Avaliação de dosador hidráulico de ácido tricloroisocianúrico em águas de poços profundos


A substituição de um sistema de cloração que dosa hipoclorito de sódio através de bombas dosadoras pela dosagem de ácido tricloroisocianúrico com equipamentos de funcionamento hidráulico proporciona vantagens como: logística de reposição de produto químico mais simples e não requer a preparação de soluções de cloro.


Allan Saddi Arnesen, Ana Lúcia Silva e Cleber Nogueira da Silva, da Sabesp

Data: 28/09/2017

Edição: Hydro Agosto 2017 - Ano - XI No 129

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Fig. 1 – a) Dosador hidráulico com destaque para o compartimento onde são inseridos os tabletes de ácido tricloroisocianúrico (1) e para as válvulas de isolamento desse compartimento (2); b) exemplo de tabletes de ácido tricloroisocianúrico utilizado no equipamento

A desinfecção de água de abastecimento público pode ser realizado, basicamente, por métodos físicos ou químicos. O método mais difundido no mundo consiste na aplicação de agentes oxidantes químicos na água: os compostos de cloro.

Além de um amplo espectro de ação germicida, o cloro tem a característica de formar compostos que permanecem na água com potencial desinfetante ativo, possibilitando que a inativação de micro-organismos, após a aplicação, ocorra ao longo das tubulações e reservatórios do sistema de abastecimento de água.

Os principais métodos de cloração utilizados em ETAs – estações de tratamento de água consistem na aplicação de produtos químicos inorgânicos: gás cloro (Cl2), hipoclorito de sódio (NaOCl) e hipoclorito de cálcio (Ca(OCl)2).

A definição de qual composto químico deve ser utilizado na desinfecção de água de abastecimento precisa ser guiada para cumprir os seguintes objetivos:

As ETAs de maior porte geralmente adotam gás cloro devido a sua vantagem econômica, enquanto os sistemas de menor porte adotam o hipoclorito em razão de seu menor custo de transporte, maior facilidade de aplicação e menor risco à saúde dos trabalhadores e população vizinha aos sistemas (quando comparado ao Cl 2). O hipoclorito de sódio é disponibilizado na forma líquida e aplicado através de bombas dosadoras.

Contudo, em sistemas isolados de pequeno porte, como poços tubulares profundos, a logística de reposição do NaOCl é complicada, além de potenciais problemas que podem vir a ocorrer nas instalações elétricas (rede pública de energia elétrica) e hidráulicas (mangueiras e acessórios das bombas dosadoras, por desgaste ou por problemas pré-existentes).

Outro método de desinfecção é o processo de cloraminação. As cloraminas orgânicas são formadas a partir da amônia, do ácido hipocloroso e em função do pH. Geralmente, a cloraminação é adotada em situações nas quais já se tem assegurada a qualidade microbiológica da água e objetiva-se conferir o residual de cloro na rede, evitar o recrescimento e minimizar a formação de subprodutos. Com essa técnica, obtém-se uma maior estabilidade do cloro na rede de distribuição, uma vez que as cloraminas orgânicas implicam na liberação mais lenta do ácido hipocloroso do que os métodos de cloração inorgânica.

O ácido tricloroisocianúrico (C3N3O3 Cl3) é uma N-cloroamina orgânica, obtida a partir da reação de halogenação do ácido isocianúrico, e apresenta um alto teor de cloro disponível (matéria ativa) em torno de 90%. A reação química do ácido tricloroisocianúrico com água resulta na formação de três moléculas de ácido hipocloroso e uma de ácido isocianúrico, conforme apresentado na equação 1:

C3N3O3Cl3 + 3H2O → 3HOCl+C3N3O3H3

A utilização do ácido tricloroisocianúrico foi aprovada nos EUA pela EPA (Environmental Protection Agency) em 2001 para água potável, sendo a dosagem máxima permitida de 30 mg/L. No Brasil, aparece relacionado na Norma técnica NBR 15784:2014 (“Produtos químicos utilizados no tratamento de água para consumo humano – Efeitos à saúde – Requisitos”) como um produto químico utilizado para desinfecção e oxidação no tratamento de água.

Sua aplicação ocorre na forma de tabletes e pode ser uma alternativa especialmente indicada para sistemas de desinfecção de pequena capacidade. O cloro disponível nesse produto químico encontra-se na forma de cloro combinado, o que dá a ele estabilidade na rede.

Em uma revisão bibliográfica sobre o assunto, Clasen & Edmondson [1] concluem que a ação microbiológica dos derivados do ácido tricloro é efetiva, tal qual a aplicação de hipoclorito de sódio. Uma breve avaliação do custo leva-os a crer que os subsídios que os fabricantes de outros desinfetantes possuem acabam tornando o ácido tricloroisocianúrico pouco atrativo. Entretanto, os autores não levaram em conta alguns detalhes técnicos de implantação de cada um dos sistemas de aplicação, o que será discutido neste artigo. A forma de dosagem, o controle e aferição da concentração são essenciais para garantir não apenas a ação desinfetante na concentração mínima necessária, mas também para a otimização dos custos. Um dos motivos que levou o presente artigo a ser viável foi justamente o surgimento no mercado de um equipamento que permitisse uma dosagem melhor ajustada.

Em geral, os dispositivos de dosagem são baseados na erosão de tabletes sólidos de ácido tricloroisocianúrico, o que resulta em uma dosagem de cloro livre na água, sem o uso de energia elétrica. Entretanto, uma das difi culdades desses sistemas dosadores é o controle preciso da dosagem pelas torres ou colunas de saturação.

Nesse contexto, o presente trabalho foi motivado pela apresentação de um modelo que prometia um melhor ajuste de dosagem, e avaliou-se a técnica para cloração de água de um manancial subterrâneo (poço tubular profundo) no município de Botucatu, SP.

Objetivo

Avaliar um sistema dosador de ácido tricloroisocianúrico, em termos técnicos e econômicos, em sistemas de tratamento e distribuição de água, voltado à desinfecção de água de abastecimento de água de manancial subterrâneo.

Materiais e métodos

O sistema dosador hidráulico testado, modelo Gutwasser, da Lics Super Água, consiste em um dispositivo confeccionado em polietileno e PVC, o qual dispensa a construção de abrigos para sua instalação, não requer utilização de energia elétrica e tem operação simplifi cada (figura 1A).

O sistema utiliza ácido tricloroisocianúrico na forma de tabletes, sendo sua reposição realizada através da abertura de um compartimento na parte superior (figura 1A). Para a adição de novos tabletes, o técnico interrompe o fluxo que passa por esse compartimento, por meio da manipulação das válvulas do equipamento (figura 2A).

Fig. 2 – Válvula que ajusta a dosagem de cloro aplicada pelo dosador hidráulico

O ajuste de dosagem é realizado por meio da manipulação de válvula específica (figura 2). Essa válvula possui uma escala variável de 0 a 9 que controla a vazão de água que passa pelo compartimento contendo os tabletes, por meio de um mecanismo do tipo venturi, erodindo os tabletes e liberando o ácido tricloroisocianúrico na água. Para cada ajuste da válvula é avaliada a concentração residual de cloro livre na água, no intuito de estabelecer qual o nível de abertura da válvula que deve ser mantido para conferir a dosagem desejada.

A água subterrânea escolhida para o teste com o equipamento foi do poço localizado no bairro de César Neto, Distrito de Anhumas, em Botucatu, SP. Esse poço possui profundidade total de 100 metros, bomba instalada a 72 metros da superfície, vazão de 3 m3/h, com operação de 20 h/dia que atende a 130 ligações e uma indústria (população total de aproximadamente 500 habitantes) e água com qualidade que atende aos padrões de potabilidade da Portaria MS n° 2914/2011 (sem necessidade de tratamento convencional, somente adição de flúor, cloro e correção de pH).

A reservação de água de César Neto é composta por dois reservatórios instalados no mesmo ponto do bairro, sendo um apoiado de fibra de 40 m3 e outro apoiado de alvenaria de 50 m3, totalizando 90 m3.

Entre o poço e os reservatórios que armazenam água para distribuição no bairro (distância de aprox. 1 km), o sistema possuía uma estação de tratamento que foi desativada porque a água subterrânea tinha boa qualidade (tabela I). No local da antiga ETA, permaneceram apenas os equipamentos necessários para dosagem de flúor, correção de pH e cloro (reservatórios com os produtos, caixa de contenção, estrutura de alvenaria, estrutura elétrica, injetores e sistemas de dosagens). Anteriormente ao teste, a dosagem de hipoclorito realizada nesse ponto era de 70 kg/mês.

Uma unidade do sistema de desinfecção foi instalada na entrada da água ao reservatório, garantindo assim o residual de cloro no reservatório e rede de abastecimento. A dosagem de cloro pelas bombas dosadoras foi cancelada no início do teste, mas a dosagem de flúor e correção de pH permaneceram no mesmo local (figura 3).

Deve-se destacar que a instalação do equipamento é muito simples, utilizando tubos e conexões hidráulicas, sem a necessidade de construção de casa de química para o equipamento.

O período do teste foi de 06/ 05/2015 a 13/07/2015 (68 dias), sendo aplicados no total 5 kg de ácido tricloroisocianúrico na forma de tabletes. No decorrer do teste a válvula que regula a dosagem foi variada de 2,5 a 1,5 (tabela II).

Fig. 3 – Representação esquemática do sistema de abastecimento do bairro César Neto, Distrito de Anhumas, em Botucatu, SP, com água de poço tubular profundo

Ao longo do teste, foram realizadas análises de cloro residual na saída do reservatório com frequência diária. Também foram verificadasas concentrações de cloro residual em outros nove pontos da rede de abastecimento de César Neto, mas em menor frequência (dados do Controle Sanitário RMOC).

Após o entendimento do ponto em que a válvula opera conferindo dosagem satisfatória à água, para cada caso específico, a válvula de ajuste de dosagem deve ser mantida constante e apenas realizada a reposição de tabletes de ácido tricloroisocianúrico periodicamente. No caso do poço de César Neto, constatou-se que a válvula deve ficar na posição 1,5.

Avaliação econômica

A avaliação econômica foi realizada comparando a solução testada (dosagem de ácido tricloroisocianúrico utilizando o dosador hidráulico) com a solução atual, mais difundida para cloração de água de poços (dosagem de hipoclorito de sódio através de bomba dosadora).

Para avaliar os custos de implantação (Capex) e de operação (Opex) para o caso do poço de César Neto nas duas alternativas, foram considerados os seguintes dados/informações:

Custos de investimento (Capex)

Custos de operação (Opex)

Cabe destacar, entretanto, que independentemente do sistema adotado são realizadas inspeções diárias pelas áreas de controle sanitário da companhia visando assegurar a qualidade da água. As visitas técnicas mencionadas são destinadas exclusivamente para verificar a operação do sistema de tratamento.

Resultados

O principal resultado do teste para água do sistema de César Neto foram os dados de cloro residual livre na saída dos reservatórios. A média de concentração de cloro livre no período do estudo foi de 2,0 mg/L. Conforme se observa na figura 4, manteve-se ao longo do teste concentração superior ao estabelecido na Portaria MS n° 2914/2011, de 0,5 mg/L, mas na maior parte do tempo (91%) permaneceu acima de 1,5 mg/L.

Os testes demonstraram que o residual de cloro livre na saída dos reservatórios permaneceu estável por períodos entre 10 e 15 dias, e após esse espaço de tempo há necessidade de reposição de tabletes de ácido tricloroisocianúrico no dosador hidráulico. Observou-se, por exemplo, uma redução intensa do residual de cloro após 12 dias da reposição de ácido tricloroisocianúrico, em 27/06/2015.

Fig. 4 – Resultados de controle de cloro residual livre na saída do reservatório de César Neto, com destaque para as datas quando foi ajustada a válvula de dosagem (em verde) e para as datas em que foram adicionadas massas de tabletes de ácido tricloroisocianúrico (em vermelho)

A exemplo do levantamento bibliográfico realizado por Clasen & Edmondson [1], a respeito da efetividade de remoção microbiológica, a integridade da rede de distribuição se manteve por todo o período. Nos resultados das análises de cloro residual na rede de abastecimento não foi observado decaimento acentuado no trajeto reservatórios-ponta da rede, mesmo para o ponto mais distante (a aprox. 5 km dos reservatórios).

Todos os nove pontos de controle sanitário da rede apresentaram valores acima de 0,5 mg/L (superior ao valor mínimo estabelecido pela Portaria MS n° 2914/2011, de 0,2 mg/L), e o resultado de todas as análises de coliformes totais foi “ausente”.

Avaliação econômica

Por meio do método do valor presente e considerando as condições de aquisição, operação e manutenção dos equipamentos/insumos das alternativas avaliadas, para um tempo de alcance de 5 anos, a solução com o dosador hidráulico e ácido tricloroisocianúrico é aproximadamente 60% mais econômica que a adoção da técnica de dosagem de NaOCl com bomba dosadora (tabela III).

Essa diferença de valores ocorre, principalmente, devido à necessidade de frequentes visitas técnicas no caso dos sistemas de dosagem com bombas dosadoras, as quais apresentam corriqueiros problemas eletromecânicos e nas mangueiras (como acúmulo de ar e danificação, por exemplo). Já o dosador testado, como é um equipamento puramente hidráulico, não apresenta esse tipo de problema, e uma visita por semana é suficiente.

Embora o dosador hidráulico apresente um maior custo de investimento, sua vida útil (de 5 anos) é superior às das bombas dosadoras, outro fator que favorece a técnica avaliada.

É importante destacar também o menor custo operacional da tecnologia com ácido tricloroisocianúrico, decorrente do menor consumo do produto químico, que embora apresente maior valor por unidade de massa, implica menor custo por volume tratado.

Conclusão

A substituição de um sistema de cloração que dosa hipoclorito de sódio através de bombas dosadoras pela dosagem de ácido tricloroisocianúrico com equipamentos de funcionamento hidráulico proporciona uma série de vantagens: logística de reposição de produto químico mais simples; não requer a preparação de soluções de cloro (ou seja, sem soluções, eliminam-se variações de dosagem por erros de diluição e mistura); maior segurança ocupacional aos operadores devido à simplicidade de manipulação dos tabletes; menor espaço requerido para o armazenamento do desinfetante; e não necessita de instalações elétricas.

O dosador hidráulico se propõe a realizar um controle preciso da dosagem aplicada de ácido tricloroisocianúrico na forma de tabletes, como diferencial em relação aos demais equipamentos de dosagem dos tabletes. Esse aspecto foi confirmado nos testes realizados neste trabalho, sendo possível manter uma dosagem média de 2 mg/L no reservatório e sendo observada estabilidade do residual de cloro livre ao longo da rede, sempre atendendo ao limite mínimo estabelecido pela Portaria MS no 2914/2011. Devido à estabilidade do produto, a dosagem aplicada pode ser ainda inferior ao valor constado nesta pesquisa (como 1,5 mg/L, por exemplo), possibilitando reduzir o consumo dos tabletes, com o atendimento dos limites da Portaria.

No caso do Poço de César Neto, não houve necessidade de mudança na frequência de visita de controle operacional, sendo observado que a reposição das pastilhas deve ser realizada entre 10 e 15 dias.

Ademais, o fato de não necessitar de energia elétrica para dosar cloro é vantajoso em relação às bombas dosadoras, pois evita períodos sem aplicação de cloro caso ocorra queda de energia onde o sistema está instalado.

Em termos econômicos, embora o dosador hidráulico avaliado tenha um maior custo de investimento (Capex), a solução de cloração (dosador hidráulico + ácido tricloroisocianúrico) é mais econômica (aproximadamente 60%), em um horizonte de 5 anos de operação, do que a atualmente empregada na maioria dos poços profundos do Brasil. Isso em razão da menor frequência de visitas técnicas, maior vida útil do equipamento e menor custo com a dosagem de produto químico (R$/m3 tratado).

Como próximos passos deste trabalho serão investigados aspectos operacionais desses sistemas, para avaliar a manutenção necessária e a vida útil dos equipamentos. Há também no mercado novos equipamentos, de menor Capex, que deverão ser testados para avaliar se as características técnicas positivas (como estabilidade de dosagem) podem ser alcançadas com esses dispositivos.

Referência

  1. Clasen, T.; Edmondson, P.: Sodium dichloroisocyanurate (NaDCC) tablets as an alternative to sodium hypochlorite for the routine treatment of drinking water at the household level. Int. J. Hyg. Environ-Health 209, 173– 181. 2006.