Desempenho de linhas aéreas em relação a descargas atmosféricas


O comportamento de linhas de distribuição expostas a raios depende de fatores como tensão de impulso suportável, presença de cabos para-raios, aterramento nas estruturas de suporte de cruzetas e isoladores e uso de para-raios adequados. Este artigo analisa o caso de uma linha que alimenta o terminal ferroviário de uma mineradora e apresenta uma solução para melhorar o desempenho do sistema.


Filipe Barcelos Resende e Maiza Mafra de Souza, da UFMG; e Paulo Fernandes Costa, da Sênior Engenharia

Data: 20/12/2016

Edição: EM Dezembro 2016 - Ano 45 - No 513

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Uma determinada unidade de mineração possui vários alimentadores de 13,8 kV que atendem ás diferentes áreas produtivas e administrativas. A linha de distribuição mais crítica é a que alimenta o terminal ferroviário, o qual opera continuamente e cuja paralisação pode impedir o cumprimento das metas de embarque estabelecidos pela mina. A indisponibilidade da referida rede por falta de energia elétrica em 2012 foi de 62 h, o que causou perda de produção durante o ano de aproximadamente 93,7 mil toneladas de minério de ferro.

Essa linha aérea é constituída basicamente por: estruturas típicas para distribuição, padrão ABNT normal N, beco B, meio beco M; estruturas de ancoragem do tipo HT com duplo poste; e estruturas metálicas especiais para trechos que exigem grandes vãos.

Tendo em vista que a maioria dos postes e cruzetas dessa linha é de concreto armado, considerado completamente condutivo em caso de descargas atmosféricas, sua isolação básica é de Tensão Suportável de Impulso (TSI) próxima de 100 kV. Tais estruturas possuem isoladores de pino simples de 15 kV (TSI de 95 kV). Estes isoladores podem estar presentes até mesmo nas estruturas HT, como suporte nas derivações e apoio de condutores de passagem, reduzindo a isolação. As estruturas de maior isolação têm ancoragem com cadeias de três ou quatro isoladores de porcelana ou vidro; recentemente, também têm sido adotados isoladores poliméricos.

A região onde se localiza a unidade possui alto nível ceráunico, com mais de 60 dias de trovoadas por ano (NBR 5419:2005) – fator que exerce grande impacto na operação de linhas de distribuição da mina. Em períodos de elevada atividade atmosférica, verificam-se muitos desligamentos e até mesmo queima de componentes do sistema elétrico.

As paralisações provocadas por descargas atmosféricas são atribuídas principalmente à baixa isolação e arranjo físico das linhas de distribuição e à especificação de componentes, cujo projeto não oferece alto desempenho.

Desempenho de linhas de distribuição

O desempenho de linhas de distribuição aéreas (LDA) frente a raios, além dos parâmetros da própria descarga atmosférica, depende basicamente de quatro fatores:

Esses fatores podem ser combinados de diversas formas para se atingir determinado desempenho das estruturas. Vale destacar que existem vantagens e desvantagens decorrentes de sua aplicação.

Tensão suportável de impulso das estruturas (TSI)

Se o impulso de uma dada polaridade e forma de onda é ajustado de modo que o teste em uma amostra de isolador ou cadeia de isoladores ocasione descarga disruptiva na cauda da onda em 50% das aplicações e falha nos outros 50%, o valor de pico dessa tensão é chamado de “tensão crítica de descarga” ou TSI (Tensão Suportável de Impulso).

Para os isoladores de linhas aéreas, a suportabilidade frente a descargas atmosféricas é testada utilizando-se uma onda padrão de 1,2/50 μs.

A isolação das linhas aéreas pode ser superada através de surtos de tensão provocados por descargas atmosféricas ou transitórios de chaveamento do sistema elétrico. É sabido que a causa principal de desligamento de linhas aéreas de média tensão (menor ou igual a 69 kV) e alta tensão (maior que 69 kV e menor ou igual a 230 kV) é a descarga atmosférica. Para linhas de extra alta tensão (acima de 230 kV), a causa principal está relacionada com surtos devido a chaveamentos do sistema elétrico.

No caso aqui relatado, para LDA em 13,8 kV, com tensão suportável de impulso em torno de 100 kV, a causa principal de desligamento é a descarga atmosférica, seja incidente diretamente sobre a linha ou dentro de uma faixa lateral a ela (descargas laterais).

Em linhas de 13,8 kV sem cabos para-raios, toda descarga sobre um condutor fase certamente vai paralisá-las. Por exemplo, para uma linha de distribuição com impedância de surto de 500 Ω (valor típico), uma corrente de descarga de 30 kA [3] incidindo no meio do vão, sobre um condutor fase, produzirá uma onda viajante para cada lado do vão no valor de cerca de 750 kV, de fase para terra.

Portanto, para uma linha de 13,8 kV, com 100 kV de TSI, fatalmente ocorrerá um arco em torno do isolador, que se transformará em curto fase-terra logo após a passagem da descarga atmosférica, obrigando o desligamento da linha pelo sistema de proteção. Se a descarga atingir diretamente a fase no poste suporte dos isoladores, as tensões desenvolvidas poderão atingir até o dobro do valor citado.

As linhas de distribuição também podem ser paralisadas por descargas laterais que, mesmo não as atingindo, provocam induções nas fases suficientes para superar a isolação [2]. Na prática, as maiores causas de desligamentos das linhas de distribuição não são descargas diretas, mas sim descargas laterais.

Em [4], estão disponíveis valores da tensão induzida, cálculo da distância lateral e da área de captação de descargas para os quais a linha é paralisada.A distância lateral em que uma descarga atmosférica provoca o desligamento da linha depende dos seguintes fatores:

A partir dos valores relacionados a seguir, são obtidos os resultados apresentados na tabela I:

De acordo com a tabela I, apenas quando o TSI de uma linha de 13,8 kV atinge um valor próximo a 400 kV – ou seja, o quádruplo –, o número de desligamentos esperados por km de linha pode ser reduzido a 25%. Esta análise ilustra a dificuldade de se obter bom desempenho de linhas de 13,8 kV em regiões de alta incidência de descargas atmosféricas apenas com a isolação destas. O cabo para-raios ou cabo neutro, quando presentes, reduzem o percentual de desligamento devido às descargas laterais em torno de 20%.

Cabos para-raios

Admitindo a existência de cabos para-raios, os quais evitam a incidência de descarga atmosférica sobre os condutores fase, o desempenho da linha está sujeito a um fenômeno denominado backflashover, o qual depende essencialmente da resistência de aterramento da estrutura por onde escoa a descarga.

Na realidade, ao escoar para terra pelo cabo de aterramento da estrutura e, na sequência, pela resistência de aterramento, são desenvolvidas tensões da fase para terra nos isoladores, principalmente devido à queda de tensão na referida resistência. Se tal tensão desenvolvida for superior ao TSI da cadeia, haverá disrupção semelhante à queda de uma descarga sobre o condutor fase.

O estudo da correlação entre a tensão suportável de impulso e a resistência de aterramento conclui que, para não haver disrupção nos isoladores devido ao fenômeno de backflashover, a resistência de aterramento deve ser menor ou igual ao valor do TSI dividido por 20. Portanto, para linhas aéreas de 13,8 kV com TSI de 100 kV, a resistência de aterramento de cada estrutura deve ser menor ou igual a 5 Ω, para que a linha não desligue por incidência direta de descargas atmosféricas sobre o cabo para-raios.

Fig. 1 – Variação da tensão induzida à medida que se afasta da linha de distribuição para vários valores de resistividade do solo

Em minas de extração de minério deferro, a resistividade do solo é bastanteelevada, podendo atingir valores entre1500 e 5000 Ω.m. Nestas circunstân-cias, uma haste de 3 m (para 1500 Ω.mde resistividade do solo) apresentaráresistência de aterramento da ordem de500 Ω. A figura 1 ilustra como a tensãoinduzida nos condutores de fase variaà medida que se afasta perpendicular-mente da linha (método de Rusck). No-ta-se que o aumento da resistividade dosolo eleva a tensão induzida.

Verifica-se, portanto, que apenas o uso de cabo para-raios com o objetivo de atingir a resistência de aterramento necessária para evitar completamente os desligamentos devido a descargas laterais não é uma boa solução, sobretudo quando as linhas são de baixa isolação e os valores de resistividade altos.Desta forma, conclui-se que somente o uso de cabos para-raios para evitar o desligamento das linhas de distribuição por descargas atmosféricas em regiões de alta resistividade do solo e alto nível ceráunico não é um recurso viável.

Não obstante, os cabos para-raios reduzem a tensão induzida nas linhas aéreas devido a descargas laterais e com isto atenuam a paralisação destas devido a tais descargas. No entanto, essa função pode ser feita por um cabo neutro situado abaixo da linha de distribuição, o qual apresenta a vantagem de não cair sobre as fases e de servir para retorno das correntes fase-terra quando da ocorrência de falha para terra permanente nos isoladores, provocando a operação da proteção de falta para terra necessária nessas circunstâncias.

Aterramento nas estruturas de suporte dos isoladores

O aterramento das estruturas é necessário para escoar as descargas atmosféricas na formação do arco em torno dos isoladores. Com o uso do cabo neutro (ou cabo para-raios), que interliga os aterramentos das estruturas, forma-se um caminho de menor impedância de retorno para as correntes de fuga para terra permanentes, auxiliando a atuação da proteção de falta à terra para essas fugas.

Para-raios de resistor não linear (ZnO) nas cadeias de isoladores

A aplicação de para-raios em torno das cadeias de isoladores tem sido objeto de intensos estudos. Algumas companhias de transmissão de energia elétrica estão aplicando com sucesso esse método para reduzir os desligamentos das linhas devido a descargas atmosféricas.

Para aplicações em linhas de distribuição, em especial em áreas de alto nível ceráunico, vários aspectos devem ser considerados. Para ser efetiva a aplicação de para-raios nas linhas de distribuição de 13,8 kV, a distância entre estruturas deve ser no máximo de 200 m e isoladores precisam ser aplicados em todas as três fases. Os para-raios de menor nível de tensão e energia aplicáveis ao sistema de distribuição possuem maior taxa de falha. Um valor típico de taxa de falha é de 0,2%, o que corresponde à probabilidade de duas falhas em mil unidades. Portanto, o uso generalizado de para-raios associados aos isoladores em linhas de distribuição pode acarretar taxas de falha iguais ou até maiores às provocadas pelas descargas atmosféricas, ainda com o inconveniente de ser necessária a paralisação da linha para identificação e substituição do pararaios defeituoso.

Em linhas de distribuição aéreas alimentadas por transformadores cujo neutro é aterrado por meio de resistência, como o caso da referida instalação, a dificuldade pode ser maior devido ao baixo valor da corrente de falta à terra.

Um aspecto importante acerca do uso dos para-raios em linhas de distribuição diz respeito à sua energia. Em linhas sem cabos para-raios, a incidência de descargas atmosféricas diretamente sobre a estrutura, em geral, leva o para-raios (ZnO) ao colapso, mesmo que ele seja de alta capacidade. Portanto, não se recomenda generalizar o uso de para-raios de óxido de zinco em linha de distribuição sem cabos para-raios. Atualmente têm sido desenvolvidos para-raios especiais com gaps próprios para essa aplicação. Tais equipamentos já estão disponíveis para linhas de transmissão, mas não ainda para linhas de distribuição.

Outro aspecto a ser considerado na aplicação dos para-raios em linhas de distribuição refere-se ao aterramento das estruturas. Quando a resistência de aterramento é alta e não existem cabos para-raios, a vida útil dos para-raios de óxido de zinco é maior devido à baixa corrente que escoa pelo sistema de aterramento. Se esta resistência é baixa, a corrente que percorrerá através dos para-raios é alta, podendo danificá-los.

Quando há cabos para-raios, o escoamento da descarga através dos isoladores é indireto devido ao fenômeno de backflashover, e as energias requeridas pelos para-raios são menores, elevando sua vida útil. Portanto, caso sejam aplicados cabos para-raios, uma solução é utilizar para-raios de óxido de zinco associados aos isoladores, desde que os aspectos de substituição eventual sejam solucionados.

Fig. 2 – Modelagem da linha de distribuição aérea utilizando o software ATP

Simulação

A fim de verificar o desempenho dos para-raios diante de uma descarga atmosférica direta foi feita uma simulação em uma linha de distribuição aérea, que possui comprimento de 6 km, cabos condutores CAA 336MCM, cabo pararaios CAA 1/0 e resistência de aterramento de 30 Ω (figura 2).

Considerou-se apenas uma fase para essa análise. Para representar a linha, utilizou-se o modelo LCC (considerando efeito pelicular, metodologia J-Marti, r = 1500 Ω.m, L = 200 m). A fonte de tensão tem valor de 7960 V e os pararaios estão instalados a cada 200 m. No outro extremo da linha foi inserido um capacitor (C = 1 nF). Para representar a descarga atmosférica, incidente no centro da linha, foram considerados fonte em rampa (type 13), valor típico de 1,2/50 μs para a onda de corrente e valor de pico de 30 kA.

A figura 3 mostra os valores das tensões nos pontos 1, 2 e 3. Nota-se que o maior valor de tensão (80 kV) surge no ponto mais próximo à incidência da descarga (V1). Os valores de tensão nos pontos 2 e 3 são muito inferiores, na faixa de 15 kV, haja vista que a atuação dos para-raios reduz significativamente a sobretensão. Sem a inserção dos para-raios, os valores de sobretensão obtidos na simulação são da ordem de 5000 kV.

Proposta de melhoria no desempenho da linha aérea da unidade

Fig. 3 – Valores das tensões de surto nos pontos 1, 2 e 3 da linha de distribuição

Considerando que a linha da unidade mineradora que alimenta o terminal ferroviário de carregamento está em operação normal, e possui baixo nível de isolação (basicamente TSI de 100 kV) e cabo para-raios em toda sua extensão, uma solução possível para melhorar seu desempenho é aplicar para-raios de óxido de zinco ao longo da linha e derivações (nas três fases), mantendo espaçamento médio de 200 metros entre as estruturas onde estão instalados os para-raios.

Para utilização de para-raios de óxido de zinco como alternativa para melhoria de desempenho, é necessário considerar que a LDA em questão já possui cabo para-raios ao longo de sua extensão e, portanto, os para-raios de óxido de zinco não receberão descargas diretas, mas sim as devidas ao fenômeno de blackflashover.A energia dissipada será menor e, consequentemente, a vida útil será maior, com menor expectativa de falhas. Além disso, a resistência de aterramento dos postes onde serão instalados para-raios de óxido de zinco é supostamente alta, devido à alta resistividade do solo da mina (cerca de 1500 Ω.m). Esta situação, embora não seja a ideal para retorno da corrente de falta à terra, reduz a energia dissipada pelos para-raios de óxido de zinco, aumentando sua vida útil. Observa-se que, para retorno da corrente de falta à terra, as resistências de aterramento dos postes ficam em paralelo através do cabo para-raios; já para descargas atmosféricas, o paralelismo não é efetivo devido às indutâncias envolvidas.

Outra medida a ser adotada consiste em substituir os isoladores de 15 kV nominal para isoladores de 34,5 kV nominal, que possuem TSI da ordem de 200 kV. De acordo com a tabela I, essa iniciativa reduz a distância lateral para desligamento da linha.

Considerações práticas

Para a solução proposta, além dos para-raios instalados ao longo da linha, é necessária a aplicação de para-raios em pontos estratégicos, a saber:

Conclusão

Observa-se que para aumentar o de-sempenho de uma linha de distribuiçãoaérea frente às descargas atmosféricas, énecessário analisar muitos fatores: índi-ce ceráunico da região, resistividade dosolo, características da descarga, presen-ça ou não de cabos para-raios, TSI dasestruturas e isoladores e presença ou nãode para-raios nas fases.

Para o caso apresentado nesse trabalho, a proposta foi eficaz. Após a implantação das melhorias, houve redução de aproximadamente 50 h nas interrupções da rede por falta de energia elétrica (veja tabela II).

Um possível estudo a ser feito e que não foi aqui considerado é o isolamento da linha através de um transformador (estrela-triângulo) com neutro isolado, a fim de eliminar a ocorrência falta-terra subsequente a uma descarga atmosférica.

Referências

  1. NBR 5419. Proteção de estruturas contra descargas atmosféricas, 2005.
  2. Eriksson, A. J.: Lightning induced overvoltage on overhead distribution lines. IEEE PAS 101, 1982.
  3. Eriksson, A. J.: Lightning parameters for engineering applications. Cigre – Electra, 1980.
  4. Rusck, S.: Protection of distribution lines. Lightning Protection, 1958.

Trabalho apresentado no 8º SSIA Cefet-MG – Seminário Nacional de Sistemas Industriais, Gestão e Automação, realizado em dezembro de 2015, em Belo Horizonte, Minas Gerais.