1Instituto Federal de Minas Gerais - Campus Governador Valadares - Avenida Minas Gerais, 5189, Ouro Verde, Governador Valadares MG, CEP: 35.057-760

2Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Engenharia, Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha, Belo Horizonte MG, CEP: 31.270-901.

3Instituto Federal de Minas Gerais - Campus Ipatinga - Av. João Valentim Pascoal, s/nº, Centro, Ipatinga MG, CEP: 35160-002


O estudo do desgaste de superfícies em serviço de atrito remota de longa data, uma vez que evidências da preocupação dos povos e comunidades antigas são observadas nas grandes construções de milênios de anos, quando egípcios, sírios e babilônicos, por exemplo, executavam projetos audaciosos com grandes composições estruturais para fundamento, base e elementos de sustentação de palácios e templos suntuosos. O grande desafio dessa época era deslocar os grandes blocos de pedra e também as grandes esculturas e colunas pré-fabricadas em outras regiões para o local definitivo de execução da obra, além da força aplicada ser elevadíssima por causa do peso, também diretamente proporcional a esta, a força de atrito resultante do contato das superfícies dificultavam o transporte do material e o degradavam por desgaste rapidamente. As soluções encontradas são registradas e confirmadas cientificamente pelo desenvolvimento e aplicação de métodos de rolamento e de lubrificação entre as superfícies em contato, diminuindo o atrito e a força a ser aplicada para o deslocamento (Frene et al, 1977).

Um dos pioneiros nos estudos sobre o atrito foi Leonardo da Vinci (1459-1519), ele demonstrou que a força de atrito se relaciona diretamente à força normal à direção de deslizamento de corpos em contato e que ela independe da área de contato aparente entre estes corpos (Frene et al, 1977). Estas constatações remeteram a relevantes contribuições para o conhecimento dos fenômenos que envolvem atrito e desgaste. Da Vinci conseguiu distinguir o atrito de escorregamento do atrito por rolamento e investigou a influência do lubrificante na redução do atrito. Ele também estudou o atrito em mancais e sugeriu experimentos com uma liga de 30% de cobre e 70% de estanho para mancais planos, com o objetivo de reduzir o efeito do atrito a partir das propriedades mecânicas (físico-químicas) conhecidas destes elementos (Willians, 1994).

Em sequência ao trabalho iniciado por Da Vinci, Guilherme Amontons (1663-1705) comprovou experimentalmente aquilo que foi afirmado anteriormente por Da Vinci sobre a força de atrito e a sua relação com a força normal e a área aparente. Ele também constatou que o uso de gordura animal (lubrificante) entre as partes em contato deslizante, criava uma barreira que impedia o contato entre os corpos e reduzia significativamente o coeficiente de atrito entre as superfícies, independente dos materiais que estavam sendo utilizados (Frene et al, 1977).

Tomando por referência o segmento da mineração, no qual existe a maior concentração de máquinas e equipamentos utilizados em ambientes abrasivos, constata-se desgaste severo dos componentes (Stachowiak e Batchelor, 2002), e estima-se que o mecanismo de desgaste por abrasão corresponda a 50% das causas dos problemas apresentados pelas máquinas (Eyre, 1978). O desgaste abrasivo é um resultado indesejado e dependente dos processos nos quais ocorre, portanto, seu controle e minimização são essenciais e se fazem por meio da seleção adequada dos materiais, dos processos de fabricação dos componentes e das condições de serviço planejadas (Petrica, 2013). Os mecanismos de desgaste desencadeiam a degradação superficial e subsuperficial de um determinado material, comprometendo o seu desempenho.

Segundo Leite (2008), para se mitigar o fenômeno abrasivo, a deposição de revestimentos tem ampla utilização na mineração. Os revestimentos podem ser obtidos pela aplicação de placas antidesgaste montadas sobre a superfície preparada, ou pela aplicação de cordões de solda com metais de adição. Neste caso foi realizada a deposição de uma liga com maior resistência à abrasão em relação ao material do substrato, o que é muito comum em equipamentos de mineração. Esta deposição foi feita por meio do processo de soldagem GMAW (Gas Metal Arc Welding), quando um arco elétrico é estabelecido entre a peça e um consumível na forma de arame (ESAB MIG Welding Handbook, 2005).

Devido à elevação da temperatura durante o processo de soldagem para deposição do revestimento, e consequente taxa de resfriamento também elevada, uma zona termicamente afetada (ZTA) é formada na região imediatamente posterior à zona fundida (ZF) da peça, que se localiza abaixo do recobrimento (Modenesi, 2012).

Porém, apenas o revestimento de mancais de deslizamento plano não é suficiente para disponibilização das máquinas de manutenção ferroviárias para o serviço. Faz-se necessária a geração de uma superfície projetada para propiciar o desempenho desejado com baixo coeficiente de atrito e consequente menor taxa de desgaste do material.

Dentre os vários processos de usinagem existentes na indústria para este fim, o processo de fresamento destaca-se dos demais pela sua versatilidade e capacidade de execução de multitarefas em centros de usinagem cada vez mais avançados (Ferraresi, 1977, Machado et.al, 2009). Nos processos industriais, existe uma grande diversidade de tecnologias e métodos aplicados para obtenção de novos produtos, sendo estes controlados rigorosamente para entrada em uma nova etapa produtiva, ou destinados ao consumo final. A usinagem de metais é considerada o processo de fabricação mais difundido e aplicado na produção industrial (Trent e Wright, 2000).

Diante do exposto, este estudo tem por objetivo analisar a integridade superficial do material de revestimento dos mancais da referida máquina após ser submetido a um ensaio tribológico pino sobre disco. Foi utilizado um aço-liga MnSi depositado sobre um substrato de aço SAE 1020 e posteriormente fresado devido ao fato de que a superfície dos mancais da máquina de manutenção ferroviária conhecida por "socadora de lastro", apresenta um desgaste severo, sendo recorrente a necessidade de reparos seguindo o mesmo processo (revestimento e fresamento).

 

O coeficiente de atrito (µ)

Segundo Hutchings (1992), o coeficiente de atrito (µ) entre aços tem variação considerável, em função da composição química, da microestrutura e da carga. A composição química das superfícies em atrito influencia o µ devido as diferentes respostas elásticas e plásticas dos materiais sujeitos a diferentes carregamentos; a microestrutura é determinante quanto às propriedades mecânicas que envolvem as condições de desgaste do material; e a força de atrito (Fa) é diretamente proporcional à carga (W), conforme está descrito na 1ª lei de atrito de Coulomb pela Eq. (1).

 

 Fa = µ x W (1)

 

Em geral, o coeficiente de atrito é bem menor para ligas em comparação a metais puros. Na figura 1 observa-se o comportamento tribológico de aços em contato, ao ar e sem lubrificação. Verifica-se a variação do coeficiente de atrito em função da força normal para dois pares de diferentes aços, um par com 0,4% e outro com 0,3% de C (Hutchings, 1992). Neste trabalho existe uma condição de ensaio semelhante a esta representada, variando-se somente os materiais em contato.

Figura 1. Variação de coeficientes de atrito entre aços (adaptado de Hutchings, 1992).

 

Volume de material desgastado por unidade de distância percorrida (V/L)

A equação 2 - Equação de Desgaste de Archard - determina o volume do material desgastado pela unidade de distância percorrida no ensaio (Hutchings, 1992).

 

 (2)

 

onde:

V/L: volume de material desgastado por unidade de distância percorrida

K: coeficiente de desgaste específico do material

W: carga normal

H: dureza

 

Um ponto fundamental diz respeito ao fato de que o volume de material desgastado por unidade de distância percorrida depender somente da carga normal e da dureza ou da resistência à tração de uma superfície. Segundo Hutchings (1992) esta é a única relação dimensional correta e possível entre V/L, W e H; o volume desgastado por unidade de distância percorrida tem as dimensões da área e a quantidade W/H, e também representa a área de básica importância no processo de contato: a área real de contato para as asperezas totalmente plásticas. Portanto a constante K também pode ser interpretada como o raio entre as duas áreas.

A constante K é adimensional e sempre inferior à unidade, e é usualmente denominada coeficiente de desgaste. A razão entre o coeficiente de desgaste e a carga normal pode ser relacionada à massa perdida durante o contato entre as superfícies.

 

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

Os materiais selecionados para este estudo se referem ao par tribológico metal-metal entre mancais planos do equipamento de manutenção ferroviária, conhecido como "socadora de lastro". Os mancais em questão são de aço SAE 1020 revestidos com uma liga de MnSi de espessura aproximada de 5 mm, depositados por processo GMAW. Para os ensaios laboratoriais foram preparados corpos de prova reproduzindo os mesmos procedimentos e parâmetros adotados para a manufatura dos mancais.

Na tabela 1 observa-se a composição química do substrato de referência, e a composição do substrato adquirido para confecção dos CPs.

 

Tabela 1 - Composição química do substrato (% em massa) e dureza (HRB).

 

Substrato/Composição

Fe

C

Mn

Si

Dureza

Aço SAE1020 referência¹

-

0,18-0,23

0,3-0,6

<0,1

78,7

Aço SAE1020 utilizado²

-

0,14

0,85

0,21

65,5

Fonte de dados: ¹Catálogo de aços Gerdau, ²Certificado de Qualidade da composição (AçoLiver, 2016).

 

É possível observar na tabela 1 que o aço SAE 1020 utilizado como substrato tem composição química diferente do material de referência. O Mn aumenta a temperabilidade, estabiliza a austenita, reduz óxidos e evita a fragilização a quente ocasionada pela formação de sulfeto de ferro. O Si em maior quantidade no aço SAE 1020 utilizado em relação ao aço de referência, pode retardar ou mesmo suspender a formação de cementita e causar maior estabilidade da ferrita; entretanto, é possível que a diferença no teor de carbono seja o principal fator para a maior dureza do aço referência, que possui cerca de 0,06% em massa de carbono a mais em relação ao aço utilizado.

Na tabela 2 observa-se a composição química do revestimento de referência, e a composição do arame maciço utilizado no processo GMAW para revestimento.

 

Tabela 2 - Composição química do revestimento (% em massa) e dureza (HRB).

Revestimento/Composição

Fe

C

Mn

Si

Dureza

Material de referência¹

-

 

1,15

1,61

95

Arame MIG²

-

0,08

1,50

0,90

87

Fonte de dados: ¹Deposição realizada na empresa SuperMETAL em 2015,  ²Catálogo da ESAB (2008).

 

É possível observar na tabela 1 que o aço SAE 1020 utilizado como substrato tem composição química diferente do material de referência. O Mn aumenta a temperabilidade, estabiliza a austenita, reduz óxidos e evita a fragilização a quente ocasionada pela formação de sulfeto de ferro. O Si em maior quantidade no aço SAE 1020 utilizado em relação ao aço de referência, pode retardar ou mesmo suspender a formação de cementita e causar maior estabilidade da ferrita; entretanto, é possível que a diferença no teor de carbono seja o principal fator para a maior dureza do aço referência, que possui cerca de 0,06% em massa de carbono a mais em relação ao aço utilizado.

Na tabela 2 observa-se a composição química do revestimento de referência, e a composição do arame maciço utilizado no processo GMAW para revestimento.

 

Tabela 2 - Composição química do revestimento (% em massa) e dureza (HRB).

Revestimento/Composição

Fe

C

Mn

Si

Dureza

Material de referência¹

-

 

1,15

1,61

95

Arame MIG²

-

0,08

1,50

0,90

87

Fonte de dados: ¹Deposição realizada na empresa SuperMETAL em 2015,  ²Catálogo da ESAB (2008).

 

É possível observar na tabela 2 que o arame utilizado para o revestimento tem composição química diferente do material de referência (possui maior quantidade de Mn e menor quantidade de Si). O Mn na faixa de 1,2 a 1,6% aumenta ainda mais a temperabilidade, porém, estabiliza bastante a austenita; O silício por sua vez se dissolve na ferrita, atuando como elemento endurecedor e estabilizador. Assim, devido a este elemento apresentar maior quantidade no material de referência em relação ao arame, promoveu maior endurecimento.

Foram preparados corpos de provas que passaram pelos seguintes procedimentos de fabricação: deposição da baixa liga de MnSi pelo processo GMAW (executado pela empresa SuperMETAL, em Governador Valadares (MG), utilizando uma máquina ESAB semiautomatizada de soldagem MIG-Metal Inert Gas); fresamento frontal da superfície revestida utilizando um centro de usinagem Romi-Discovery 560; corte lateral por  eletroerosão a fio para confecção dos pares tribológicos utilizando uma máquina de eletroerosão a fio Eurostec modelo DMWG320TB; retificação, lixamento e polimento das amostras utilizando uma politriz semi-automática. Na figura 2 observa-se a sequência de operações para obtenção dos corpos de prova.

Figura 2 - (a) Revestimento, (b) fresamento frontal, (c) eletroerosão a fio, (d) pino e prisma retificado e polido.

 

A superfície do revestimento foi devidamente preparada para obtenção de uma rugosidade próxima das especificações de projeto da máquina. O parâmetro selecionado para as medições de rugosidade foi o desvio médio aritmético (Ra) cuja referência de projeto é de 0,20 μm +0,025. Foi utilizado para as medições um rugosímetro Mitutoyo Surftest-301.

 

O pino e o prisma foram usinados e lixados para manter uma rugosidade dentro da faixa especificada, obtendo assim após os procedimentos um desvio médio aritmético de Ra = 0,22 μm +0,020; o prisma e o pino foram fresados e depois cortados por eletroerosão a fio, sendo que o pino posteriormente foi retificado para obter uma ponta esférica e o prisma foi lixado por uma lixa com granulometria 220.

O perfil de dureza do material foi mapeado por meio do método Rockwell na escala B, utilizando um durômetro de bancada Digmess MRS-400.005 aplicando carga de 100 Kgf com um penetrador de esfera de aço de 1/16"; posteriormente foram realizados os ensaios tribológicos de pino sobre disco nas condições a seco e com o uso de lubrificante, variando-se a velocidade do ensaio (0,05 m/s e 0,2 m/s) e mantendo a carga normal fixa (2 N).

Na figura 3a observa-se o tribômetro Microtest-modelo MT, utilizado nos ensaios propostos de pino sobre disco realizados sob norma técnica ASTM G-99, para análise e estudo das forças de atrito e coeficientes de atrito entre as superfícies de contato. Para esta parte experimental do trabalho foram preparados corpos de prova (pino e prisma) para testes a seco com duas velocidades de deslizamento (0,05 m/s e 0,2 m/s), e teste com lubrificante utilizando uma graxa a base de sabão de lítio EP (recomendada pelo fabricante da máquina socadora de lastro). Na figura 3b observa-se a balança analítica Shimadzu AX200, com resolução de 0,001 g e faixa de operação de 0,01 a 200 g, utilizada para medição das massas dos corpos de prova antes e depois do ensaio de pino sobre disco com objetivo de verificar a perda de massa do material e calcular o volume desgastado por distância deslizada.

Figura 3. (a) Tribômetro Microtest MT e (b) balança analítica Marte AY220.

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A caracterização do perfil do revestimento sobre o substrato foi determinada com a preparação de uma amostra embutida, polida e sob ataque químico de Nital a 10%, com o objetivo de distinguir as regiões de revestimento, da zona fundida (ZF), da zona termicamente afetada (ZTA) e do substrato. As regiões de revestimento (aço baixa liga MnSi), ZF (zona fundida), ZTA (zona termicamente afetada) e o substrato (aço SAE 1020), foram bem distintas, após o ataque químico, como observa-se na figura 4a - em uma análise metalográfica inicial para caracterização da amostra -, que o revestimento possui regiões distintas da ZF e ZTA em função da composição química do arame de deposição, da temperatura de deposição e da velocidade de resfriamento. Na figura 4b observa-se a amostra preparada, embutida e submetida ao ataque químico de Nital a 10%.

Figura 4 - (a) Microscopia óptica das regiões do material com aumento de 50 x e (b) amostra embutida com ataque químico de NITAL a 10%.

 

 

Perfil de dureza do material

Foram realizadas medições de dureza ao longo de todo o perfil do corpo de prova, a partir do revestimento, passando pela ZF, pela ZTA e terminando no substrato. Os resultados obtidos, assim como as espessuras e características microscópicas de cada uma destas regiões podem ser observados na figura 5. A medição da dureza durante o ensaio segue uma tendência decrescente do revestimento (aço-liga MnSi) para o substrato (aço SAE 1020).

É possível notar uma elevação de dureza na região próxima à superfície do revestimento e também na interface entre a ZF e a ZTA. Isso ocorreu, possivelmente, devido à influência do encruamento oriundo do fresamento frontal realizado no revestimento e principalmente por serem maiores os efeitos do Mn e Si na superfície do revestimento, que resfriou mais rápido. Por outro lado, a ZF resfriou mais lentamente que o revestimento, e devido ao menor teor de Si, formou-se uma quantidade maior de ferrita. Por sua vez, a ZTA sofreu os efeitos de temperatura elevada e assim, experimentou um maior crescimento de grãos com grandes efeitos dos elementos de liga difundidos.

As quatro regiões em que o material foi dividido para análise e que podem ser observadas nas figuras 4 e 5, exibem características microscópicas distintas, sendo que o revestimento apresenta a composição química do arame utilizado para soldagem (maiores teores de Mn e Si) que, sob influência da temperatura alcançada durante a deposição e da velocidade em que ocorreu o resfriamento, resultou em dureza mais elevada.

Figura 5. Mapeamento da dureza Rockwell do corpo de prova.

 

 

Observa-se que a ZF comparada ao revestimento, possui grãos maiores em função do resfriamento mais lento e da maior quantidade de ferrita, desta forma possui dureza mais baixa. A ZTA foi a região de maior instabilidade nos valores de dureza, e isso aconteceu devido à presença de grãos ainda maiores (colunares), grãos refinados (coquilhados na extremidade) e de grãos comprimidos equiaxiais (comprimidos entre os colunares) Por fim, o substrato é o de um aço laminado típico e, por isso, os grãos são achatados devido ao fato de apresentar os menores valores de dureza, sugere-se que não houve a formação de bainita, austenita ou martensita e, desta forma, pode-se inferir que, provavelmente exista somente ferrita em maior proporção (grãos claros e maiores), e o constituinte perlita (ferrita e cementita), em menor proporção (grãos escuros e menores).

 

Influência do Lubrificante sobre o Desempenho Tribológico

Para avaliar a influência do lubrificante, os dois primeiros ensaios tribológicos foram realizados com uma carga normal de 2 N, velocidade de 0,05 m/s e tempo de teste de 27 min, sendo que o primeiro deles foi executado a seco, e o segundo ensaio foi conduzido com uso de lubrificante (graxa EP à base de sabão de lítio). Observa-se na figura 6 que a força de atrito (Fa), o coeficiente de atrito (µ) e o volume desgastado por distância deslizada (V/L) foram inferiores no ensaio realizado na presença de lubrificante.

Figura 6 - (a) Forças de atrito, (b) coeficientes de atrito e (c) volumes desgastados por distância deslizada para ensaios tribológicos a seco e com lubrificante.

 

Esses valores inferiores registrados no ensaio com lubrificante ocorreram devido à redução da tensão de cisalhamento superficial em relação a resistência ao cisalhamento interno do material. Analisando o gráfico do volume desgastado por distância de deslizamento na figura 6b é possível perceber que no ensaio a seco ocorreu desgaste tanto do pino quanto do disco, enquanto que no ensaio com lubrificante não houve desgaste no pino e foi medido aumento de massa no disco, justificado pela presença de um filme de lubrificante adsorvido na superfície, como pode ser observado pela coloração dourada do corpo de prova na figura 7c.

Figura 7 - Ensaio a seco: (a) pista do disco, (b) pino. Ensaio lubrificado: (c) pista do disco e (d) pino (ampliação de 15x).

 

As imagens do pino e do disco do ensaio a seco, observadas nas figura 7a e 7b, evidenciam a ocorrência de desgaste abrasivo, enquanto que as figuras 7c e 7d do ensaio com lubrificante sugerem a formação de uma pequena pista no disco e uma pequena marca no pino caracterizando ocorrência de deformação plástica (com mudança de forma, sem alteração de volume), portanto sem registro de perda de massa e consequentemente sem desgaste.

Na figura 8 observa-se o gráfico da série temporal da Fa dos ensaios à seco e sob lubrificação e na figura 9 observa-se o comportamento do coeficiente de atrito; Fa e µ são maiores no regime a seco. É possível perceber que a força e o coeficiente de atrito (Fa e µ, respectivamente) mantiveram-se estáveis durante o ensaio realizado sob lubrificação, enquanto no ensaio a seco houve uma elevação dos valores de Fa e de µ, na etapa inicial do ensaio. Este comportamento é justificado pela ocorrência do fenômeno do crescimento de junções que é mais evidente no ensaio sem a presença de lubrificante, devido à maior presença de deformação dos picos, o que gera um aumento na área real e, consequentemente, aumenta a Fa e o µ. Os gráficos se estabilizam pela limitação imposta ao crescimento de junções devido à ductilidade do material.

Também é notável a ocorrência do efeito adesão seguida de um deslizamento (stick-slip). Na fase da adesão (stick) a força de atrito e o coeficiente de atrito aumentam consideravelmente, porém na fase do deslizamento (slip) ocorre uma redução abrupta de ambos. A redução da amplitude do gráfico pode ser alcançada de duas maneiras, sendo a primeira por meio do aumento da rigidez do sistema, ou seja, do aumento do módulo de elasticidade.

A outra forma seria por meio da redução da diferença entre o coeficiente de atrito estático e o coeficiente de atrito cinemático, sendo este o que foi obtido com a adição de lubrificante. O teste lubrificado apresenta menor amplitude em relação ao teste a seco devido a presença do filme, que diminui o efeito de crescimento de junção pela redução da tensão de cisalhamento superficial.

Figura 8 - Série temporal para as forças de atrito (Fa) dos ensaios a seco e lubrificado

 

Figura 9 - Série temporal para os coeficientes de atrito (µ) dos ensaios a seco e lubrificado

 

Influência da Velocidade de Deslizamento sobre o Desempenho Tribológico

Foi realizado em seguida um ensaio a seco com velocidade quatro vezes mais alta, ou seja 0,2 m/s. Na figura 10 é possível perceber que tanto a força de atrito quanto o coeficiente de atrito aumentaram com o aumento da velocidade do ensaio, o que pode ser explicado pelo fato do aumento da velocidade de deslizamento causar a redução no tempo de exposição da superfície, o que reduz a formação de óxidos e também o poder lubrificante que os óxidos possuem.

Por sua vez, a ausência de desgaste no disco e a redução na taxa de desgaste do pino observadas quando há o aumento da velocidade do ensaio são justificadas pela formação de uma camada de filme transferida de volta do disco para o pino, e pela posterior perda desta camada formada. Durante o ensaio ocorre a perda de pequenas partículas do pino para o disco, partículas estas que são delaminadas e sofrem encruamento. Estas partículas retornam para o pino por formarem com o disco uma ligação com baixa resistência ao cisalhamento, sendo que voltam com maior dureza, devido ao encruamento que sofreram e, por isso, reduzem a perda de massa do pino.

Figura 10 - (a) Forças de atrito, (b) coeficientes de atrito e (c) volumes desgastados por distância deslizada sob velocidades de deslizamento de 0,05 e 0,20 m/s (testes a seco)

 

Embora o volume desgastado por distância deslizada tenha reduzido com o aumento da velocidade de deslizamento, houve uma transição da aparência de desgaste suave para desgaste severo, como pode ser observado na figura 11.

Figura 11 - (a) Pistas do disco dos ensaios a seco, (b) pino do ensaio sob 0,2 m/s e (c) pino do ensaio sob 0,05 m/s, (ampliação de 15 x)

 

Nas figuras 12 e 13 observa-se, respectivamente, os gráficos das séries temporais para as força e coeficiente de atrito nos testes a seco com velocidades de deslizamento de 0,05 e 0,20 m/s.

Figura 12 - Série temporal para força de atrito (Fa) nos ensaios a seco com velocidades de 0,05 e 0,20 m/s

 

Figura 13 - Série temporal para coeficientes de atrito (µ) nos ensaios a seco com velocidades de 0,05 e 0,20 m/s

 

Os gráficos temporais da força de atrito na figura 12 e do coeficiente de atrito na figura 13 exibem inicialmente uma elevação dos valores de força de atrito e do coeficiente de atrito, seguidas da estabilização destes valores. Assim como aconteceu no ensaio a seco sob velocidade de 0,05 m/s, o ensaio a seco sob velocidade de 0,20 m/s também apresentou a ocorrência do crescimento de junções, porém este mostrou uma tendência a se estabilizar após um tempo mais longo de ensaio.

O efeito stick-slip também ocorreu, e pode estar relacionado à redução da rigidez do sistema com o aumento da velocidade de deslizamento, ou seja, o aumento da velocidade de deslizamento provocou o aumento da temperatura local, o que proporcionou uma maior ductilidade ao material. Desta forma ele sofre uma maior deformação sob incidência de uma mesma tensão, e devido à redução da formação de óxidos com o aumento da velocidade de deslizamento, sugere-se uma maior adesão, e, consequentemente também proporciona maior elasticidade ao material. É perceptível uma menor diferença de amplitude entre os ensaios a seco sob velocidades de 0,05 e 0,20 m/s quando comparados aos ensaios a seco e com  lubrificação sob velocidade de deslizamento de 0,05 m/s.

 

CONCLUSÕES

Diante dos resultados apresentados, pode-se concluir que:

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Empresa SuperMETAL, Governador Valadares-MG, pelo apoio à realização deste projeto por meio do fornecimento de informações técnicas e da realização do revestimento do substrato; à Escola de Engenharia da UFMG, à UNIFEI-Campus Itabira, e ao IFMG-Campus Governador Valadares, por viabilizarem  a execução dos experimentos em seus laboratórios; e ao Sr. Ivo da Costa Silva, pela captação de imagens fotográficas dos corpos de prova.

 

REFERÊNCIAS

American Society For Testing And Materials, 2010. "ASTM G99: standard test method for wear testing with a pin-on-disk apparatus", West Conshohocken.

ESAB MIG Welding Handbook, 2005. "ESAB Welding & Cutting Products", Traduzido e adaptado por Cleber Fortes, Engenheiro Metalúrgico. ESAB, BR.

Eyre, T.S., 1978. "Wear Characteristic of Metals. Source Book on Wear Control Tecnology", ASM, Metals Park, Ohio.

Ferraresi, D., 1977. "Fundamentos da usinagem dos metais", 5 ed. São Paulo: Editora Blucher, 800p.

Frene, J., Nicolas, D., Degueurce, B., Berthe, D., Godet, M.; 1977. “Hydrodynamic Lubrication: Bearings and Thrust Bearings (Tribology series, 33)”,Elsevier Science, 1stedition.

Hutchings, I.M. "Tribology: Friction and wear of engineering materials", London: Holder  Headline Group, 1992, 271p.

Leite, R.V.M., 2008. "Estudo comparativo entre ligas resistentes ao desgaste abrasivo, aplicadas por soldagem. em chapas metálicas para fabricação de placas antidesgaste", Dissertação (Mestrado), Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG, Belo Horizonte.

Machado, A.R. Abrão, A.M.; Coelho, R.T.; Silva, M.B., 2009. "Teoria da usinagem dos materiais". Revisão técnica: Rosalvo Tiago Rufino. 1 ed. São Paulo: Editora Blucher, 371 p.

Modenesi, P.J.; Marques, P.V.; Santos, D.B., 2012. "Introdução à metalurgia da soldagem", Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais. Escola de Engenharia da UFMG. Belo Horizonte.

Petrica, M. et al., 2013. "Study of abrasive wear phenomena in dry and slurry 3-body condictions", Tribology International, 64-196-203.

Stachowiack, G.W.; Batchelor, A., 2002. "Engineering tribology", 3rd ed. London: Elsevier.

Trent, E.M., Wright, P.K., 2000. "Metal Cutting", 4rd Edition, Butteworths-Heinemann Ltda.

Willans, J.A., 1984. "Engineering Tribology". Oxford: oxford publications, 1984.


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