A crescente demanda por plásticos reciclados fez surgir a necessidade da identificação de organizações que trabalham com gestão da qualidade, processos e controles de seus produtos e serviços, e que também se preocupam não só com seus shareholders mas também com seus stakeholders, além da reputação positiva de suas atividades. Este artigo é uma reflexão sobre a iniciativa e relevância que a certificação do Senaplas pode ter na utilização de novas aplicações automotivas – via plásticos reciclados –, impactando positivamente a agenda de sustentabilidade junto ao mercado automotivo (montadoras, sistemistas, sub sistemistas, moldadores e mercado de reposição), recicladoras e a sociedade como um todo, principalmente no cenário nacional, onde a reciclagem possui papel financeiro e social direto na parcela mais carente da sociedade.


Fig. 1 - O selo Senaplas visa certificar a garantia da qualidade do produto final, com controles e processos auditados (fonte: Abiplast, 2021)
 

O selo de certificação Senaplas Produto, criado em conjunto pela Abiplast e pela Câmara Setorial de Plásticos Reciclados, com auditoria e certificação da Aceplas (acreditada pela EuCertPlast – Entidade Certificadora da União Europeia) e, em parceria com o Senai (laboratório independente), tornou possível a implantação deste projeto, que possui como pilares conceitos da EuCertPlast, do marketing 4.0 (Kotler, Kartajaya e Setiawan), de projetos ágeis (PMI, 2017), da matriz de materialidade e da economia circular.

Os objetivos macro da certificação Senaplas são a validação, a garantia da qualidade do produto final, com controles e processos auditados (gerando valor, não apenas ao produto final, mas à imagem da organização) e acesso às melhores práticas de gestão. Concomitantemente, a certificação busca promover a demanda por materiais reciclados, incentivando os recicladores a investir na produtividade de processamento, impactando o mercado em todos os níveis, com divulgação em âmbito nacional pela Abiplast. Por último, e não menos importante, mostra que o aumento da reciclagem automotiva é benéfico para recicladores, indústria de plásticos (em meio a crises frequentes de falta de produtos intermediários), meio ambiente e para a sociedade como um todo.

As organizações estão expostas a um turbulento cenário, com um alto volume de informações e constante alteração de padrões de exigência mercadológica e social. O modelo organizacional tradicional dos anos 1990 e 2000, com foco no resultado, ou no cliente, ainda é praticado atualmente por um número considerável de empresas.

Por outro lado, organizações pioneiras estão trabalhando com afinco na oportunidade de buscar um equilíbrio entre lucro e sustentabilidade, em todos os níveis, e buscando o foco do cliente. Já não basta apenas um portfólio com produtos e serviços de qualidade. A conectividade e a sinergia entre gerações, alteraram e alterarão de forma radical o ambiente de gestão organizacional, forçando as empresas a buscarem novas ferramentas, práticas e métricas (Kotler, Kartajaya e Setiawan) para que estejam mais aderentes às necessidades e tendências de comunicação, de segurança, de saúde, sociopsicológicas, espaciais, ambientais e mercadológicas.

O principal questionamento sobre as novas ferramentas de gestão está baseado em como mensurar e comunicar os diferenciais que este novo modelo de gestão provê. Este artigo traz uma das possibilidades emergentes para essa questão: as certificações como objetivo de salvaguardar o melhor do conteúdo das atividades produtivas em relação às novas tendências trazidas pelas mais recentes conquistas tecnológicas, novos problemas (como a Covid-19) e atuais desafios dos contextos social, ambiental, econômico e político.

Nesse sentido, uma abordagem sobre a crescente preocupação com a segurança, a saúde, a condição sócio-psicológica, o espaço de trabalho, o meio ambiente e a sustentabilidade como um todo, devem direcionar missão, visão, valores e planos estratégicos corporativos para a necessidade de reciclagem de materiais plásticos, especialmente para as mais de 1.000 empresas atuantes neste segmento no Brasil. Porém, essa reciclagem precisa seguir processos robustos e continuamente controlados, o que permite sua confiabilidade e qualidade assegurada.

Assim, a certificação é uma forma de comprovar esses aspectos, proporcionando também um documento que pode ser amplamente divulgado, criando um círculo virtuoso e incentivando outras empresas a se engajarem no mesmo sentido.

Esse movimento tem repercutido em companhias de pequeno, médio e grande portes em todo o mundo. Exemplo disso é a certificação EuCertPlast para plásticos reciclados. A agenda de certificação abrange toda a gestão corporativa, assegurando a constância de processos, desde logísticos até os relacionados à qualidade final do reciclado. Assim, a gestão, meio ambiente, saúde, condição sócio psicológica, segurança dos trabalhadores, comunidade, modelo de negócios, são auditados e controlados, permitindo cumprir uma agenda econômica, agora sempre aliada à governança sustentável.

Diante de tantas demandas, as empresas recicladoras necessitam definir uma ordem de prioridades na gestão de seus processos e ainda identificar os aspectos mais relevantes para atuar, de acordo com critérios estratégicos de sua organização. Nesse sentido, a Fundação Dom Cabral sugere a utilização da matriz de materialidade, que tem-se mostrado uma ferramenta muito útil, ao fornecer parâmetros de análise e validação dos principais focos de atuação no que se refere a uma agenda sustentável, respeitando o cenário e os objetivos específicos de cada organização.

Ou seja, o cenário atual da indústria de plásticos aponta para a clara oportunidade de reciclagem de materiais, levando em conta a lucratividade aliada à governança sustentável da empresa, assim como garantir os aspectos básicos de segurança e saúde de todos seus colaboradores, especialmente em tempos de crises sanitária como a pandemia atual.

 

Aplicação da matriz de materialidade

Transformar em ações as intenções de responsabilidade socioambiental exige que a empresa se dedique a identificar os fatores que criem valor agregado ao negócio. Ou seja, é preciso priorizar as oportunidades e envolver toda a liderança no sentido da sustentabilidade, perpassando os temas ambientais e sociais, além da necessária e complexa lucratividade organizacional.

Com o objetivo de auxiliar as empresas nessa tarefa, a Fundação Dom Cabral lançou um guia, chamado de “How-to de Sustentabilidade”, apresentando a “matriz de materialidade” (figura abaixo) para identificar os temas mais relevantes para cada empresa, em quatro etapas consecutivas:

 

  1. Identificar os temas relevantes com os principais stakeholders (partes interessadas) que tenham impacto direto no negócio;

  2. Avaliar o benefício de cada tema para o negócio (por exemplo custos, participação de mercado, preço, etc.);

  3. Analisar a percepção dos stakeholders, identificando os temas de maior relevância para cada um deles (como clientes, distribuidores, governo, entre outros, conforme o ramo de atuação da empresa);

  4. Montar uma matriz de “impacto no negócio” versus a “importância para os stakeholders”.

 


Fig 2 - Matriz de materialidade de projeto (fonte: Fundação Dom Cabral, 2016)
 

A identificação dos principais temas pode levar em conta alguns parâmetros já utilizados, como o mapa de materialidade do Sustainable Accounting Standards Board (SASB), ou até mesmo exemplos de empresas que já realizaram o mesmo exercício, divulgados amplamente na mídia e na Internet. A partir de então, são definidos relatórios de controle específicos, visando o gerenciamento de riscos e o aproveitamento de oportunidades sustentáveis de negócio.

 

Necessidade de reciclagem: fator ambiental

Com a necessidade de diminuição de resíduos sólidos, a reciclagem surge como uma grande alternativa para a mitigação e tratamento do legado gerado por centenas de anos de deposição de lixo no meio ambiente sem o devido tratamento, e principalmente devido ao amadorismo com que o assunto é gerenciado por parte de governos, indústrias e sociedade.

O Brasil é o quarto maior produtor mundial de plástico, e em contrapartida possui um índice de reciclagem de 1,28% (ou por volta de 10%, segundo artigo da Universidade Federal de Minas Gerais) contra uma média mundial de 9% nos principais países industrializados, como apontado por um estudo da WWF em março de 2019. Este mesmo estudo aponta o Brasil com o pior índice de reciclagem dentro do grupo dos BRICS.

Por outro lado, segundo a Abiplast, apoiada em pesquisa de 2019 da Maxiquim e encomendada pelo Picplast, o índice de reciclagem pós-consumo no Brasil foi de 24%, comparado a 22,1% em 2018. Essa discrepância aponta para a não consideração do volume não oficial de reciclagem. Coletores, cooperativas e recicladores não regulamentados são desprezados nas estatísticas internacionais.

Na prática, os dados apresentados pela pesquisa de 2019 são mais representativos e mais adequados, pois consideram também os segmentos mais visíveis, como por exemplo, o de embalagens (biscoitos, alimentos, garrafas e recipientes) e artigos de consumo em geral (filmes, chapas, mangueiras, utensílios domésticos, cápsulas, etc.).

Além disso, outros segmentos mais técnicos ainda permanecem invisíveis às estatísticas, tais como os industriais, da construção civil, automotivos, eletroeletrônicos, etc., indicando que mais estudos devam ser realizados para um melhor entendimento desse mercado.

 

Necessidade de reciclagem: fator mercadológico

O mercado de plástico reciclado no Brasil não possui incentivos relevantes por parte dos governos. A complexa estrutura tributária, por exemplo, hoje faz com que uma recicladora seja tratada como indústria de transformação, pagando os mesmos impostos sobre matéria-prima quanto se consumisse plástico virgem. Vale mencionar a inexistência de uma linha de crédito governamental para aquisição de maquinário para a mecanização da coleta, separação e processamento da matéria-prima. ´uma desvantagem quando se compara com os países da Europa e o maior país entre os BRICS, a China, que já possuem tecnologia avançada dedicada ao setor de reciclagem de plásticos.

Outro agravante são os custos de transporte: produtores de matéria-prima e cooperativas em geral possuem produção limitada e com baixo padrão de qualidade, o que acaba forçando as organizações a buscar matéria-prima em locais mais distantes e, quando se excede o limite estadual, a tributação pode ser ainda mais complexa.

Em consequência da baixa qualidade no padrão de fornecimento, gerado pela falta de uma certificação que garanta a qualidade exigida em seus processos de produção de plásticos reciclados, a indústria automotiva, uma das mais atuantes e exigentes do mercado nacional, acaba não tendo opção, a não ser especificar o plástico virgem para todos os seus projetos, inclusive para aqueles que poderiam utilizar plásticos reciclados, mais uma vez deixando de alimentar este importante elo da cadeia onde se encontra o conceito da economia circular.

A grande oportunidade de mercado está em alterar a percepção do plástico reciclado de “refugo” para “recurso”, até mesmo para diminuir os custos e ajudar nos constantes descontroles do mercado de plásticos virgens, sempre impactados pela instabilidade na produção dos intermediários petroquímicos, necessários à sua manufatura, causando constantes crises de falta de insumos e aumentos de custos junto ao setor.

 

A certificação

O projeto de certificação Senaplas para plástico reciclado na indústria automotiva foi desenvolvido para garantir a qualidade dos processos de coleta, segregação e reciclagem de autopeças plásticas de forma sustentável e economicamente viável, buscando conceitos de gestão e ferramentas atualizados e baseados em referência internacional, conforme explicados a seguir.

 

EuCertPlast

Principal referência do Senaplas, a EuCertPlast é uma certificação da Comunidade Europeia adotada pela maioria das empresas de reciclagem de plásticos europeias, cujo mercado é considerado padrão de excelência mundial nos quesitos de boas práticas e tecnologia para a reciclagem em geral.

Pode parecer algo longínquo para as empresas nacionais mas, do ponto de vista da reciclagem, 100% das empresas são elegíveis à admiração da sociedade, apenas por conta de seu negócio principal: estarem totalmente incluídas na economia circular.


Fig. 3 -Modelo de certificação do EuCertPlast (fonte: EuCertPlast, 2021)
 

É possível identificar variáveis no sistema de gestão e divulgação das ações da organização, como por exemplo, pelo entendimento de um problema social a resolver, que pode ser considerado seu propósito ou missão no que concerne à governança sustentável. Assim, é possível medir não somente o sucesso pelo retorno financeiro, mas também pela contribuição ao bem-estar geral no planeta.

No final das contas, uma empresa certificada pode ser considerada uma empresa que está do lado certo: do bem e da cura do planeta.
 

Conclusão

Tendo analisado os cenários local e internacional, faz-se entender que independentemente das ações e incentivos governamentais, a maneira mais rápida da indústria automotiva fomentar a reciclagem de resíduos plásticos é exigindo em seus projetos e de seus fornecedores a adoção de plástico reciclado certificado.

A grande oportunidade de mercado está em alterar a percepção do plástico reciclado de refugo para recurso na percepção dos principais stakeholders do setor automotivo.

O selo de certificação Senaplas Produto, criado em conjunto pela Abiplast e a Câmara Setorial de Plásticos Reciclados, com auditoria e certificação da Aceplas (acreditada pela EuCertPlast – Entidade Certificadora da União Europeia) e, em parceria com o Senai (laboratório independente), tornou possível a implantação deste projeto, que possui como pilares  conceitos da EuCertPlast, do marketing 4.0 (Kotler, Kartajaya e Setiawan), de projetos ágeis (PMI, 2017), da matriz de materialidade e da economia circular. Os objetivos macro da certificação Senaplas são a validação, a garantia da qualidade do produto final, com controles e processos auditados (gerando valor não apenas para o produto final, mas para a imagem da organização) e acesso às melhores práticas de gestão. Concomitantemente, a certificação busca promover a demanda por materiais reciclados, incentivando os recicladores a investir na produtividade de processamento e impactando o mercado em todos os níveis, com divulgação em âmbito nacional pela Abiplast.

 

Referências bibliográficas

  1. ABIPLAST. Selo SENAPLAS Produto. Disponível em: http://www.abiplast.org.br/senaplas/#. Acesso em: 15/fevereiro/2021.

  2. ABIPLAST. Estudo encomendado pelo Picplast mapeia a indústria de reciclagem do plástico no brasil. Disponível em: http://www.abiplast.org.br/noticias/estudo-encomendado-pelo-picplast-mapeia-a-industria-de-reciclagem-do-plastico-no-brasil/. Acesso em: 15/fevereiro/2021.

  3. ACEPLAS. Economia circular, 2021.

  4. CERTIFIED B CORPORATION. Disponível em: https://bcorporation.net/. Acesso em 14/fevereiro/2021.

  5. DESENVOLVIMENTO ÁGIL. Scrum. Disponível em: https://www.desenvolvimentoagil.com.br/scrum/. Acesso em: 14/fevereiro/2021.

  6. EUCERTPLAST. European Certification of Plastics Recycling. Disponível em: https://www.eucertplast.eu/. Acesso em: 15/fevereiro/2021.

  7. FUNDAÇÃO DOM CABRAL. Guia How-to Matriz de Materialidade. Núcleo de Sustentabilidade, 2016. Disponível em: https://www.fdc.org.br/conhecimento-site/nucleos-de-pesquisa-site/Materiais/guia_howto_matriz_materialidade.pdf. Acesso em: 16/fevereiro/2021.

  8. KOTLER, P; KARTAJAYA, H; SETIAWAN, I. Marketing 4.0. São Paulo: Sextante, 2017.

  9. MCDONOUGH, William; BRAUNGART, Michael. Cradle to Cradle: Remaking the way we make things. Edição 2 ed. Inglaterra: Vintage, 2008.

  10. PMI. Um guia do conhecimento em gerenciamento de projetos. Guia PMBOK® 7a. ed. EUA: Project Management Institute, 2017.
  11. SASB: Sustainability Accounting Standards Board. Materiality map. Disponível em: https://materiality.sasb.org/. Acesso em: 16/fevereiro/2021.
  12. The Global Impact Investing Ratings System. Disponível em: http://thenewmediagroup.co/the-global-impact-investing-ratings-system/. Acesso em: 15/fevereiro/2021.
  13. WWF-Brazil. Brasil é o 4º país do mundo que mais gera lixo. Disponível em: https://www.wwf.org.br/?70222/Brasil-e-o-4-pais-do-mundo-que-mais-gera-lixo-plastico. Acesso em: 15/fevereiro/2021.

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