Desempenho de biofiltro, wetland e filtro de carvão no ambiente doméstico


O estudo a seguir mostra que o sistema integrado de biofiltro, wetland e carvão ativado reduz com eficiência parâmetros como DBO, DQO e SST de águas cinza, permitindo seu reúso em residências.


Sebastião Tomas Carvalho, analista ambiental da Cenibra; Vanessa Silva de Oliveira e Gabriela Soares Pereira, engas. sanitaristas*

Data: 09/03/2017

Edição: Hydro Janeiro 2017 - Ano XI - No123

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Com a redução da disponibilidade de água potável, o reúso é uma alternativa viável tanto para indústriasquanto residências. No ambiente doméstico, o aproveitamento das águas cinza tratadas, além de permitir a conservação dos recursos hídricos, é uma forma de redução de custos.

Nesse sentido, o objetivo desse trabalho consiste em apresentar o desempenho de um sistema de tratamento de águas cinza composto por biofiltro, wetland e unidade de filtros de carvão ativado, implantado em ambiente doméstico.

Materiais e métodos

O sistema experimental foi construído e instalado em uma residência situada no município de Timóteo, MG, sendo composto por biofiltro, wetland e unidade de filtros de carvão ativado. es,O imóvel possui três bacias sanitárias e para a realização do estudo foi preciso mudar o sistema de descarga existente para caixas acopladas. Além disso, os três banheiros foram reformados para receber nova tubulação de água de reúso.

Os wetlands, também conhecidos por área alagada construída, são sistemas artificialmente projetados e alagados, para utilizar plantas em substratos como areia, cascalhos ou outro material inerte. Neles ocorre a proliferação de biofilmes que agregam populações variadas de micro-organismos, os quais, por meio de processos biológicos, químicos e físicos, tratam águas residuárias. As áreas alagadas construídas podem ser consideradas a alternativa ecológica mais comum para tratamento de água cinza em nível domiciliar ou pequenas comunidades.

Ao final de todas as três unidades do sistema, o efluente é destinado a um reservatório de 5 mil L, para armazenamento e distribuição da água para reúso.

Fig. 1 – Vista da unidade de biofiltro encoberta pela estrutura de madeira

Atualmente, a disposição do tratamento ocorre da seguinte forma: o efluente passa pelo biofi ltro de serragem bruta, logo, pelo wetland e, por fim, pela unidade de filtros de carvão ativado.

A implantação do sistema foi realizada em três etapas. Na primeira, toda a água cinza foi tratada só com wetland desde novembro de 2014 a junho de 2015. A partir de julho de 2015, a fim de melhorar o desempenho do wetland, foi instalada uma unidade de filtração com carvão ativado na sequência. Em agosto de 2015, o sistema foi complementado com biofiltro de serragem, colocado antes do wetland.

O tratamento das águas cinza da residência começa com a coleta do efluente gerado por quatro moradores a partir do uso de chuveiros, pias e lavanderia. A taxa de geração de água cinza é de 50 litros/dia/pessoa, ou um total médio diário de 200 litros/ dia. Essas águas são direcionadas através de tubulações para uma unidade de biofiltro com capacidade de 250 litros, com entrada do afl uente pela parte superior e drenagem na parte inferior. Também possui um registro externo para regulação da vazão.

A primeira camada do biofiltro, no sentido do fundo para superfície foi composta por 30 cm de brita número 1, acima da qual foi colocada uma tela de sombreamento 50% e, acima, uma camada de 20 cm de serragem grossa. A tela de sombreamento 50% foi adicionada para facilitar a remoção do material filtrante, quando este atingir seu limite funcional, para posterior disposição como adubo orgânico, conforme a Lei no 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Para evitar fluxos preferenciais do efluente sobre o leito filtrante, foi construído um sistema de dispersão das águas cinzentas com tubos de PVC de 40 mm com orifícios dosadores.

Fig. 2 - Sistema de tratamento wetland de fluxo horizontal e escoamento subsuperficial

A unidade de biofiltro foi coberta por uma estrutura de madeira, tanto para proteção quanto para a sua harmonização ao conjunto arquitetônico da residência (figura 1).

Da unidade de biofiltro sai uma tubulação de 19 mm que direciona o efluente para o wetland (figura 2), de fluxo horizontal e escoamento subsuperficial.

Para evitar a proliferação de mosquitos Aedes aegypti, optou-se pelo sistema wetland de fluxo subsuperficial e por reservatórios hermeticamente fechados.

O wetland foi implantado em 18 de novembro de 2014 em um tanque de concreto com dimensões de 2,5 m de comprimento, 0,95 m de largura e 1 m de profundidade. Depois o local foi preenchido com brita número 1 e vegetado com a planta Vetiveria zizanioides, conhecida popularmente como capim Vetiver, que contribui com a extração de poluentes disponíveis no efluente para sua nutrição. Segundo Olijnyk et al. [1], as remoções de poluentes ocorrem principalmente através da filtração e da depuração da matéria orgânica por micro-organismos formadores do biofilme aderido ao substrato presente no sistema.

O efluente do sistema wetland é encaminhado por gravidade por meio de tubulação de 19 mm para um sistema de cloração. Para polimento da água tratada foram incorporados na saída do wetland filtros de carvão ativado, construídos de tubos de PVC de 100 mm de diâmetro e 60 cm de comprimento, montados de maneira independente um do outro. De modo a facilitar o manuseio e substituição do elemento filtrante, foi desenvolvido um sistema de “refil” que pode ser trocado quando necessário, facilitando ainda mais a manutenção do sistema.

O efluente tratado é encaminhado por gravidade e armazenado em uma caixa, também hermeticamente fechada a fim de evitar focos de vetores de zoonoses e a incidência de luz, impedindo o crescimento de microalgas na água armazenada.

A água cinza tratada já é utilizada na limpeza de piso, automóveis, irrigação de hortas e jardins e nas bacias sanitárias da residência. Para a utilização das águas cinza tratadas nas bacias sanitárias foi realizado um bombeamento para uma caixa independente situada acima da residência e instaladas tubulações igualmente separadas para essa finalidade.

A fim de se avaliar o desempenho do tratamento das águas cinza pelo sistema em estudo, foram coletadas amostras na entrada e saída para realização de análises em laboratório certificado pela norma ISO 17.025. Foram analisadas cinco amostras dos parâmetros: pH, turbidez, sólidos suspensos totais (SST), demanda química de oxigênio (DQO) e demanda bioquímica de oxigênio (DBO). Somente na última coleta foram analisados surfactantes, óleos e graxas e sólidos sedimentáveis.

Resultados

Os resultados apresentados na tabela I sugerem que as águas cinza provenientes da residência em estudo apresentam uma natureza mais ácida, com potencial hidrogeniônico geralmente abaixo de 7. O efeito do tratamento sobre o pH foi significativo, elevando o parâmetro para a neutralidade. Esses resultados corroboram com Gschlöbl et al. [2], que verificaram que sistemas de áreas alagadas tendem a levar o pH do efluente para a neutralidade.

Os valores de condutividade elétrica se apresentaram mais elevados ao final do tratamento. A condutividade elétrica está diretamente ligada à presença de íons dissolvidos, o que pode indicar a concentração de sais no sistema. Ao mesmo tempo, a quantidade de sólidos suspensos diminui ao passar pelo sistema.

A turbidez, ou a capacidade da água em absorver luz, foi reduzida na saída do tratamento. Os sistemas de tratamento por áreas alagadas construídas são bastante eficientes na remoção de sólidos em suspensão (SST) e consequentemente da turbidez. A diminuição desses valores nesses sistemas se deve especialmente a processos físicos que retêm coloides e partículas milimétricas contidas nos efluentes. O desenvolvimento do sistema de raízes das plantas, aliado ao tempo de detenção, é fundamental no processo de retenção das partículas. O desenvolvimento das raízes no meio também estabiliza o leito evitando a formação de caminhos preferenciais de fluxo.

As análises de DBO e DQO da primeira amostragem não apresentaram resultados satisfatórios, que pode ser atribuído ao início de funcionamento do sistema e a possível ocorrência do arraste de matéria orgânica dos primeiros volumes de efluente recebidos. Contudo, a partir da segunda amostragem os valores de DBO e DQO caíram satisfatoriamente demonstrando eficiência do sistema ao longo do tempo (tabela II).

Pode-se perceber com os dados de julho que a incorporação de filtros de carvão ativado causou um aumento da eficiência de remoção desse sistema. A implantação do biofiltro em dezembro de 2015 pode ter dado alguma interferência relativamente negativa inicialmente, mas nos meses seguintes o sistema apresentou boas eficiências.

Na amostragem de fevereiro de 2016 foi realizado um teste para conhecer o comportamento do sistema de tratamento diante de uma eventualidade, por exemplo, com as cargas orgânicas elevadas do efluente. Para isso, antes da coleta de amostras, foram simulados usos intensos da lavanderia e de pias, com maior incremento de detergentes e geração de resíduos orgânicos, que conferiu altos valores de DBO, DQO e SST. Apesar da inserção de alta carga orgânica no sistema, ele foi capaz de removê-las eficientemente.

Para essa mesma amostragem de fevereiro, foram analisados também os parâmetros surfactantes, sólidos sedimentáveis e óleos e graxas. Os resultados dessas análises mostram reduções expressivas desses poluentes, atingindo valores abaixo da normativa vigente (tabela III). A norma de referência para análise dos resultados é a Deliberação Normativa Conjunta Copam/CERH-MG No 1, de 05 de Maio de 2008 (Art. 29; § 4o).

Os surfactantes podem ser encontrados em produtos de limpeza como detergentes e sabão em pó, e por serem de uso diário no ambiente doméstico, tornam-se importantes para os processos de formação de espumas e graxas saponificadas na rede de condução e nos pontos de evacuação das águas residuais gerando impactos visuais e sensoriais olfativos desagradáveis. Na saúde, dependendo da concentração, podem desencadear reações alérgicas nos olhos e na pele, além de afetar o meio ambiente. Entretanto, a remoção de surfactantes pelo sistema foi bem eficiente. Sua biodegradação ocorre por meio da atividade metabólica de micro-organismos, tais como bactérias que utilizam o surfactante como fonte de carbono enxofre.

Para Ramos et al [3], a eficiência de remoção de surfactantes está intimamente ligada à eficiência de remoção de DQO, ou seja, a variação na eficiência na retirada de DQO pode ser explicada em função da eficiência na remoção de surfactantes. O sistema apresentou eficiência de remoção de ambos, DQO e surfactantes.

Também os óleos e graxas, provavelmente constituídos de óleo de cozinha, e os sólidos sedimentáveis, ainda que em pequena quantidade, foram eficientemente removidos, apresentando eficiência de remoção superior a 99,07%.

Com o intuito de apontar também a potabilidade básica do efluente gerado, foram realizadas análises de parâmetros que a identificam. A norma de referência para essas análises é a Portaria No 2914/2011 do Ministério da Saúde e Deliberação Normativa Conjunta Copam/CERH – No1. A análise ocorreu na amostragem de fevereiro de 2016 e gerou os resultados apresentados na tabela III.

Com exceção do resultado de coliformes totais, os demais parâmetros estão em acordo com o respectivo valor de referência constante na Portaria No 2914/2011. Para eliminar a presença de coliformes totais da água cinza tratada, espera-se que aumentando a dosagem de cloro no sistema será possível suprimir as bactérias presentes em sua totalidade.

Conclusões

O sistema de tratamento de águas cinza por wetland, complementado por biofiltro e filtros de carvão ativado, mostrou-se eficiente na produção de um efluente mais compatível com os usos propostos e prossegue em operação. Quanto à sua potabilidade, observou-se que o único parâmetro em desacordo com a Portaria No 2914/2011 foi o de coliformes totais, que pode ser corrigido com a aplicação de maior quantidade de cloro no sistema.

Referências

  1. Olijnyk, Débora Parcias et al.: Sistemas de tratamento de esgoto por zona de raízes: análise comparativa de sistemas instalados no Estado de Santa Catarina. In: Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental. 2007.
  2. Gschlöbl, T.; Steinmann, C.; Schleypen, P.; Melzer, A.: Constructed AAC for effluent polishing of lagoons. Water Research, 32, (9): 2639 – 2645,1998.
  3. Ramos, Renato Giani; Sobrinho, Pedro Alem.: Remoção de surfactantes no pós-tratamento de efluente de reator UASB utilizando filtro biológico percolador. XXVIII Congresso Interamericano de Ingeniería Sanitaria y Ambiental. Cancún, México, 27 al 31 de octubre, 2002.

(*) Também são coautores: Milton Edgar Pereira Flores, doutor em recursos hídricos; e Millôr Godoy Sabará, doutor em ecologia e recursos naturais