meteorológicos básicos (temperatura, pressão, umidade relativa, direção e velocidade de vento), e todos eles, após criterioso controle de qualidade, são disponibilizados ao público em http://sonda.ccst.inpe.br.

Fig. 2 – Mapeamento da irradiação solar global no plano horizontal obtido com uso do modelo numérico de transferência radiativa Brasil-SRalimentado com dados coletados em imagens dos satélites geoestacionários da série Goes entre os anos 1999 e 2015.

Toda essa base de dados possibilitou uma análise mais detalhada das estimativas produzidas pelo modelo numérico, permitindo conhecer as deficiências da simulação numérica em função das características climatológicas típicas de cada região brasileira, e propiciando o desenvolvimento de metodologias para redução das incertezas nas estimativas do recurso solar. Os valores das incertezas verificados nesta segunda edição do Atlas foram da ordem de 500 Wh/m2 no total diário para regiões específicas, onde o número de estações de coleta de dados é ainda reduzido em virtude dos custos e investimentos necessários para essa coleta em áreas remotas do território brasileiro.

O lançamento da segunda edição do Atlas Brasileiro de Energia Solar acontecerá na segunda quinzena de Junho de 2017. A base de dados disponibilizada com a publicação inclui os mapas das componentes global horizontal, direta normal, difusa e global no plano inclinado, todos os mapas na resolução horizontal de 4 km x 4 km.

A figura 2 mostra o mapeamento do valor médio do total diário de irradiação solar global no plano horizontal. Observa‐se que o padrão de distribuição espacial do recurso solar é bastante similar e consistente com o mapeamento obtido na primeira edição do Atlas. No entanto, a escala de valores se apresenta de forma distinta. Com o objetivo de contextualizar as diferenças entre os mapeamentos da primeira e da segunda edição, a tabela I permite comparar os valores de potencial solar diário em cada região político‐administrativa do Brasil, apresentados nas duas edições.

Conclusão

O Atlas Brasileiro de Energia Solar trará uma contribuição de qualidade para o setor energético brasileiro. A base de dados permitirá compreender não só os valores médios do recurso de energia solar no território nacional com resolução espacial elevada, mas também a variabilidade da energia incidente e a tendência que as séries temporais de 16 anos de extensão estão apresentando em cada região brasileira. A publicação também apresentará cenários básicos para o aproveitamento térmico e fotovoltaico dessa fonte de energia. Vale ressaltar que apesar de apenas valores médios da irradiação diária estarem disponíveis no Atlas, a base de dados armazenada pelos pesquisadores contempla a resolução horária para todo o período do estudo, o que permitirá o desenvolvimento de muitos estudos para compreender a influência da atmosfera na disponibilidade de energia solar incidente na superfície e nas tecnologias utilizadas para a conversão.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio de toda a infraestrutura do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, com o envolvimento das equipes da Divisão de Satélites e Sistemas Ambientais (DSA) e do Laboratório de Instrumentação Meteorológica (LIM), e também ao Cenpes/Petrobras, que, através de acordo de parceria com o Inpe, possibilitou a realização de mais essa iniciativa importante para o avanço da energia solar no Brasil. Finalmente, agradecem ao CNPq pelo suporte financeiro aos envolvidos no desenvolvimento do modelo numérico e na elaboração do Atlas.

Referências

  1. Martins, F.R.; Pereira, E.B., 2011: Estudo Comparativo Da Confiabilidade De Estimativas De Irradiação Solar Para O Sudeste Brasileiro Obtidas A Partir De Dados De Satélite E Por Interpolação / Extrapolação De Dados De Superfície. Revista Brasileira de Geofísica, 29(2), 265–276.
  2. Pereira, E. B.; Martins, F. R.; Abreu, S. L.; Rüther, R., 2006: Atlas Brasileiro de Energia Solar. São José dos Campos, Brasil: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 66pp. http://solargis.com
  3. http://solargis.com
  4. http://irena.masdar.ac.ae
  5. http://labren.ccst.inpe.br