A estampagem é um processo de conformação mecânica realizado geralmente a frio, por meio de operações de corte, dobra e embutimento, nas quais chapas planas adquirem uma forma geométrica conforme o projeto. Neste estudo, o enfoque será a operação de dobra, visto que esta é a forma utilizada na fabricação das ponteiras(1).

No processo de dobramento, a chapa sofre deformação por flexão em prensas e a forma desejada é conferida mediante emprego de punção e matriz específicos. Para produções em larga escala utilizam-se estampos, cuja confecção gera alto custo, e para a fabricação de perfis dobrados e alguns tipos de peças com grandes comprimentos de dobras, utilizam-se prensas dobradeiras/viradeiras, com matrizes e machos (punções) universais(2).

O dobramento pode ser concluído com uma ou mais operações, em uma ou mais peças, de forma progressiva ou individual. A figura 1 (pág. 52) mostra exemplos de operações de dobramento mais comuns.

Fig. 1 – Tipos de dobramento em matrizes(2)

Após a operação a chapa assume a forma definida pelo punção e pela matriz. É importante prever o retorno elástico (springback) do material, que tende a voltar à sua forma inicial. Para que a dobra final fique com o ângulo previsto, o retorno elástico pode ser determinado após o processo, por meio de equações matemáticas. Para a conformação de perfis, gabinetes e peças de grande porte, utilizam-se prensas dobradeiras, que tornam a produção economicamente viável. A figura 2 mostra uma imagem do equipamento utilizado para dobrar chapas.

Fig. 2 – Prensa dobradeira

As dobradeiras caracterizamse por possuírem uma mesa longa e estreita na qual é fixada uma matriz e um cabeçote, onde se pode instalar ferramentas para a execução de dobras com formas e dimensões variadas.

O dobramento, anteriormente aplicado a reduzidas séries de fabricação, já está integrado a linhas de produção em larga escala, devido à modernização dos equipamentos e à utilização de ferramentas complementares e da robótica. A fabricação de balcões frigoríficos, de mobiliário metálico, de chassis para a indústria automobilística e agrícola e de estruturas metálicas para transportadores serve como exemplo(3).

Fatores que afetam o dobramento

As peças produzidas nas dobradeiras geralmente são processadas anteriormente em máquinas de corte a laser ou puncionadeiras CNC. Na operação de dobramento deve-se levar em conta alguns fatores que são muito importantes, dentre os quais destacam-se os seguintes3:

Capacidade elástica do material

A área dobrada tem a superfície externa tracionada, que sofre redução de espessura, e a superfície interna, comprimida. Estas tensões aumentam a partir de uma linha neutra, chegando a valores máximos em ambas.

Raio interno mínimo da peça a ser dobrada

Define-se o raio mínimo de dobra como o menor valor admissível para o raio, de modo a evitar uma grande variação de espessura da área dobrada, em função do alongamento que o material sofre ao ser tracionado e da espessura da chapa que está sendo dobrada.

Comprimento desenvolvido da peça

A variação da espessura da chapa na região da dobra impede que o comprimento desenvolvido seja a soma dos comprimentos retos e curvos da peça. Deve-se levar em conta a variação de espessura da região dobrada, conforme o comprimento da chapa a ser processada.

As forças que atuam na operação de dobramento

As principais forças que atuam na operação de dobramento são: força de dobramento, força do prensa-chapas e força lateral. A força de dobramento atua de acordo com a espessura da chapa.

Descrição do processo

Produto (ferramental)

As ferramentas de dobramento geralmente são fabricadas em aço C45 (SAE-1045) ou 42CrMo4 (SAE-4140), e podem variar de 10 mm a 8.000 mm de comprimento, com geometria e perfis variados conforme a necessidade do produto. Podem ainda receber um tratamento térmico localizado (TTL) de têmpera na área de maior atrito com as chapas, para aumentar a resistência ao desgaste, evitando quebras e estilhaços. O TTL aumenta de 3 a 5 vezes a vida útil da ferramenta cuja dureza varia entre 50 a 54 RC. Após o tratamento térmico, na maioria das vezes, as ferramentas são retificadas para garantir as mínimas tolerâncias dimensionais. No processo de fabricação, dependendo da aplicação da ferramenta, as tolerâncias de projeto podem manter uma precisão de até 0,02 mm, além de obter superfícies com alta planicidade e baixa rugosidade. As ferramentas também podem ser intercambiáveis, permitindo a troca rápida e a redução dos custos de fabricação. A figura 3 (pág. 53) demonstra alguns exemplos de ferramentas de dobra.

Fig. 3 – Exemplos de ferramentas. a) Perfis diversos das ferramentas de dobramento. b) Exemplo de ferramenta de dobra(6)

Desenvolvimento do projeto

O uso de sistemas CAD 3D é fundamental no desenvolvimento do projeto, pois permite prever erros e identificar possíveis melhorias, tanto no produto quanto na ferramenta. Dentre as vantagens e benefícios proporcionados pelo sistema, destacam-se alguns que foram importantes para o desenvolvimento e fabricação das ponteiras.

O software utilizado para o desenvolvimento do trabalho foi o SolidWorks. Este possui uma barra de ferramentas com recursos específicos para modelagem de chapas metálicas, conforme mostra a figura 4, e tabelas para cálculos de dobra, nas quais é possível definir diferentes intervalos angulares e atribuir equações a eles. A figura 5 (pág. 55) mostra um exemplo de tabela de cálculo de dobras.

Fig. 4 – Recursos do software utilizado para trabalhos com chapas metálicas

Fig. 5 – Exemplo de tabela de cálculo de dobras

Para o desenvolvimento do projeto da ferramenta das ponteiras, foi criada a ponteira em 3D e em seguida, criou-se o desenho tridimensional de montagem desta peça na dobradeira – esta, em tamanho e modelo real em relação à máquina utilizada na produção. O produto final foi colocado na máquina e a partir dele o projetista criou as partes da ferramenta, aproveitando os espaços livres entre o produto e o corpo da máquina. A figura 6 (pág. 56) mostra, através de uma perspectiva 3D, o resultado final da modelagem da ponteira no SolidWorks

Fig. 6 – Ponteira modelada no software

No ambiente de montagem pode-se visualizar um conjunto de modelos e realizar simulações que comprovem a funcionalidade do projeto. Caso apresente alguma falha, é possível corrigir o problema antes da fabricação do modelo físico. A figura 7 (pág. 56) mostra o esquema de montagem da peça e da ferramenta.

 

 

Fig. 7 – Montagem da ponteira e da ferramenta

 

Após definidas as medidas e a geometria para a fabricação da ferramenta de dobramento, esta foi dividida em oito partes. O material utilizado na fabricação da ferramenta foi o aço SAE-1045, as partes foram cortadas, usinadas e unidas por soldagem. Por último foi feito o alívio de tensões.

Para executar o dobramento utilizou-se uma dobradeira hidráulica da marca Warcom, que possui um sistema sincronizado de servoválvulas e réguas lineares de alta precisão comandadas por CNC, para permitir dobras descentradas, assim como manter o paralelismo entre o prensador e a mesa. Além disso, a máquina utiliza as seguintes fórmulas para fazer o cálculo automático de dobra, de acordo com os dados recebidos(7).

Para se calcular a força de dobra necessária por metro (F – ton/m):

F = {[1 + (4 . S/V] . S2 . R . L}/V

Onde:

F = Força de dobra (ton/m);

S = Espessura da chapa (mm);

V = Abertura do canal de dobra (mm);

R = Limite de resistência do material ou tensão de ruptura (kgf/mm²)

L = Comprimento da dobra (m)

Para se calcular o raio interno (Ri), em mm, conhecendo o “V”:

Ri = V/6

Onde:

V = Abertura do canal de dobra (mm);

Ri = Limite de resistência do material.

Resultados e discussão

Após a fabricação da ferramenta, durante o try out, foram identificados alguns problemas, tais como: a área de alívio da ferramenta estava funcionando como uma mola, exigindo um esforço desnecessário da máquina. Em função disso, concluiu-se que a ferramenta poderia, ao longo do tempo, sofrer deformações permanentes, caso não fosse estruturada.

O projeto passou por revisão a fim de evitar problemas futuros, tais como peças defeituosas, quebra ou deformação da ferramenta, desgaste desnecessário da máquina e comprometimento da segurança do operador.

A solução encontrada pelos projetistas foi reforçar os topos do ferramental e instalar quatro mãos francesas na parte posterior, como pode ser visto na figura 8 (pág. 58).

fig. 8 – Correção dos pontos de falha

Conclusão

O trabalho apresentado é fruto de um projeto no qual o uso de software foi fundamental para a fabricação do produto final. Apesar de realizadas duas alterações para reforço da ferramenta, o resultado do produto desenvolvido no SolidWorks, comparado ao produto físico, foi melhor do que o previsto, atendendo também aos requisitos técnicos e comerciais de fabricação. Na figura 9 pode ser vista a ferramenta fabricada e pronta para uso.

Fig. 9 – Ferramenta de dobramento para ponteira da catraca bloqueio

As tolerâncias de medidas estabelecidas durante a produção das ponteiras situaram-se na escala dos décimos de milímetro, conforme as solicitações do desenho de produto, mostrando que o ferramental desenvolvido é confiável. Para trabalhos futuros, alguns pontos podem ser abordados, como a redução do peso do ferramental por meio da diminuição da espessura da chapa estrutural da ferramenta de dobra, ou pela abertura de “janelas”, utilizando a simulação para tentar otimizar o fator resistência x peso, tendo em vista que para uma produção em larga escala o peso excessivo da ferramenta acarretaria o desgaste prematuro da máquina, diminuindo sua vida útil e aumentando os custos de manutenção.

A figura 10 (pág. 59) mostra imagens das catracas durante e depois da instalação.

Fig. 10 – Produto final (inauguração da Estação Pinheiros do Metrô-SP). a) Instalação das catracas; b) Catracas sendo utilizadas pela população.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a empresa Digicon SA, e as instituições de fomento à pesquisa CNPq e CAPES pelo apoio financeiro.

Referências

  1. Silveira. F.D.; Schaeffer. L.; Diretrizes para projeto de ferramenta de estampagem. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/ ldTM/publicacoes/Diretrizesparte1.>pdf Acesso em: 18/08/2012.

 

  1. Marcondes, P.V.P.; Manufatura de chapas metálicas - Dobramento. Disponível em:<ftp://ftp.demec. ufpr.br/disciplinas/TM729/ Artigos/Edicao25_Art_Tec_UFPR_ PauloMarcondes_Dobramento_ Versao01.pdf >Acesso em: 18/08/2012.

 

  1. Chiaverini, Vicente; Tecnologia Mecânica: Processos de Fabricação e Tratamento, 2 ed., São Paulo: McGrawHill, 1986.

 

  1. Schaeffer, L.; Conformação de Chapas Metálicas. Imprensa Livre, Porto Alegre, 2004.

 

  1. Cetlin, P. R.; Helman, H. Fundamentos da Conformação. Editora Artliber, São Paulo, 2005.

 

  1. Inplaf. Ferramentas para dobradeira e punções para dobra. Disponível em: < http://www.inplaf.com.br/produtos/ ferramentas-para-dobradeira.asp> Acesso em: 18/08/12.

 

  1. Newton. Cálculo de dobras. Disponível em: <http://www.newton.com.br/%0D%0Acalculo.php> Acesso em: 18/08/12.

 

  1. Rodrigues, J.; Martins, P. Tecnologia Mecânica – Tecnologia da Deformação Plástica. Vol. II, Aplicações Industriais. Escolar editora, Lisboa, 2005.

 

 

 

 

 

 

 


 

 


 

 

 


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