Devido à competição cada vez mais árdua entre corporações ou até mesmo entre plantas de uma mesma corporação em localidades diferentes, ter como objetivos a redução de custos, eliminação de desperdícios e otimização de ganhos tornou-se uma estratégia de sobrevivência nos negócios. A metodologia Seis Sigma (SS) pode ser uma ferramenta eficaz para se atingir esses objetivos[3,6].

Além de poder ser usada para reduzir a variação de processos, com foco na utilização de técnicas estatísticas, ela é utilizada como método de disciplina, já que os resultados atingidos tendem a ser mais robustos[11].

Fernandes e Marins[10] afirmam que o SS é um meio de maximizar os resultados corporativos, devido ao seu foco em processos, por meio da redução da variação de parâmetros que afetam diretamente a qualidade do produto. A queda de desperdícios é um dos resultados positivos derivados dessa ação.

A partir dessa afirmação, o objetivo geral deste trabalho foi demonstrar a aplicação do SS e seus benefícios com base em um estudo de caso dentro de uma fabricante de motores. Foram utilizadas todas as etapas DMAIC (do inglês define = definir, measure = medir, analyse = analisar, improve = melhorar e control = controlar) detalhadas e interligadas, como mostrado por Oliveira et al[12].

O objetivo teve como premissas:

Este trabalho se justifica devido à interligação sistêmica que o SS oferece. De acordo com Breyfogle[5], se uma corporação decide desmembrar um grande sistema com ligações complexas em vários subsistemas, a melhoria ou maximização de resultados de cada componente não resultará na otimização do sistema total. Um exemplo

disso é que a otimização de um sistema de custos de compras escolhendo componentes mais baratos pode gerar um grande impacto nos custos de fabricação, com um possível aumento na taxa de defeitos.

De Mast e Bisgaard[8] sugerem que as organizações necessitam utilizar a metodologia SS de uma forma que impeça a melhoria de subsistemas em detrimento do complexo como um todo. Um desmembramento eficaz do SS sugere um caminho para a compilação e transformação de dados estatísticos em conhecimento, em direção a novas oportunidades de transformar corporações comuns em corporações que aprendam constantemente.

Revisão

Seis Sigma

Seis Sigma é uma metodologia ou programa com foco na melhoria do índice de capacidade real do processo (ICRP) pelo uso de técnicas estatísticas que visam identificar a variação de processo, para posterior redução ou eliminação[14].

Segundo Vasconcellos et al[17], SS tem um significado ligado à estatística em função do desvio-padrão. Equivale a dizer que um processo possui uma pequena variação, na qual se alocam seis desvios-padrão de cada lado da média do processo entre os limites de especificação. O SS tem um índice de medição de desempenho adimensional, denominado Cpk, cujo índice deve ser maior ou igual a 1,33. Isso significa uma taxa de 3,4 falhas para um milhão de atividades ou oportunidades.

DMAIC

O SS utiliza diversas abordagens de estudo para acompanhamento e solução de um determinado problema. O ciclo utilizado neste trabalho foi o acrônimo DMAIC[15].

Cada letra da sigla é definida por uma fase e possui uma gama de ferramentas que devem ser usadas e analisadas de forma e direcionar o trabalho a um sistema interligado por passos que se completam formando o projeto SS.

 

Metodologia Seis Sigma

 

Figura 1 – Localização dos furos dos mancais do eixo comando

 

Tolerância de forma e posição

De acordo com Albertin et al[1], a tolerância de forma e posição (conhecida pela sigla inglesa GD&T, de geometrical dimensioning and tolerancing) é suportada por normas como ASME (American Society of Mechanical Engineers) e ISO (International Organization for Standardization).

Ela é utilizada principalmente quando o produto ou peça a ser dimensionado necessita de requisitos de montagem e alinhamento que não possibilitam a representação no modelo cartesiano. Possui linguagem padronizada, que considera a utilização de símbolos específi cos para representação gráfica[18].

Materiais e métodos

O trabalho em questão mostra a integração das etapas e ferramentas DMAIC por meio de um projeto que utiliza a metodologia SS. Foi aplicado diretamente aos problemas e ações que impactaram as operações e negócios da empresa estudada. Problemas semelhantes em qualquer outra corporação devem ser tratados em trabalhos posteriores.

O processo estudado neste trabalho foi a usinagem em desbaste dos mancais do eixo comando de um bloco de cilindros de motor movido a óleo diesel, realizada em um grande fabricante de motores.

A abordagem analítica deu-se mediante a necessidade dos man-

Metodologia Seis Sigma

 

Figura 2 – Mandriladora convencional e bloco preso ao dispositivo de fixação (no detalhe, as ferramentas anteriormente utilizadas)

 

cais do eixo comando terem uma tolerância GD&T para posição verdadeira dentro de 0,8 mm. Para que todo o processo de acabamento ocorra sem haver necessidade de ultrapassar os limites de tolerância exigidos para as operações de acabamento, o processo precisa ser estatisticamente capaz, ou seja, ter o seu ICRP (Cpk) maior ou igual a 1,33.

A figura 1 (pág. 58) mostra a localização dos furos dos mancais usinados (cam hole) para se ter melhor visualização do processo estudado e qual característica a ser trabalhada no SS – no caso, a verdadeira posição desses mancais (TP).

O processo era executado em uma mandriladora convencional especial da marca FNM, conforme a figura 2.

A usinagem dos mancais era executada por uma cabeça de mandrilar dotada de pastilhas de metal duro soldado. O detalhe da figura 2 mostra essa ferramenta de usinagem adaptada a uma barra extensora utilizando sistema de mancal com embuchamento flutuante, para guia e estabilidade do corte.

O trabalho foi conduzido respeitando o fluxo de utilização de ferramentas e ações DMAIC. A fase define desse projeto SS já foi abordada pela identifi cação do problema (baixo ICRP na usinagem em desbaste do mancal de eixo comando) e seu impacto financeiro (exibido ao final do trabalho), planejamento da coleta de dados e desenvolvimento da agenda de projeto (tracker).

A fase measure obteve a visão geral do processo por meio de seu mapeamento, para uma visualização macro e detalhada, o que gerou uma lista utilizada na elaboração e pontuação da matriz de causa e efeito (C&E Matrix).

Os itens de maior impacto da matriz de causa e efeito tiveram maior pontuação como um fator de intervenção no ICRP. Eles são apresentados a seguir, de acordo com a ordem de maior interferência:

 

Ainda na fase measure, foi utilizada uma ferramenta de análise técnica, denominada análise de árvore de problemas ou análise da árvore de falhas (FTA, do inglês fault tree analysis)[13]. Para o estudo do processo em questão, esta etapa substituiu a FMEA.

A análise da árvore de falhas gerou as ações a serem adotadas, como:

 

 

Em virtude do uso de uma máquina de medição por coordenadas (CMM), não houve necessidade de executar a análise do sistema de medição (MSA), uma vez que já era utilizado um sistema controlado numericamente para a execução das atividades.

Na terceira fase da metodologia DMAIC do SS, a analyse, foi executado o estudo de ICRP inicial, estudo de multivariáveis e a definição do plano de ação de melhorias.

 

Metodologia Seis Sigma

 

Figura 3 – Estudo de ICRP inicial

 

O estudo de multivariáveis foi descartado para este processo porque as variáveis operacionais no processo em estudo já tinham um número restrito[4]. As únicas variáveis disponíveis eram o turno de produção (variável de operador) e o tipo de medição, que se dividia em medição de processo (cotidiana), medição de try-out (nova ferramenta e embuchamento) e medição de auditoria.

Para o estudo de ICRP, utilizou-se o software Minitab versão 16. O estudo de ICRP inicial está representado pela figura 3. Nela, é possível identificar um processo extremamente instável e incapaz, com índice de ICRP (Cpk) de 0,01, o que revelou necessidade urgente de ações de melhoria drásticas para o processo estudado. O estudo é estatisticamente válido, pois o p-value apresentado é maior que 0.05, o que caracteriza dados como normalmente distribuídos [16].

Mediante análise técnica e estatística das ferramentas até então utilizadas (matriz de causa e efeito e FTA), era necessário juntar e alinhar os dados coletados, para definição das ações de melhoria[13].

As ações dispostas para este projeto foram definidas como segue:

 

 

Metodologia Seis Sigma

Figura 4 – Sistema de ferramenta com absorção de vibração

 

Análise dos resultados

 

As fases improve e control do SS são de implementação definitiva de melhorias e avaliação dos resultados obtidos[2]. Para este trabalho, devido a não necessidade de análises e interpolações experimentais via fator único ou DOE, a fase improve compreendeu diretamente a confirmação e implementação das melhorias definidas na etapa measure.

A figura 4 mostra o esquema de ferramenta com sistema de absorção de vibração implantado ao longo do seu corpo, que foi patenteado pela fabricante. O sistema é composto por duas pastilhas classe ISO P25 (1), cabeçote de mandrilamento (2), corpo antivibratório (3), prolongador (4), adaptador de cone (5) e cone de fixação (6).

A máquina utilizada para agregar a operação foi o centro de usinagem horizontal modelo MCH-280, da marca Heller, dotado de CNC Siemens 840D. Este CNC utiliza linguagem de programação baseada na norma ISO 6983, conhecida como linguagem G.

Foi realizado o try-out da operação e verificou-se que o tempo acrescido na operação (4 minutos) não foi suficiente para atingir o gargalo de usinagem da linha (12,5 minutos), já que a operação anterior sem a implementação da nova ferramenta utilizava 8,5 minutos para a execução completa.

Após a usinagem, todas as peças foram medidas no CMM tipo portal da marca Zeiss, modelo Accura.

A última fase, control, determina a eficácia do projeto SS executada dentro do processo. Nesta fase, é realizada a atualização do plano de controle de medição específico da operação contemplando todas as alterações feitas no projeto SS, além de treinamento do pessoal envolvido diretamente com o processo trabalhado.

As duas últimas etapas dessa fase são o estudo de ICRP final, que

 

irá determinar a eficácia de todo o projeto SS em termos de qualidade, e a revisão da pontuação no NPR do FMEA de processo[13].

Semelhante ao que foi mostrado por Estorilio et al [9], o estudo de ICRP final mostrou que o processo alcançou um índice excelente, com valor de Cpk de 2,55, como mostrado na figura 5 (pág. 66). O resultado demonstra que toda a cadeia de ferramentas englobada pelo SS atingiu o objetivo principal, de manter o nível de ICRP maior ou igual a 1,33. Como já citado, o estudo é estatisticamente válido devido seu p-value ser maior que 0.05. O efeito satisfatório ocorreu em razão das ações tomadas com o sistema de ferramentas de corte em uma máquina que permite o uso dessa tecnologia.

Como todo resultado corporativo, o SS também deve apresentar retorno financeiro decorrente da melhoria, como comprovado também por Silva et al[7]. A quantidade de horas paradas do equipamento cujo obsoletismo foi comprovado por este projeto registra média de 5 horas mensais, devido a problemas de quebra. Em uma linha de usinagem, todas as operações posteriores à quebra da máquina são afetadas. E o valor residual a ser pago em função de horas extras para compensar as perdas produtivas e atender o cliente é muito alto. A tabela 1 (pág. 64) mostra o cálculo desse desperdício, que é evitado com a implantação do projeto SS na operação.

Conclusões

O trabalho proposto mostrou um estudo de caso em um fabricante de motores, com uma abordagem que aplica diretamente na linha produtiva as ferramentas técnico-estatísticas que compõem a metodologia Seis Sigma para solução de problemas. Os resultados obtidos foram plenamente satisfatórios do ponto de vista qualitativo (Cpk = 2,55 > 1,33) e financeiro (economia de gastos em torno de R$ 150.000,00, como mostrado na tabela 1).

Vale ressaltar também a importância da resolução do problema com base no DMAIC SS, que permitiu de forma estruturada e sequencial entender o problema e estabelecer o foco nas causas detectadas. Foi feita uma análise do estado em que se encontra o processo (as... is...) antes de qualquer intervenção. Também foi possível analisar os dados obtidos, detectar, definir e implementar ações de melhoria, além de validar os resultados juntamente com o controle do processo no novo estado incorporado à metodologia SS.

O Seis Sigma pode e deve ser encarado como um forte aliado à competitividade corporativa, diferentemente de outras ferramentas e metodologias que direcionam os ganhos em pontos específicos dentro da empresa. Como consequência, há redução de variabilidade de processos e ganhos financeiros com o incremento dos resultados locais.

Metodologia Seis Sigma

Referências

 

  1. Albertin, M. R.; Soares Júnior, L.; Silva, J. B. A.: Uma proposta para garantia da qualidade metrológica em peças de geometria complexa. Revista Gestão da Produção, Operações e Sistemas, ano 6, no 3, p. 147-168, 2011.

  2. Antony, J.; Bhuller, A. S.; Kumar, M.; Mendibil, K.; Montgomery, D. C.: Application of Six Sigma DMAIC methodology in a transactional environment. International Journal of Quality & Reliability Management, v. 29, no 1, p. 31-53, 2012.

  3. Batalha, G. F.: Design for X – Design for excellence. Open Access Library, v. 6 (12), p.1-116. Acesso em <www.openaccesslibrary.com> ISSN 2083-5191 – ISBN, acessado em 05/07/2012.

  4. Bezerra, F. G.; Canato, G. R.; Wang, S. H.: Estudo estatístico da influência das condições experimentais no rendimento da reação e na viscosidade intrínseca dos copolímeros triblocos polilactídeo-B-poli (etileno glicol)-B-polilactídeo. VIII Congresso Brasileiro de Polímeros, Águas de Lindoia, Brasil, 2005.

  5. Breyfogle III, F.: 21 Common problems (and what to do about them). ASQ Six Sigma Forum Magazine, v. 4, no 4, p. 35, 2005.

  6. Da Silva, I. B.; Batalha, G. F.; Stipkovik Filho, M.; Ceccarelli, F. Z.; Anjos, J. B.; Fezs, M.: Integrated product; process system with continuous improvement in the auto parts industry. Journal of Achievements in Materials and Manufacturing Engineering, v. 34, p. 204-210, 2009.

  7. Da Silva, I. B.; Miyake, D.I.; Batocchio, A.; Agostinho, O.L.: Integrando a promoção das metodologias Lean Manufacturing e Six Sigma na busca de produtividade e qualidade numa empresa fabricante de autopeças. Revista Gestão & Produção, v. 18, no, p. 687-704, 2011.

  8. De Mast, J.; Bisgaard, S.: The science in Six Sigma. Quality Progress Magazine, v. 40, no 1, p. 25, 2007.

  9. Estorilio, C.; Simião, M. C.; Schonoski, C. L.; Lara, M. C.: Estudo de redução de custo de fabricação e montagem em um motor a diesel com o auxílio do DFMA. Revista Produto & Produção, v. 9, no 3, p. 05-14, 2008.

  10. Fernandes, S. T.; Marins, F. A. S.: Aplicação do Lean Six Sigma na logística de transporte. Revista Produção Online, v. 12, n o 2, Florianópolis, Brasil, p. 297-327, 2012.

  11. Montgomery, D. C.: A modern framework for achievement enterprise excellence. International Journal of Lean Six Sigma, v. 1, p. 56-65, 2010.

  12. Oliveira, F. B.; Cardoso, A. A.; Chaves, C. A.; Correa, V. A.; Camargo, J. R.: Aplicação da metodologia Seis Sigma na redução de defeitos na face de válvulas de admissão e escape. Revista Ciências Exatas, v. 16, n o 2, p. 24-30, 2010.

  13. Oliveira, U. R.; Paiva, E. J.; Almeida, D. A.: Metodologia integrada para mapeamento de falhas: uma proposta de utilização conjunta do mapeamento de processos com as técnicas FTA, FMEA e a análise crítica de especialistas. Revista Produção, v. 20, no 1, p. 77-91, 2010.

  14. Pande, P. S.; Neuman, R. P.; Cavanagh, R. R.: Estratégia Seis Sigma: como a GE, a Motorola e outras grandes empresas estão aguçando seu desempenho. Ed. Qualitymark, Rio de Janeiro, Brasil, 2002.

  15. Quintas, T. F. S.: Otimização do processo de gestão de moldes e ferramentas. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Porto, Portugal, 2011.

  16. Robinson, M. D.; Smyth, G. K.: Small sample estimation of negative binomial dispersion, with applications to SAGE Data. Biostatistics, v. 9, p. 321-332, 2008.

  17. Vasconcellos, L. H. R., Cattini Jr, O.; Chap, C. R.: A aplicação da metodologia Seis Sigma em serviços: um estudo de caso de uma instituição financeira. Simpósio de Administração da Produção, Logística e Operações Internacionais, v. 9, São Paulo, Brasil, 2006.

  18. Wandeck, M.; Sousa, A. R.: Análise funcional e metrológica dos princípios de Taylor e da independência na especificação e controle geométrico de produtos. I CIMMEC – Congresso Internacional de Metrologia, ID 12, Rio de Janeiro, Brasil, 2008.

 


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