A construção leve proporciona vantagens consideráveis a muitas aplicações: desde objetos de design, passando pelo chão de fábrica até aerogeradores. Em carros de passeio a construção leve possui papel significativo, já que reduções relevantes de peso continuam sendo o principal objetivo dos modernos conceitos de carroceria. Portanto, as tecnologias de união entre materiais na construção leve, e especialmente na união entre aço e alumínio, possuem um papel-chave.

A empresa Fronius International, de Wels (Áustria), vem enfrentando esse desafio juntamente com a siderúrgica Voestalpine. O objetivo de seu projeto era o desenvolvimento de um semiproduto na forma de blanque estampável feito de aço e alumínio (figura 1), em que a união entre ambos os metais fosse feita por processos térmicos.

Fig. 1 – Blanques de aço e alumínio: esses blanques híbridos atenderam aos requisitos práticos em termos de conformabilidade em associação com a soldobrasagem.

 

 

Já faz muito tempo que as uniões confeccionadas entre aço e alumínio por processos térmicos são consideradas não consistentes. A principal razão para isso está na grande diferença entre seus pontos de fusão – ele é superior a 1.500°C para o aço e está em torno de 660°C para o alumínio –, bem como no surgimento de fases intermetálicas. O fenômeno decorre da limitada solubilidade entre ferro e alumínio sob temperatura ambiente. Essas fases intermetálicas são formadas por processos envolvendo difusão. Geralmente elas se caracterizam por apresentar alta dureza e tenacidade extremamente baixa. Assim sendo, a dureza do Fe2Al5 é da ordem de 1.050 HV (dureza Vickers), enquanto a do FeAl3 atinge valores da ordem de 900 HV. Quanto maior for a intensidade do aporte térmico, mais grosseiras serão as fases intermetálicas; por sua vez, quanto mais grosseiras elas forem, piores serão as propriedades mecânicas e tecnológicas da união entre aço e alumínio. A camada de fases intermetálicas deve ser tão fina quanto possível, assumindo um valor máximo de 10 mícrons.

Um desafio adicional está relacionado aos diferentes valores de coeficiente de dilatação térmica por metro entre os dois metais: no caso do aço ele atinge cerca de 1,2 mm/100°C, enquanto no alumínio esse valor é quase o dobro, 2,34 mm. Acrescente-se a isso a grande variação no potencial eletroquímico entre aço e alumínio, da ordem de 1,22 V, e entre zinco e alumínio, de cerca de 0,9 V.

Com base nesses dados físicos, os metalurgistas e especialistas em soldagem das duas empresas definiram as seguintes condições para a união entre aço e alumínio:

A escolha do processo térmico de união recaiu sobre a transferência de metal a frio (Cold Metal Transfer, CMT). Ela foi justificada em decorrência das atividades de pesquisa e desenvolvimento que vêm sendo elaboradas sobre esse processo há anos, bem como das várias décadas de experiência prática que os especialistas em soldagem da Fronius já possuem com este processo de união por arco.

O caminho para uma união sem problemas

Três fatores principais influenciam a confecção de uma união sem problemas: os dois componentes a serem unidos, o processo de união e o material de adição. Além da camada de zinco com espessura de, no mínimo, dez mícrons, também a preparação das arestas da chapa de aço influencia a qualidade e a capacidade de transmissão de carga da união. A configuração geométrica das arestas nas chapas destinadas à união, desenvolvida pela Voestalpine, está protegida por patente. Foram feitos testes bem-sucedidos com tipos normais de aço para estampagem profunda. As chapas de alumínio utilizadas foram das séries AW 5xxx ou 6xxx.

As chapas de alumínio a serem submetidas ao processo convencional de soldagem sob gás inerte precisam apresentar superfície apenas “limpas”. Uma vez que as fases intermetálicas formadas entre ambos os materiais comportam-se de forma similar a materiais cerâmicos, elas são sensíveis em relação a solicitações normais, mas pouco afetadas por cargas tangenciais (laterais). Essas características geralmente são consideradas durante o projeto construtivo.

As chapas de alumínio a serem submetidas ao processo convencional de soldagem sob gás inerte precisam apresentar superfície apenas “limpas”. Uma vez que as fases intermetálicas formadas entre ambos os materiais comportam-se de forma similar a materiais cerâmicos, elas são sensíveis em relação a solicitações normais, mas pouco afetadas por cargas tangenciais (laterais). Essas características geralmente são consideradas durante o projeto construtivo.

O terceiro fator importante é o material de adição. No caso da soldobrasagem, a Fronius decidiu utilizar uma liga especial de alumínio. Para que se obtenha um cordão otimizado durante a soldobrasagem é igualmente importante atentar para a posição do material de adição, bem como para o ajuste da tocha.

Normalmente, os blanques são produzidos industrialmente em instalações de laminação e ficam disponíveis na forma de semiprodutos para processamento posterior, automatizado ou manual. Contudo, em princípio é possível utilizar um sistema manual de soldagem por transferência a frio de metal (CMT) para a confecção dos semiprodutos híbridos.

Seu projeto construtivo é significativamente diferente da versão totalmente mecanizada, desenvolvida originalmente. O tamanho, formato e peso da tocha, a qual dispunha de alimentação reversível de eletrodo na forma de fio, foram adaptados para a manipulação humana. Além disso, as funções essenciais de controle precisam ser operadas manualmente, ou seja, deve-se viabilizar o ajuste direto da tocha durante a operação de soldagem. Somente assim o soldador poderá aproveitar as vantagens decisivas da soldagem por transferência a frio de metal: uma reação rápida e flexível a situações diferentes como, por exemplo, valores variáveis de folga entre as chapas a serem unidas.

Adequação do uso rotineiro do processo para blanques de aço e alumínio

Para explorar e comprovar a adequabilidade para uso rotineiro do novo processo, tanto os dois parceiros de desenvolvimento como instituições externas realizaram testes extensivos envolvendo a soldobrasagem de blanques de aço e alumínio.

Pesquisa básica

O ponto de partida são os materiais: liga de alumínio AW5182- H111, aço DX54D+Z e o material de adição AlSi3Mn1 . O Instituto Max-Planck para Pesquisa em Metalurgia Ferrosa (Max-Planck-Institut für Eisenforschung), sediado em Düsseldorf (Alemanha), analisou a formação da microestrutura na zona de união, bem como otimizou o material de adição. Para tanto, foram feitos ensaios de detecção de elétrons retroespalhados (Electronic Back Scattering Detection, EBSD). A figura 2 apresenta uma visão geral sobre a orientação dos grãos. É possível observar a distribuição de tamanhos de grão na zona de fusão do corpo de prova de alumínio. As cores estão associadas à distribuição do tamanho de grão, bem como ao seu crescimento.

Fig. 2 – As pesquisas básicas desenvolvidas no Instituto Max-Planck para Pesquisa em Metalurgia Ferrosa mostraram a evolução microestrutural na zona de união

 

Resistência à tração

Dois diferentes corpos de prova simularam as combinações de materiais que são encontradas tipicamente no teto de automóveis (figura 3) e molduras das janelas (tabela 1). Os ensaios de tração apresentaram um resultado essencial: a fratura do corpo de prova ocorreu na chapa de alumínio, e a união soldobrasada suportou o ensaio sem sofrer deformação (figura 4, pág. 32).

Fig. 3 – Um blanque com dimensões 300 x 220 mm, confeccionado sob velocidade de soldagem de 78 cm/min, deu origem, após sua conformação, a uma peça de demonstração: uma moldura para teto de automóvel soldobrasada

Fig. 4 – A resistência mecânica da junta soldobrasada foi tão alta que a fratura durante os ensaios de tração não ocorreu na união, mas sim no componente feito de alumínio

Corrosão e ensaio de névoa salina

O comportamento quanto à corrosão dos blanques de aço e alumínio sem proteção foi determinado por meio de ensaios com névoa salina. Não foi verificada corrosão por contato, sob tensão ou intercristalina, mesmo após 300 horas de ensaio. Foram constatados apenas alguns poucos vestígios de corrosão sobre a superfície.

 

Conformabilidade

A conformabilidade das chapas possui um papel decisivo na fabricação de carrocerias. Contudo, esse fato só é válido para os blanques de aço e alumínio quando eles se mostram adequados para um processamento consistente das chapas. A demonstração da adequação foi feita para diferentes processos de conformação (dobramento em perfil de chapéu ou embutimento de pires). O exemplo de “embutimento de pires” demonstrou claramente que esse processo específico apresentou bons resultados, mesmo nas regiões-limite (figura 5, pág. 32).

Fig. 5 – O “embutimento de pires” demonstrou claramente que o novo processo deu bons resultados, mesmo nas regiões-limite.

 

A avaliação dos ensaios proporcionou resultados adicionais. Constatou-se que um alto grau de limpeza do material de adição possibilitou maiores taxas de alongamento. Os parâmetros da soldobrasagem – como são basicamente conhecidos – devem ser selecionados apenas de forma a proporcionar o menor aporte térmico possível. Uma pequena sobre-elevação do cordão favorece a conformabilidade.

Ensaio de colisão

Os blanques híbridos viabilizaram uma aplicação especial que pode ser aproveitada no caso de componentes importantes, do ponto de vista da segurança. Por exemplo, eles podem ser intencionalmente concebidos de forma a absorver energia no caso de acidentes (figura 6). No ensaio de elementos híbridos para suporte de carga, a absorção da energia ocorreu de forma praticamente exclusiva no componente feito de alumínio. Tanto o cordão produzido por soldobrasagem quanto o componente feito de aço não foram afetados. Em contraposição, uma peça feita exclusivamente de aço sofreu danos significativamente maiores sob o mesmo nível de absorção de energia. Componentes híbridos construídos de forma adequada atendem aos requisitos definidos: por um lado, as condições de absorção de energia e, por outro, a manutenção de geometrias ou distâncias definidas.

Fig. 6 – A comparação entre testes de colisão de elementos para suporte de carga mostrou que o componente feito de aço (à esquerda) da peça híbrida manteve seu formato e distância desejada, enquanto a mesma peça, mas agora feita totalmente de aço (à direita) se deformou ao longo de todo seu comprimento (fotos fornecidas pela Fronius e Voestalpine).

 

As duas empresas que desenvolveram a tecnologia descrita neste artigo já implantaram processos adequados para produção em série, que atendem aos requisitos necessários para blanques feitos de aço e alumínio. Esses processos oferecem à construção leve de carrocerias, por exemplo, novas possibilidades para redução de peso e, dessa forma, diminuem o consumo de energia e as emissões de gás carbônico. Testes exaustivos comprovaram a sua adequabilidade sob condições práticas e parcialmente do ponto de vista construtivo, bem como as suas possibilidades de aplicação.

 

 


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