Mohammadreza Zamani, Salem Seifeddine
Data: 20/09/2017
Edição: FS Setembro 2017 - Ano 27 - No 295
Compartilhe:Nas últimas décadas, as ligas de alumínio para fundição têm substituído as ligas ferrosas em muitas aplicações automotivas, com o objetivo de se reduzir o peso global, aumentar a eficiência no consumo de combustível e diminuir os níveis de emissão de gás carbônico.
As ligas de alumínio-silício (AlSi) são as mais amplamente usadas na indústria de fundição, graças ao seu baixo custo e propriedades mecânicas favoráveis. Estas propriedades são governadas pelos constituintes microestruturais, a exemplo do espaçamento dos braços dendríticos secundários, fases eutéticas e compostos intermetálicos.
Um dos tratamentos mais comuns para essas ligas é a modificação eutética feita por meio da adição de traços de elementos específicos, tais como o sódio, antimônio e estrôncio (Sr).
Nos últimos anos, o Sr se tornou o agente de modificação mais amplamente usado, devido à sua boa taxa de modificação e baixa perda de efeito. A modificação com o estrôncio melhora as propriedades mecânicas, particularmente o alongamento total, graças ao refino da fase eutética de silício, a qual passa de um formato similar a placas grosseiras, para uma morfologia de fibras refinadas.
Essa transformação também está associada a alterações na curva de resfriamento, as quais estão relacionadas às temperaturas características de nucleação e ao crescimento das regiões eutéticas da liga de alumínio-silício.
O teor de estrôncio requerido para a modificação adequada da estrutura depende da quantidade de silício, outros elementos de liga e taxas de resfriamento.
Adições de Sr acima de um determinado teor não promovem refino adicional da morfologia da fase de silício. Ao contrário, resultam na formação de fases deletérias, tais como Al2Si2Sr.
Em Influence of Sr on microstructure and mechanical properties of ZL114 cast alloy, os autores relatam que a adição de estrôncio entre 200 e 600 ppm em uma liga Al7Si-0,5Mg melhora substancialmente o alongamento.
Já em Beneficial effects of strontium on A380 alloy, é sugerida uma faixa idêntica de adição de estrôncio para a liga Al-9Si-3Cu, visando à melhora da ductilidade.
Durante mais de 30 anos foram desenvolvidos trabalhos de pesquisa para se entender a cristalização do eutético, em função da modificação, e seu reflexo nas curvas de solidificação.
Crossley e Mondolfo, autores de Structure and properties of aluminium alloys, conduziram o primeiro trabalho experimental detalhado sobre a modificação de ligas de alumínio-silício usando curvas de resfriamento.
Lingotes da liga EN AC-4000 foram fundidos em um forno de resistência com cadinho de grafita ligada com carbeto de silício, a 750°C e sob atmosfera protetiva de argônio. O banho não foi desgaseificado.
Foram preparadas seis corridas com diferentes teores de estrôncio (de 0 a 486 ppm), usando uma liga mestre Al-10%Sr.
A adição foi feita colocando fragmentos dessa liga na superfície do banho. A sua dissolução ocorreu em 20 min.
Foi projetado um aparato de fundição com evolução térmica predeterminada, com a finalidade de identificar o nível de modificação sob diferentes taxas de resfriamento.
Foram confeccionados três moldes de aço cilíndricos com a mesma geometria (figura 1), os quais foram colocados dentro de caixas de aço, cerâmica e com isolamento de fibras de vidro. Desta forma, foram obtidas três taxas de resfriamento durante a solidificação.
Os moldes foram preaquecidos a 700°C, enquanto o banho metálico previamente preparado foi vazado em seu interior. A temperatura foi medida por termopares do tipo K (NiCr-Ni), localizados em duas posições: na parede e no centro do molde, ambos à meia altura. O desenho esquemático e as dimensões do arranjo dos moldes são mostrados na figura 1.
Os dados relativos à evolução da temperatura medida pelo termopar ao longo do tempo foram registrados usando-se um sistema para a aquisição de dados sob alta velocidade, o qual estava conectado a um computador. O registro da temperatura foi feito a cada 0,01 s.
A taxa de resfriamento foi medida antes do início da solidificação, ou seja, a temperaturas superiores a 600°C.
Os mesmos termopares foram usados para todos os testes, permitindo uma boa comparação entre os resultados de cada liga.
Para confeccionar os corpos de prova necessários para os ensaios de tração, foram fundidos cilindros com 200 mm de comprimento e 10 mm de diâmetro, com o auxílio de um molde permanente de cobre.
Em seguida, eles foram refundidos e aquecidos a 710°C durante 20 min sob atmosfera de argônio, sendo então solidificados por meio da técnica de gradiente de solidificação, com o emprego de um forno Bridgman montado sobre um dispositivo motorizado para içamento.
Após a refusão dos bastões, o forno foi elevado à velocidade de 3 mm/s, enquanto a amostra permanecia em posição estacionária.
Este aparato de solidificação gera amostras fundidas com baixos níveis de defeitos e espaçamento médio dos braços dendríticos secundários de 10,9 mícrons.
Para cada liga foram confeccionados seis corpos de prova cilíndricos. Os ensaios de tração foram executados em uma máquina para ensaio de tração Zwick/Roell Z100, sob velocidade constante de travessão igual a 0,5 mm/min.
Os dados de tensão versus deformação foram registrados.
A microestrutura foi analisada com o auxílio de um microscópio óptico Olympus GX71 e um analisador de imagens Stream Motion.
Os três diferentes sistemas de isolamento térmico descritos promoveram taxas de resfriamento de 0,4, 1,4 e 3,8°/s.
A figura 2a mostra as curvas de resfriamento da liga não modificada. Ela exibiu três reações principais durante a solidificação, as quais estão indicadas na ilustração.
A solidificação começou com a formação de redes de α-Al na faixa de temperaturas entre 620°C e 580°C, seguida pelo desenvolvimento do constituinte eutético (alumínio-silício) na faixa entre 580°C e 555°C.
Finalmente, ocorreu a formação de outros compostos intermetálicos abaixo de 550°C.
As curvas de resfriamento correspondentes à região eutética para as ligas com teores diversos de estrôncio são mostradas na figura 2b, onde se encontram indicados os pontos de temperatura relacionados à formação do eutético.
O parâmetro Tmin refere-se à temperatura mínima imediatamente antes do pico eutético (figura 2b), que corresponde ao primeiro ponto onde o calor latente gerado pelo crescimento eutético fica igual à perda de calor.
A nucleação e o crescimento do eutético inicia-se antes da Tmin.
De fato, a temperatura de nucleação do eutético corresponde ao limiar de temperatura do pico eutético na curva da primeira derivada ou ao primeiro pico na segunda derivada. Portanto, é difícil derivar a temperatura de nucleação do eutético a partir da curva de resfriamento, motivo pela qual ela não é levada em consideração neste estudo.
A temperatura de crescimento, ou TG, é a temperatura máxima do pico Geutético (figura 2b).
Nestes ensaios, ficaram evidentes quatro características da região eutética da curva de resfriamento, após a adição de estrôncio.
Em primeiro lugar, a adição desse elemento levou à redução da temperatura de crescimento do eutético, a qual se reflete em um maior valor de ΔTG.
Também ocorreu a diminuição da temperatura mínima do eutético, o que reflete no aumento de ΔT min .
Adicionalmente, houve alterações na evolução do super-resfriamento seguido pela recalescência, o que alterou o valor de Δθ. Na ausência de estrôncio, o valor de Δθ ficou muito pequeno ou igual a zero.
Contudo, ao se acrescentar o estrôncio, a evolução do super-resfriamento seguido pela recalescência e o valor de Δθ se alteram.
Outra observação foi que a reação eutética é consideravelmente prolongada ao se acrescentar Sr, o que leva a um aumento em Δt.
Tendo em vista que este tipo de liga (EN AC-46000) é normalmente usada em fundição sob pressão, foram confeccionados corpos de prova para ensaios de tração com espaçamento dos braços dendríticos secundários variando entre 7 e 16 mícrons.
A figura 4a mostra uma curva típica de tensão versus deformação determinada pelo ensaio de tração da liga não modificada e com 276 ppm de estrôncio.
Os pontos indicam o limite de resistência e o alongamento total de cada corpo de prova.
A figura 4b indica as propriedades sob tração da liga, em função da concentração de estrôncio. A liga modificada, com teor de estrôncio de 150 a 486 ppm, apresentou melhora substancial de suas propriedades de tração, particularmente do alongamento total.
A adição de estrôncio pode alterar as condições de nucleação e o crescimento do constituinte eutético, provocando a diminuição da temperatura eutética (figura 2b).
Em The treatment of liquid aluminumsilicon alloys, os autores propuseram que pela introdução de um agente modificador, a energia interfacial entre o alumínio e o líquido é reduzida em relação às energias interfaciais entre o silício e o líquido e entre o alumínio e o silício. Portanto, a nucleação da fase eutética de silício no alumínio se torna mais difícil, requerendo um maior grau de super-resfriamento.
Os autores de The microstructure and crystallography of aluminiumsilicon eutectic alloys sugeriram que a influência do agente modificador ocorre sobre o mecanismo de crescimento e não afeta o processo de nucleação.
De fato, átomos de impurezas (sódio, estrôncio etc.) envenenam os sítios de crescimento do silício na interface que começa a avançar. O envenenamento interfacial ocorre em placas gêmeas reentrantes.
A adsorção seletiva nesses sítios retarda o crescimento do silício e promove o aumento do grau de super-resfriamento. Esta última teoria para explicar o mecanismo de modificação eutética é a mais amplamente aceita.
Frequentemente, nota-se que a redução da temperatura eutética (ΔTG) promovida pela adição de estrôncio está intimamente ligada ao teor desse elemento na liga.
As variações da ΔTG em função do teor de estrôncio para diferentes ligas, que foram registradas em outros trabalhos, são apresentadas na figura 5 e comparadas com os resultados obtidos no presente estudo.
Um efeito geral é o aumento da ΔTG no caso de teores crescentes de estrôncio, até que seja alcançado um valor máximo, seguido por uma ligeira diminuição. A exceção ficou por conta da liga com magnésio, a qual apresentou uma diminuição mais acentuada.
Essa tendência também foi observada neste estudo (figura 3). A conclusão foi que o estrôncio restringe o crescimento da fase eutética de silício, atuando como um átomo de impureza, que envenena as camadas em crescimento.
O bloqueio do crescimento da fase eutética de silício aumenta o número de núcleos, levando à redução da temperatura de nucleação e ao crescimento do silício.
Contudo, uma vez que o teor de estrôncio ultrapasse um determinado valor, o excesso começa a formar fases intermetálicas (tais como Al2Si2Sr), a qual não contribui para a modificação.
Portanto, a ΔTG tem sido frequentemente usada como um índice a ser correlacionado com o nível de modificação (figura 6).
A determinação da ΔTG e, consequentemente, do teor ideal de estrôncio, requer uma comparação entre as curvas de resfriamento para ligas modificadas e não modificadas.
As curvas de resfriamento são influenciadas pela variação da composição química da liga. Se é usada uma nova corrida da liga, a temperatura eutética TG (não modificada) ) se altera.
Portanto, foram feitas algumas tentativas para se chegar a uma equação que relacionasse a TG (não modificada) à composição química.
A equação a seguir foi proposta pelo autor do trabalho Structure and properties of aluminum alloys:
TG (não modificada) (°C) = 577 – 15,5%Si [4,43%Mg + 1,43%Fe + 1,93%Cu + 1,7%Zn + 3%Mn + 4%Ni]
Contudo, essa equação só é válida quando os teores totais dos elementos da liga, exceto o alumínio e o silício, são inferiores a 1% em peso.
A figura 5 mostra que o valor de pico da ΔTG (teor ótimo de estrôncio) apresentou valores próximos para as ligas, com composições químicas similares.
Em Eutectic nucleation in Al-Si alloys, os autores afirmam que a presença de impurezas, particularmente o ferro, exerce um efeito significativo sobre a ΔTG.
A adição de 150 ppm de estrôncio à liga Al-10Si com alta pureza não alterou significativamente a temperatura de crescimento do eutético, ao passo que uma liga Al10Si com 0,1% de ferro (em peso) apresentou uma redução de 4,4°C da temperatura de crescimento do eutético, após a adição de 190 ppm de estrôncio.
Um nível elevado de impurezas resultou na nucleação do eutético sob temperaturas menores. A adição de estrôncio, por sua vez, não auxiliou a nucleação.
Impurezas até o teor de 0,1% em peso são tipicamente permitidas em ligas comerciais de alumínio-silício para fundição sob pressão.
Portanto, não se deve dispensar a análise das curvas de resfriamento na região eutética, quando se deseja avaliar o grau de modificação para esses tipos de liga.
Theoretical and practical aspects of the modification of Al-Si alloys traz uma revisão sobre o papel de vários elementos (estrôncio, bismuto, chumbo e boro) que exercem efeitos significativos sobre a estrutura do silício e a temperatura eutética. Eles reduzem a eficácia da modificação pelo estrôncio.
O efeito desses elementos é preocupante em ligas secundárias, nas quais o nível de impurezas pode ser relativamente alto.
Portanto, pesquisadores e fundidores concordam que o teor de estrôncio precisa exceder um valor específico na presença de tais elementos nas ligas.
Por exemplo, a cada 10 ppm de fósforo, é necessário ter 30 ppm de estrôncio para neutralizar o efeito envenenador daquele elemento.
No caso do bismuto, o valor da razão entre o estrôncio e ele precisa ser superior a 0,45, para se obter uma estrutura plenamente modificada.
Neste estudo, a concentração média de estrôncio, fósforo e bismuto foi igual a 68, 4 e 78 ppm, respectivamente.
A concentração de boro foi menor do que 1 ppm. É plausível que na ausência de tais elementos, um teor de estrôncio inferior a 276 ppm possa produzir uma fase eutética de silício com estrutura plenamente modificada (figura 7).
Contudo, a comparação entre a modificação e a taxa de resfriamento se torna complicada no caso de altos teores dos elementos mencionados.
Nos estudos relatados neste trabalho, a análise térmica foi usada para a investigação dos efeitos de diferentes teores de estrôncio com variadas taxas de resfriamento, sobre o desenvolvimento da região eutética de uma liga Al-Si-Cu-Mg.
Os resultados mostraram que a transformação eutética é deslocada para menores temperaturas, à medida que aumenta a adição de estrôncio.
A redução da temperatura de crescimento do constituinte eutético (ΔTG) apresentou correlação similar e consistente com as propriedades mecânicas sob tração, particularmente o alongamento total e o limite de resistência, independentemente da taxa de resfriamento (de 0,4 até 3,8°C/s).
O prolongamento do tempo necessário para o crescimento do constituinte eutético (Δt) também apresentou tendência similar às propriedades sob tração. No entanto, essas correlações não se mostraram consistentes para as diferentes taxas de resfriamento.
O uso de ΔTG e Δt se revelou uma abordagem precisa para a previsão do teor ótimo de estrôncio na liga.
Portanto, a análise térmica pode ser considerada uma técnica precisa e econômica para que as fundições estimem o teor ótimo de estrôncio, obtendo-se assim as melhores propriedades sob tração para as ligas de alumínio-silício, sem a necessidade de execução de ensaios destrutivos.