A nanociência nasceu, cresceu e evoluiu muito nos últimos anos, aumentando sua importância na medida em que uma maior capacidade de manipulação e avaliação de nanoestruturas se desenvolveu. Nos anos 90, a descoberta de nano-compósitos poliméricos pelo grupo de pesquisa da Toyota (1) abriu uma nova dimensão no campo da ciência dos materiais, em particular, por meio do uso de nanomateriais na preparação de compósitos poliméricos, obtendo-se produtos com propriedades diferenciadas para novas aplicações na indústria automobilística e aeroespacial, assim como na construção civil e indústria de eletroeletrônicos.

Inicialmente, os estudos sobre nanocargas para polímeros se concentraram em nanocompósitos poliméricos com base em materiais em camadas (ou materiais 2D) de origem natural, como as argilas do tipo montmorillonita (2) . No entanto, a condutividade elétrica e térmica da argila e de minerais similares são bastante pobres (2-3) . Neste sentido, buscando superar essas deficiências, nanocargas à base de carbono, como grafite expandido, nanotubos de carbono (CNT’s) e, por último, os grafenos, foram introduzidos para a preparação de novos nanocompósitos poliméricos.

Os CNT’s provaram ser muito eficazes como cargas condutoras (de calor e eletricidade) e de reforço(4) , sendo que a única desvantagem deste material é o seu alto custo de produção. E é dentro desta lacuna que o grafeno se mostrou interessante, um material bidimensional (2D), com características químicas similares às do nanotubo, podendo ser obtido a partir de um material de baixo custo como o grafite, com a espessura de um átomo, densamente embalado em uma estrutura de carbono na forma de

Microscopia de um nanoflake de grafeno

favos de mel (5) . Considerado o “material mais fino do universo” com potencial interessante para diferentes aplicações (6) , o grafeno possui propriedades diferenciadas como:

 

Essas propriedades intrínsecas do grafeno resultaram em um enorme interesse na sua implementação em uma gama de diferentes produtos. As primeiras publicações e patentes apresentaram a utilização de grafenos em polímeros para produção de nanocompósitos com alta condutividade térmica (11)  e elétrica(12) , de filmes eletricamente condutores de carbono ultrafinos, circuitos eletrônicos, sensores e eletrodos flexíveis para telas (13), além de células solares(14) .

A velocidade para a inserção de produtos inovadores e com novas funcionalidades no mercado é um diferencial competitivo para muitas empresas. O cenário encontrado hoje no contexto do uso de grafenos em polímeros é:

Este estágio de desenvolvimento nos remete ao gráfico da figura 1, em que algumas ações se mostraram necessárias para superar as barreiras do que muitos chamam de “vale da morte da inovação”, em que ainda se faz necessário investimentos (horas/pesquisador) para “traduzir” os resultados obtidos na ciência e pesquisa aplicada para um ambiente industrial.

Uma condição importante para a “tradução” é tornar clara a relação entre as variáveis:

Fig. 1 - Evolução do fluxo de caixa (ganhos) em função de tempo para inserção de novas tecnologias no mercado

Dada a diferenciada gama de grafenos possível de ser obtida é necessário decidir, a partir da propriedade desejada, qual nanoestrutura será mais adequada. Para algumas aplicações como condutividade elétrica, o uso de flakes de grafeno reduzidos é importante. Já para outras, como reforço, grafenos oxidados e modificados podem ser mais interessantes.

Nos últimos anos uma enxurrada de informações tem aparecido em diferentes mídias sobre as aplicações dos grafenos em materiais poliméricos, porém, algumas questões devem ser consideradas sempre que formos trabalhar com materiais nanoestruturados. Deve-se ter claro qual a melhoria esperada na propriedade final do polímero com o uso do grafeno. Redução da impermeabilidade, por exemplo, é uma propriedade que precisa ser mais bem avaliada, na qual o grafeno apresenta boas chances de apresentar um bom desempenho; já condutividade térmica, como já visto em algumas aplicações sugeridas (11) , é uma propriedade em que bons resultados já foram obtidos.

Quando se avalia o uso do grafeno em escala industrial, um passo a passo lógico é o apresentado no esquema seguinte, em que se inicia com a definição da propriedade que se deseja (fase 1), da definição do polímero-base e composição (fase 2), a seguir avalia-se qual o tipo de grafeno mais adequado para a aplicação (fase 3), definem-se teores e processos que sejam tecnicamente viáveis (fase 4) e então são produzidas as amostras e avalia-se o desempenho do produto final (fase 5).

Iniciar o desenvolvimento de um novo produto a partir da fase 3 (seleção e definição do grafeno) poderá resultar em gastos indesejados de tempo e recursos. Um cuidado deve se ter em não criar expectativa não atendida com o uso de grafeno em polímeros, somando isso à questão de que para algumas propriedades na qual o grafeno se mostra interessante, já se encontram no mercado outras soluções com desempenho similar ou melhor. Propriedades como a melhora da processabilidade dos polímeros ou a redução do coeficiente de atrito com adição de grafeno também podem ser obtidas com produtos já bastante conhecidos no mercado.

A indústria de polímeros utiliza diferentes processos, os quais possuem como ponto comum o uso de altas taxas de cisalhamento, bastante útil para a dispersão de diferentes cargas e aditivos, e uma comdição importante quando se fala no uso de grafenos em polímeros. Entender qual o processo que será utilizado e os impactos deste na dispersão dos grafenos e na “escalabilidade industrial” é algo que precisa ser bem avaliado. Diferentes publicações (15-19) apresentam o uso de processos pouco comuns em escala industrial para a esfoliação e dispersão dos flakes de grafeno, como o uso de sondas de ultrassom e misturadores de alto cisalhamento, além de modificação química prévia dos grafenos, podendo se tornar uma barreira para a sua utilização em larga escala na indústria de polímeros. Algumas empresas já trabalham com os grafenos pré-dispersos em óleos e polímeros, uma solução tecnicamente viável, mas que ainda necessita de uma maior escalabilidade e detalhamento técnico.

O uso de grafeno como carga de reforço em polímeros também tem sido muito estudado, sendo que a obtenção das propriedades esperadas somente ocorrerá com uma adequada esfoliação e dispersão das camadas de grafeno na matriz polimérica, assim como com uma interação forte entre a superfície do grafeno e as macromoléculas do polímero. Esta última é uma das maiores responsáveis pela obtenção da propriedade de reforço dos grafenos (17, 18) e que ainda precisa ter sua micromecânica melhor compreendida.

Dentro do exposto, o cenário que se visualiza é de um momento de transição, não só em termos de tecnologia, mas principalmente de um mundo para outro, em que muda-se o foco: de adquirir e desvendar o conhecimento para focar no produto resultante, seu custo-benefício, escalabilidade, dentre outros. É o estágio em que estamos atualmente.

O trabalho conjunto entre academia, instituições de ciência e tecnologia (ICT’s) e as empresas, por meio de projetos de inovação como os da Embrapii, poderá dar mais agilidade, aumentando as chances para que o “vale da morte da inovação” seja superado sem grandes sustos.


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