Ventiladores pulmonares


Os requisitos de energia e manutenção versus a realidade brasileira


Com o sistema de saúde mundial sobrecarregado pela pandemia de Covid-19, um aparelho em particular tem sido fundamental para a sobrevivência de pacientes com deficiência respiratória: o ventilador pulmonar. Mas, para que este cumpra adequadamente seu objetivo, é necessário que as instalações elétricas dos hospitais estejam de acordo com as normas técnicas vigentes e que a energia de alimentação tenha boa qualidade. Este artigo aborda os cuidados necessários para o funcionamento seguro dos ventiladores.


Mário César Giacco Ramos, da Universidade de Mogi das Cruzes, e Leandro Silva Dias, da ICS Consultoria e Soluções Ltda.

Data: 11/05/2020

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O Planeta foi pego de surpresa com a proliferação do vírus causador da Covid-19, que tem infectado milhões de pessoas e levado centenas de milhares a óbito. Há pouco mais de um século ocorria pandemia similar, denominada de gripe espanhola, mas que de espanhola não tinha nada, causada pelo vírus Influenza. Sua duração foi de janeiro de 1918 a dezembro de 1920, infectando 500 milhões de pessoas e matando 50 milhões, número superior à soma das mortes provocadas pelas duas guerras mundiais e pela Aids nos últimos 40 anos [1].

O tempo passou e hoje temos tecnologia para ajudar no controle de pandemias e salvar vidas, por meio de sofisticados equipamentos eletromédicos que auxiliam o diagnóstico, tratamento e intervenções cirúrgicas. No entanto, o correto funcionamento destes depende de instalações elétricas bem realizadas e da qualidade de energia de alimentação. Se as instalações não estiverem de acordo com normas técnicas e a qualidade da energia dentro de parâmetros definidos, a mesma eletricidade que salva vidas também pode levar pacientes a óbito.

Sabemos que, neste momento de desespero, muitas atitudes são tomadas com o objetivo de minimizar o efeito da pandemia e preservar vidas. Infelizmente também sabemos que providências apressadas, e principalmente tomadas sem um aprofundado planejamento de recursos e acompanhamento posterior, podem passar uma falsa impressão de bom atendimento à saúde.

O objetivo deste artigo é, muito longe de criticar decisões, apresentar orientações para ajudar neste difícil momento que o País atravessa.


Ação do novo coronavírus

O coronavírus é uma família de vírus que causa infecções respiratórias. O novo agente desse vírus, descoberto em 31 de dezembro de 2019 após casos registrados na China, provoca a doença denominada Covid-19. Até este momento (29 de abril), a doença já acometeu acima de 3,1 milhões de pessoas no mundo, das quais mais de 217 mil perderam a vida. No Brasil, os infectados até aqui superam os 78 mil, com quase 5.500 mortes.

O vírus pode desencadear um processo inflamatório nas vias aéreas e principalmente nos pulmões, sendo causa de extensa pneumonia. A resposta exagerada do sistema imunológico do doente pode ainda agravar a insuficiência respiratória, dificultando a absorção de oxigênio pelos pulmões.

Têm-se observado casos graves com baixos níveis de oxigênio no sangue (hipoxemia), infecção generalizada e alta taxa de mortalidade entre os doentes que fazem parte de grupos de risco, como idosos, pessoas hipertensas ou com doenças cardíacas, diabéticos e portadores de doenças respiratórias como bronquite, asma e enfisema pulmonar.

Em casos graves de dificuldade respiratória, o ventilador pulmonar tem sido equipamento fundamental para a manutenção da vida do paciente até que a inflamação diminua. Neste momento é considerado o “salva vidas da humanidade”, depois do isolamento social.


O ventilador pulmonar

Também conhecido como respirador mecânico, o ventilador proporciona ventilação pulmonar artificial a pacientes com insuficiência respiratória em função de efeito anestésico ou decorrente de enfermidades, como a atual Covid-19. A maioria dos ventiladores promove uma fonte de pressão positiva para fornecimento de ar aos pulmões e, em seguida, retira a pressão, para que ocorra a expiração. A aplicação do equipamento ao paciente pode ocorrer por via oral, nasal ou por tubo de traqueostomia.

Em geral, esses equipamentos são bastante práticos e possuem controles digitais diretos para os principais parâmetros ventilatórios. O disparo dos ciclos se dá por pressão e, por possuírem monitor de ventilação incorporado, os ventiladores permitem um amplo acompanhamento das condições do paciente, aumentando o nível de segurança. Além disso, um completo sistema de alarmes audiovisuais, com mensagem nas telas de controles, permite uma pronta identificação da condição de alarme.

Alguns modelos mais sofisticados de respiradores possuem uma tela que apresenta valores numéricos para frequência, tempo inspiratório, tempo expiratório, relação inspiração/expiração, fluxos, pressões inspiratórias máxima e de platô, volumes inspirado e expirado, volume minuto, complacência estática, complacência dinâmica, trabalho inspiratório, resistência das vias aéreas, pressão de oclusão e outras informações. São equipamentos construídos com a mais recente tecnologia microprocessada, possuindo várias modalidades de ventilação, com controle de vazão, pressão, volume e outras variáveis. Possuem ainda bateria interna para evitar a interrupção do seu funcionamento em caso de falta de energia elétrica.

No trabalho da referência [3], foram testados ventiladores de fabricação nacional, totalmente microprocessados e projetados para aplicações de insuficiência respiratória em pacientes pediátricos e adultos com massa corporal entre 6 a 180 kg [3]. Nesses ensaios, os pulmões humanos foram simulados com o uso de um balão de borracha especial, próprio para essa finalidade e fornecido pela mesma empresa fabricante do equipamento. Os testes foram realizados do Laboratório de Qualidade do Enerq - Centro de Estudos em Regulação e Qualidade de Energia, da Escola Politécnica da USP, e os modelos testados apresentavam as seguintes funções:

Cabe destacar que, durante o teste de afundamentos de tensão de curta duração, ocorreram vários problemas de interrupção, travamentos, perda de dados e necessidade de parametrização, nos ventiladores sob ensaio [3].


Certificação e normas técnicas

No Brasil, a responsabilidade pela regulamentação de produtos para a saúde cabe à Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, enquanto o Inmetro - Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia é o órgão responsável pela certificação de produtos eletromédicos. Por meio de ensaios laboratoriais em amostras, e com a verificação do atendimento de regulamentação técnica pelo fabricante, em conjunto com o gerenciamento de riscos para tais produtos, o Inmetro certifica a conformidade com relação à segurança e desempenho.

A certificação é baseada na norma ISO13485 para o fabricante e na série de normas IEC 60601 ou ISO/IEC80601, para os produtos. No caso de ventiladores pulmonares, especificamente, as normas a serem adotadas são:

Além disso, no tocante à segurança relacionada à qualidade de energia elétrica, devemos citar a norma IEC 61000-4-11 [4], que prescreve requisitos de ensaios em situações de afundamento de tensão ou interrupção de curta duração, nas quais o ventilador pulmonar deve ser seguro em transferir sua alimentação para uma bateria (fonte de alimentação elétrica interna).


Pontos de atenção – equipamentos

As normas e a metodologia de avaliação de segurança e desempenho de ventiladores pulmonares são mais rígidas nos dias atuais, em relação ao apresentado em [3]. Entretanto, um dos autores deste artigo, que atua como auditor do Inmetro para qualificação de produtos eletromédicos, constatou na prática que faltam especialistas no assunto para uma correta avaliação.

Além disso, em 19 de março deste ano a Anvisa publicou a resolução RDC nº 349, com critérios e procedimentos extraordinários para regularização de ventiladores pulmonares e outros dispositivos médicos em virtude da emergência decorrente da disseminação do novo coronavírus. Em seu artigo 7º, o documento diz: "Excepcionalmente, os produtos de que trata esta resolução ficam dispensados de certificação no âmbito do SBAC - Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade”. Ora, isto pode abrir um precedente para a entrada de ventiladores pulmonares no Brasil sem a segurança necessária para manutenção da vida dos pacientes com respiração comprometida pela Covid-19.

Empresas de engenharia clínica e oficinas não autorizadas têm apresentado “soluções” de baixo custo, que vão desde a criação de motores de passo até a recuperação de ventiladores antigos sem peças de reposição, introduzindo produtos sem garantia de segurança dentro de hospitais.

Em geral, os fabricantes nacionais não informam o tempo de vida útil de um ventilador, que na prática é de sete anos, em média.

A ONA - Organização Nacional de Acreditação e Vigilância Sanitária estipula que os hospitais devem fazer uma calibração desses equipamentos, pelo menos, uma vez ao ano. Os manuais dos modelos consultados fornecem informações sobre manutenção corretiva e preventiva, como forma de aumentar a vida útil do equipamento, mas observa-se que estas raramente são seguidas pelos hospitais. Muitas vezes, também, os hospitais confiam o serviço de manutenção a seus funcionários do departamento de engenharia clínica, os quais nem sempre fizeram treinamento com os fabricantes, e também não adquirem peças originais para reposição, o que agrava ainda mais a condição de segurança do paciente.

Uma das grandes preocupações atuais no País é a carência de ventiladores pulmonares. Teme-se que o número desses equipamentos, mesmo com a aquisição de novas unidades, não seja suficiente para as necessidades derivadas da pandemia. Pelo que foi aqui exposto, mesmo que haja ventiladores para todos os que necessitarem, os equipamentos poderão apresentar diversas falhas.

Custos – O custo de desenvolvimento de um ventilador pulmonar é bem elevado, podendo chegar a R$ 5 milhões ao longo de dois anos. Já os custos de fabricação, em termos de matérias primas e componentes, atingem cerca de R$ 6000. O que mais onera o valor desses equipamentos, fazendo com que cheguem a preços de R$ 60 mil por unidade, são os impostos, os custos decorrentes do risco de morte do paciente e o sistema de comercialização, que envolve terceiros.


Pontos de atenção – ambientes de uso

A utilização de equipamentos eletromédicos sensíveis tem aumentado significativamente, desempenhando funções importantes para o paciente, relativas a diagnóstico, tratamento e outros procedimentos médicos. Portanto, a energia elétrica nos ambientes hospitalares é cada vez mais fonte de vida, podendo influenciar significativamente as chances de sobrevivência do paciente [5].

Na atual situação de pandemia, os hospitais estão recebendo grande quantidade de ventiladores pulmonares, porém muitos deles são instalados em locais não preparados para a finalidade, na maioria das vezes com pontos de alimentação improvisados, oferecendo riscos de falhas em emendas e tomadas, além de sobrecarga nos circuitos terminais. Na já mencionada aqui [3], encontraram-se várias instalações elétricas totalmente em desacordo com as normas listadas acima. E um outro aspecto muito importante refere-se à qualidade da energia elétrica que alimenta esses equipamentos [5].

Para suprir a grande demanda de internações por Covid-19, hospitais temporários, denominados de campanha, estão sendo construídos no Brasil, destinados ao atendimento de pacientes de baixa complexidade, isto é, indivíduos que devem permanecer internados mas que dispensam cuidados de UTI. A maioria desses hospitais temporários também deve receber pessoas que já deixaram a UTI, mas ainda não estão aptas a receber alta hospitalar. Na maioria das vezes, esses hospitais estão sendo instalados em áreas abertas ou em gramados de estádios de futebol e, portanto, estão sujeitos à incidência de descargas atmosféricas e exigem proteção especifica. Outro cuidado necessário é com o sistema de aterramento.

Segundo informações das áreas da saúde, a maioria dos hospitais de campanha não contarão com ventiladores pulmonares e equipamentos de monitoramento mais sofisticados. Porém, esses locais devem obrigatoriamente atender à norma ABNT NBR 5410 – Instalações elétricas de baixa tensão, cuja abrangência de aplicação estende-se às instalações temporárias, conforme consta em seu item 1.2.1-c. Em muitos casos, esses hospitais estão sendo instalados em áreas abertas ou em gramados de estádios de futebol, portanto estão sujeitos à incidência de descargas atmosféricas e exigem proteção especifica. Outro cuidado necessário é com o sistema de aterramento.

Além disso, a norma ABNT NBR 13534 – Requisitos específicos para instalação em estabelecimentos assistenciais de saúde traz prescrições particulares para cada atividade e função desenvolvida em um local médico [6].

As concessionárias fornecedoras de energia para essas instalações deverão tomar cuidados específicos, principalmente com os serviços de manutenção e, sobretudo, com a operação de religadores na rede de distribuição [3].


Referências

  1. Taschner, N.P.: Gripe espanhola: 100 anos da mãe das pandemias. Será que algo parecido pode se repetir? 24/04/2018. https://saude.abril.com.br – acesso em 16/04/2020.
  2. Hall, E. J.: Tratado de fisiologia médica. Elsevier. 2016
  3. Ramos, M.C.G.: Uma contribuição para a área de saúde por meio da verificação do impacto da qualidade de energia e das instalações elétricas nos equipamentos eletromédicos. Tese de doutorado. EPUSP. 2009. 253p.
  4. IEC 61000-4-11:2004 - Electromagnetic compatibility (EMC) Part 4-11: Testing and measurement techniques - Voltage dips, short interruptions and voltage variations immunity tests.
  5. Ramos, M.C.G.: Os distúrbios de tensão e corrente e os equipamentos eletromédicos. Revista Eletricidade Moderna nº 422, maio de 2009, p. 276.
  6. Ramos, M.C.G.: Qualidade de energia: perturbações em clínica de nefrologia após instalação de ar condicionado. Revista Eletricidade Moderna nº 542, maio de 2019, p. 44.