Já foi comprovada a eficiência da soldagem bilateral a laser para a confecção de uniões entre a fuselagem externa e as longarinas feitas de ligas de alumínio em estruturas aeronáuticas (1-3). Esse processo permite a confecção de cordões de solda a laser simétricos isentos de defeitos (1- 4). Estudos desenvolvidos sobre a sua viabilidade tiveram como objetivo verificar até que ponto poderiam ser confeccionadas uniões na fuselagem externa-clipe entre ligas de alumínio AA6156-T4/AA6013-T6 e AA2139-T3/AA6013-T6, por meio de juntas de topo em forma de “T”, utilizando soldagem unilateral com laser de Nd:YAG operando em onda contínua. O processo de soldagem unilateral a laser constituiu um dos temas tratados dentro do projeto “Wel-Air” (Desenvolvimento de Conceitos de Soldagem a Curta Distância para Estruturas Aeronáuticas) patrocinado pela União Europeia (11). O objetivo de utilizar clipes (na direção vertical em relação às longarinas sobre peças feitas de chapas a serem fixadas sobre a área da fuselagem externa) é permitir que elas sejam montadas sobre seus anéis de reforço. As ligas de alumínio da família AA6XXX como, por exemplo, AA6156-T4 e 2 AA-6013-T6, estudadas neste trabalho, são classificadas como soldáveis (1-5).

A soldabilidade limitada da liga AA2024 levou ao desenvolvimento da liga de alumínio AA2139 (2) , a qual igualmente foi aplicada no estudo aqui descrito. O objetivo deste trabalho foi adequar o processo de soldagem unilateral a laser para unir as ligas específicas estudadas aqui no caso da geometria de juntas de topo em forma de “T” e avaliar a qualidade das uniões obtidas. A partir dessa investigação foram definidos critérios para a melhoria da qualidade, uma vez que ensaios preliminares mostraram que as juntas de topo em forma de “T” apresentaram acentuada porosidade. O uso da soldagem unilateral a laser para a confecção de juntas de topo em forma de “T” oferece sobretudo a possibilidade de unir componentes de difícil acesso em decorrência de suas condições geométricas de contorno.

Isso ocorre quando é necessário posicionar os clipes entre longarinas dispostas na direção longitudinal da fuselagem. Portanto, as uniões de fuselagem externa-clipe se caracterizam por apresentar cordões de solda curtos, cujos respectivos pontos de penetração da soldagem encontram-se no interior da estrutura da fuselagem submetida a solicitações mecânicas.

 Dessa forma, esses pontos afetam a transição geométrica entre a fuselagem externa e o clipe, podendo exercer efeito de entalhe. A partir daí deve-se considerar uma particularidade adicional: o aporte de calor decorrente da soldagem unilateral a laser e a distribuição de temperaturas

dela decorrente não são simétricos como ocorre no caso da soldagem bilateral a laser (6).

Fig 1 – (a) Configurações dos ensaios efetuados sobre a confecção de juntas de topo em forma de “T” pelo processo de soldagem a laser de Nd:YAG e (b) variações de soldagem

Fig. 2 – Resultados da investigação sobre as juntas de topo em forma de “T” confeccionadas por soldagem a laser de Nd:YAG: (a) curva de Wöhler; (b) nucleação da trinca no ponto final; e (c) seção paralela (mostrando macroporos e uma trinca no ponto final).

ponto inicial (A) e um ponto final (E); dois pontos iniciais (A1, A2) e um ponto final (E), e também dois pontos finais (E1, E2) e um ponto inicial (A). Tais variantes são mostradas na figura 1(b) (pág.33).

A variação das direções de soldagem e na preparação das superfícies de união foram propostas para avaliar as suas influências sobre a qualidade dos cordões confeccionados pela soldagem a laser. Por trás da variação da direção de soldagem está a consideração de que, sob condições reais de produção, o acesso à configuração fuselagem externa-clipe é difícil devido às limitações geométricas estabelecidas pelas longarinas já soldadas na região da fuselagem externa e pelos componentes ópticos do sistema de laser. As juntas

Fig. 3 – Imagens positivas obtidas a partir de filmes radiográficos: (a) macroporos na junta soldada confeccionada sob ângulo de incidência do laser igual a 25°; e (b) efeito da diminuição desse ângulo para 11° sobre a qualidade da junta soldada.

de topo em forma de “T” foram analisadas de forma não destrutiva, por meio de radiografias conforme a norma DIN EN ISO 17636-1, e também pela análise metalográfica, usando-se corpos de prova polidos extraídos nas direções longitudinal e paralela. A caracterização das juntas de topo em forma de “T” foi completada por ensaios de microdureza, fadiga e tração. Posteriormente, foram efetuadas medições de temperatura durante a confecção das juntas de topo em forma de “T” por meio de soldagem unilateral a laser para determinar a distribuição local dos valores máximos de temperatura.

Resultados e discussão

As juntas de topo em forma de “T”, confeccionadas de acordo com os parâmetros de processo da solda

Fig. 4 – Seções longitudinais ao longo de juntas de topo em forma de “T” confeccionadas por soldagem a laser de Nd:YAG (os macroporos encontram-se arranjados sobre o lado da raiz na região da fuselagem externa); variantes de direção: (a) E2-A-E1, (b) A2-E-A1.

gem a laser mostrados na tabela 1 (pág. 33), caracterizaram-se por apresentar cordão de solda com formato assimétrico. Além disso, elas apresentaram uma onda que ocupou parcialmente o seu lado posterior. A soldagem unilateral a laser, além de efetuar penetração plena na junta de topo em “T”, também penetrou na região da fuselagem externa, atingindo a profundidade máxima de 1 até 2,5 mm (figura 2(c), pág. 34). Os ensaios radiográficos revelaram que todas as juntas de topo em forma de “T” confeccionadas pela soldagem a laser apresentaram um alto nível de porosidade (figura 3(a), pág. 34). Os macroporos estavam distribuídos ao longo de todo o comprimento do cordão de solda. As imagens panorâmicas obtidas por meio de microscopia óptica, presentes na figura 4, indicam, por exemplo, no caso das juntas de topo em forma de “T” com três pontos de penetração, que esses macroporos ocorreram mais frequentemente no lado da raiz. A variante de direção com dois pontos finais (E1 e E2) e um ponto inicial (A) mostrouse desfavorável, uma vez que não ocorreu sobreposição no centro do cordão obtido sob tal condição (fi

 

gura 4(a), pág. 36). Há uma razão fundamental para essa ocorrência: não foi possível posicionar o feixe de laser de forma exata. Por outro lado, a variante de direção com dois pontos iniciais (A1 e A2) e um ponto final (E) proporcionou penetração plena ao longo da direção longitudinal (figura 4(b), pág. 36).

Os pontos de penetração nas respectivas extremidades dos clipes de uma união de topo em forma de “T” constituem uma transição geométrica entre a fuselagem externa e o clipe e, portanto, exercem efeito de entalhe, podendo dar origem a trincas. As figuras 2(a) e (b) (pág. 34) confirmam essa hipótese, pois mostram que ocorreu a formação de uma trinca de fadiga na zona termicamente afetada entre a fuselagem externa solicitada mecanicamente e o clipe isento de cargas, em decorrência da concentração de tensões.

Durante a fase de propagação a trinca permaneceu primeiramente na zona termicamente afetada, propagando-se posteriormente, de forma quase perpendicular, pelo cordão de solda no metal-base da fuselagem externa.

Deve-se registrar aqui que não foram constatadas trincas originadas pelos poros. A figura 2(a) (pág.34) apresenta um diagrama de Wöhler.

Pode-se constatar que as diferenças entre as correspondentes variantes de uniões de topo em forma de “T” mostraram-se insignificantes. A falha por fratura não foi causada pelas variações do material e da direção de soldagem mostradas na figura 1(b) (pág. 33), mas sim devido ao efeito de entalhe na região de transição entre o clipe e a fuselagem externa.

Foram realizados ensaios de tração em juntas de topo confeccionadas pelo processo de soldagem a laser em liga AA6156-T4 como metal-base e em juntas de topo em forma de “T” entre a fuselagem externa feita com liga AA6156-T4 e o clipe de liga AA6013-T6, com um ponto de início e outro final. Nas juntas de topo em forma de “T” o material da fuselagem externa foi solicitado mecanicamente até a ocorrência de fratura na direção transversal à junta soldada a laser.

Os resultados determinados pelos ensaios estão listados na tabela 2 (pág. 37). A eficiência mecânica das juntas de topo, definida aqui pela razão entre os limites de escoamento ou de resistência da zona de união e do metal-base (Rp0.2(FZ) / Rp0.2(GW) ou Rm(FZ)/ Rm(GW)), situou-se em torno de 91% ou 89%, estando relacionada com a perda de resistência mecânica decorrente da solubilização local dos precipitados e da resultante diminuição do endurecimento por precipitação (7,8). O alongamento total da junta de topo, da ordem de 5%, foi significativamente menor em relação ao observado para o metal-base, sendo decorrente das concentrações de deformações no e junto ao cordão confeccionado pela soldagem a laser (9). Ou seja, a deformação global se restringe ao longo de uma curta região do corpo de prova correspondente à largura da zona termicamente afe-

Fig. 5 – Distribuição local dos valores máximos de temperatura sobre os lados de exposição ao laser e posterior, bem como sobre o clipe. Fuselagem externa feita com liga AA6156-T4, espessura de 6 mm; clipe feito com liga AA6013-T6, espessura de 2 mm.

tada e da junta soldada a laser. Isso faz com que o comprimento global do corpo de prova, igual a 50 mm, apresente baixo alongamento total, embora a junta soldada a laser propriamente dita se caracterize por apresentar boa ductilidade (9). Em comparação com a junta de topo, as uniões de topo em forma de “T” apresentam maiores valores de limite de escoamento e de resistência, o que decorre do efeito de reforço promovido pelo clipe. A fratura ocorreu principalmente ao longo da linha de fusão.

As causas que levaram à formação de porosidades não puderam ser esclarecidas pelas análises metalográficas. Contudo, a origem delas foi indicada pelas medições de temperatura. A representação gráfica dos valores máximos de temperatura na posição do termopar mostrou claramente que eles são menores no lado posterior da união de topo em forma de “T” do que no lado da incidência do feixe de laser e no clipe (figura 5(a)). Esse fato está associado a uma queda local dos valores de dureza, a qual foi maior no lado da incidência do laser do que no lado posterior da junta. Dessa forma, foi constatada uma correlação local entre a microdureza e a temperatura máxima. Durante a soldagem unilateral a laser o clipe atuou como uma “armadilha fria” (ou seja, dissipando calor de forma mais intensa), provavelmente fazendo com que a poça de fusão no lado da raiz se solidificasse mais rapidamente que no lado da incidência do laser nas regiões do clipe e da fuselagem externa. Assim, os gases contidos no lado da raiz da poça de fusão não conseguem sair completamente do metal líquido, uma vez que a velocidade de solidificação nesse local foi maior que a velocidade de saída desses gases. Consequentemente, os gases residuais ainda presentes no final da solidificação ficaram aprisionados na forma de macroporos. O desenvolvimento da porosidade também está associado à alta condutividade térmica das ligas de alumínio. Estudos comparativos envolvendo a confecção de juntas de topo em forma de “T” em ligas de alumínio AA2128-T3 e AA2196-T8 pela soldagem simultânea bilateral a laser (4) mostraram que elas se apresentaram quase isentas de porosidades. Esse processo específico de soldagem manteve iguais as temperaturas em ambos os lados da junta (6). A partir daí, pode-se concluir que uma variação do ângulo de incidência do feixe de laser, desde 25° até valores menores, leva à formação da abertura de buraco de fechadura (keyhole) sobre o lado da raiz, promovendo a elevação da temperatura. As radiografias apresentadas na figura 3 (pág. 34) aparentemente confirmam esse mecanismo. Elas mostram que a diminuição do ângulo de incidência do feixe de laser desde 25o até 11° levou a uma significativa redução do nível de porosidade. A preparação das superfícies da junta de topo conforme a variante 2 mostrou-se suficientemente adequada (tabela 1, pág. 33).

Conclusões

O uso de soldagem unilateral a laser de Nd:YAG para a confecção de juntas em forma de “T”, entre ligas de alumínio A A6156-T4 e AA2139-T3 como materiais para fuselagem externa e AA6013-T6 como material do clipe, adotando os parâmetros especificados na tabela 1, levou à formação de alto número de macroporos na junta soldada, independentemente do tipo de material utilizado, da variante de direção de soldagem e do procedimento adotado para a preparação das superfícies a serem unidas. Os pontos de soldagem nas extremidades correspondentes do clipe atuaram como entalhes. Isso favoreceu a nucleação de trincas na região da fuselagem externa submetida a tensões mecânicas. A redução da dureza e a maior heterogeneidade estrutural nas regiões do cordão de solda e da zona termicamente afetada levaram a falhas por fratura quando o material da fuselagem externa foi submetido a tensões de tração quase estáticas na direção transversal à junta soldada. Foi possível obter uma significativa redução do nível de porosidade por meio da diminuição do ângulo de incidência do feixe de laser de 25° para 11°. Dessa forma, foi demonstrado que a soldagem unilateral a laser é um método adequado para a confecção de juntas em forma de “T” em locais de difícil acesso, complementando os processos já consagrados.

Referências

1) Tao, W.; et al. Double-sized fiber laser beam welding process, of T-joints for aluminum aircraft fuselage panels: Filler wire melting behavior, process stability, and their effects on porosity defects. Optics & Laser Technology 52. 2013. p. 1-9.

2) Dittrich, D.; et al. Laser beam welding of hard to weld Al alloys for a regional aircraft fuselage design – First results. Physics Proceedia 12. 2011. p. 6-10.

3) Pacchione, M.; Telgkamp, J. Telgkamp: Challenges of the metallic Fuselage. 25. Int. Congress of the Aeronautical Sciences. ICAS 2006. p. 1-12.

4) Enz, J.; et. al. Prozessoptimierung für das Laserstrahlsschweiβen von hochfesten Aluminium-LithiumLegierungen. Schw. Schn. 64. 2012. v. 8. p. 482-485

5) Lenczowski, B. New lightweight alloys for welded aircraft structure. ICAS 2002. p. 401.1/401.4.

6) Siva Shanmugam, N.; et al. A transient finite element simulation of the temperature and bead profiles of T-joint laser welds. Materials and Design 31. 2010. p. 4528-4542.

7) Çam, G.; et al. Characterization of laser and electron beam welded Al alloys. Practical Metallography 37. 2000. 2. p. 59-89.

8) Ma, T.; G. den Ouden. Softening behavior of Al-Zn-Mg alloys due to welding. Materials Science and Engineering. A266. 1999. p. 198-204.

9) Vaidya, W. V.; et al. Mechanical behavior of laser beam and friction stir welded aluminium alloys for airframes. Welding in the World. 48. 2004. p. 261-273.

10) Machold, W.; et. al. Influence of the welding sequence on residual stresses in laser welded T-joints of an airframe aluminum alloy. Material Science Forum 571-572. 2008. p. 375-580.

11) N. N. Development of short distance welding concepts for airframes. EU Projekt. Disponível em: <http://ec.europa.eu/research/transport/projects/items/wel_air_en.htm.>.


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