Otimização do fresamento de canais para a fabricação de mancais de deslizamento


Este trabalho tem por objetivo demonstrar a otimização do fresamento de canais com elevadas profundidades, necessários na fabricação de mancais de deslizamento com anel de lubrificação por uma empresa nacional de grande porte. Com a substituição da fresa utilizada por uma com menor ângulo de posição, os resultados apontaram maior estabilidade do processo, permitindo um aumento de mais de cinco vezes no avanço por aresta e três vezes na profundidade axial de corte. Isso resultou em uma redução do tempo de 87% e também dos custos diretos e indiretos do processo.


M. Dias Jr., L. M. S. Dias, J. A. Montalvão e A. F. Souza

Data: 16/05/2017

Edição: MM Março 2017 - Ano - 53 No 614

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Figura 1 – Esquema de seção de corte para os ângulos de posição da ferramenta (χr) 90°; 45° e 15°

A Geometria que compõe a aresta cortante da ferramenta com grande influência no desempenho da usinagem dos materias uma vez que sua performance de corte em relação à vida, qualidade superficial e ao custo/benefício, pode ficar comprometida[4,5]. Baseando-se na literatura, as fresas de 90° (χr) induzem a altas componentes radiais, o que é agravado pelo grande comprimento de balanço da fresa. Este fato pode não ser benéfico ao processo.

Segundo Diniz, Marcondes e Coppini[2], quanto menor for o ângulo de posição, menor espessura de corte terá o cavaco distribuído sobre um comprimento maior da aresta de corte. A carga sobre a aresta será menor, pois a mesma força será aplicada em um comprimento maior. Porém, quanto menor o ângulo de posição, menor é a profundidade de usinagem que a pastilha é capaz de cortar. Além disso, apesar de uma carga menor sobre a aresta, a pressão específi ca de corte (Ks) será maior para menores ângulos de posição, pois a espessura de corte (h) é menor.

Na usinagem com fresas de ângulo de posição com 90°(χr), a força radial de corte (Fr) é significantemente maior que a axial (Fa), pois a espessura de cavaco (h) tem a mesma proporção de fz em seu valor máximo (indo de 0 ao valor máximo e depois voltando a 0), quando a fresa trabalha com a abertura de rasgo em seu diâmetro total (profundidade de corte radial total, ae = Ø). Podemos evidenciar a afirmação na equação 1[2] h = fz . sen χr

Figura 2 – Desenho do inserto esférico do mancal: perspectiva da metade superior (a); vista lateral com o canal do anel de lubrificação com largura de 58 mm e comprimento de 264,5 mm (b)

Sendo assim, quanto menor for o ângulo de posição (χ r) fornecido pela fresa, menor será a espessura de cavaco (h) distribuída sobre o comprimento da aresta cortante (b), fazendo com que a carga aplicada seja menor em um comprimento (b) maior de aresta[2]. Um desenho esquemático com a redução da espessura de corte (h), proporcional à redução do ângulo de posição (χr) para uma mesma profundidade de corte axial (ap) está na figura 1 (pág. 36). De acordo com Oliveira e Di

De acordo com Oliveira e Diniz[7], no fresamento frontal, as ferramentas não são muito rígidas no sentido radial, uma vez que só o corpo resiste à deflexão. No entanto, a ferramenta é bastante rígida no sentido axial, direção na qual a fixação da ferramenta e o cabeçote da máquina tem maior resistência a compressão causada pela componente da força.

Na fabricação de mancais de deslizamento com anel de lubrificação, há a necessidade de usinagem profunda de canais. Trata-se do processo mais demorado dentre as operações de usinagem desta peça. Na empresa que colaborou com este trabalho, a fabricação de um modelo destes canais empregava aproximadamente 16 horas. Este fato deve-se à necessidade de empregar ferramentas com elevados comprimentos de balanço, fazendo com que a ap também fosse pequena para evitar vibrações da ferramenta.

A usinagem dos canais do inserto do mancal tratava-se de um processo bastante instável, no qual muitas vezes ocorria quebra das arestas de corte da ferramenta, redução ainda maior sobre os parâmetros de corte e uma constante vigília por parte dos operadores no processo de usinagem, com a parada da máquina que ficava subjugada a ruídos, para verifi cação da peça, ferramenta e fixação de todo o conjunto. Segundo Feng e Menq[3], para evitar altos tempos de usinagem e altos custos, deve-se evitar a excessiva deflexão da ferramenta ou trinca das arestas cortantes.

De acordo com Moradi et al[6], a vibração no processo de usinagem prejudica a qualidade superficial e dimensional da peça, além de reduzir a vida da ferramenta. Na empresa, utilizavam uma fresa com ângulo de posição (χr) de 90° com pastilha intercambiável de metal duro de 50 mm de diâmetro e quatro arestas cortantes (z = 4). Neste estudo, a ferramenta de corte foi substituída por uma fresa de pequeno ângulo de posição ( χ r entre 5° a 15°) com pastilha intercambiável de metal duro de 52 mm de diâmetro e três arestas cortantes (z = 3), com o objetivo de otimizar o processo de fresamento do canal do inserto esférico do mancal de deslizamento.

Procedimento experimental

Figura 3 – Esquema da composição de Fr na influência da deflexão da ferramenta em relação ao comprimento de balanço χr = 90° (a) e χr = 15° (b)

A peça em estudo é um inserto bipartido do mancal de deslizamento, como ilustra a figura 2. A parte superior, já vem com um canal fundido com largura inicial de 31,9 mm e comprimento de 221,2 mm. Para a abertura do canal nas dimensões e tolerâncias especificadas, é realizado o fresamento radial e tangencial para que a peça alcance as medidas finais de 58 mm de largura e 264,5 mm de comprimento.

A ferramenta convencionalmente utilizada no processo da empresa era uma fresa de (χr) 90° com pastilha intercambiável de metal duro de 50 mm de diâmetro e quatro arestas de corte, com comprimento de balanço de 270 mm. Nestas condições, evidenciava-se que a fresa de 90° (χr) causava severas vibrações no processo de usinagem. Estas vibrações eram notadas pelas marcas grosseiras na superfície usinada, pelo alto ruído atípico em um processo de usinagem estável, além constantes trincas ou quebras das arestas cortantes da ferramenta. Neste processo de usinagem empregado pela empresa despendia-se 16 horas de usinagem (dois turnos), consumindo quatro arestas da pastilha de metal duro de cada unidade fixada no cabeçote da fresa.

Esses fenômenos podem ser explicados devido à grande carga radial que é imposta sobre a aresta cortante da ferramenta, pois o comprimento de balanço na qual a fresa é imposta (aproximadamente 270 mm), induz a maiores deflexões no conjunto de fixação da ferramenta (figura 3a). Isto leva à utilização de uma pequena profundidade axial de corte (ap = 0,5 mm) e baixo avanço por aresta (fz = 0,19 mm), para que a vibração não comprometa a qualidade superficial e dimensional do canal da peça e nem ocorra qualquer tipo de falha da ferramenta, peça ou fixação de ambas. Oposto um estudo empregando uma fresa com pequeno ângulo de posição (χ r entre 5° a 15°, de acordo com o ap), pois a menor espessura do cavaco gerada pelo menor χr impõe uma menor carga radial sobre um maior comprimento de aresta cortante. No entanto, com um pequeno χr, tem-se uma alta componente axial sobre a aresta da ferramenta, assim minimizando a vibração, pois, segundo Diniz, Marcondes e Coppini[2], a direção axial no eixo dos centros de usinagem é bastante rígida.

Figura 4 – Força radial por força axial, em relação ao ângulo de posição: Fr x Fa para fresa χr 90°(a) e fresa χr 15°(b)

A escolha por um menor número de arestas cortantes da fresa proposta (de quatro para três) foi realizada com o intuito de obter uma menor potência consumida, em relação a uma fresa de menor χr com quatro arestas cortantes, conforme afirmado por Diniz, Marcondes e Coppini[2] A figura 3 apresenta a geometria das fresas utilizadas (figura 3a com fresa de χr 90° utilizada na indústria e 3b com a fresa investigada de χr significativamente menor, conhecida por high speed).

As fresas de alto avanço (figura 4b, pág. 39), por possuírem um pequeno ângulo de posição, geram uma alta componente axial da força de usinagem (Fa) em relação a força radial (Fr), diferente de uma fresa com ângulo de posição de 90° (figura 4a). Essa característica proporciona a opor tunidade de trabalhar com altas taxas de avanço, reduzindo o tempo de usinagem consideravelmente quando se utilizam essas ferramentas.

O ferro fundido DIN 1693, GGG40, é o material empregado para a fabricação da peça. Os estudos foram conduzidos em um centro de usinagem CNC horizontal de três eixos.

Resultados e discussões

Os resultados iniciais apresentam detalhadamente o processo de fabricação utilizado inicialmente na empresa, como apresenta a tabela 1 (pág. 38).

Baseado em catálogos de fornecedores, foi investigada a possibilidade de otimização dos parâmetros de corte com a nova opção de ferramenta de corte, como apresenta a tabela 2.

A alta componente axial da força, proporcionada pelo baixo (χr) da ferramenta proposta, propiciou maior estabilidade, dificultando a deflexão do conjunto de fixação da fresa (figura 3b). Isso ocorreu porque a força resultante contra o eixo do centro de usinagem minimizou a vibração da ferramenta, permitindo o aumento de fz cerca de cinco vezes e ap três vezes maior aos valores anteriores, o que diminuiu o tempo de usinagem dos canais da peça de 16 horas para 1 hora e 47 minutos, uma redução de aproximadamente 89%.

Esse aumento impactou no tempo de fabricação do canal da peça, juntamente com o aumento da profundidade axial de corte de 0,5 mm da ferramenta anterior para 1,5 mm, da ferramenta atual. Isso reduziu o processo de abertura do canal para um total 107 minutos, já incluindo o acabamento com a fresa anterior de diâmetro de 50 mm, pois é necessário no final do canal um perfil de 90°. Uma redução cerca de 89% do tempo anterior para a fabricação dos canais laterais do inserto esférico do mancal.

A tabela 3 mostra os resultados de vida de cada ferramenta e volume de cavaco removido pela ferramenta anterior e pela atual na empresa. Com a ferramenta anterior utilizada pela empresa, tinha-se quatro trocas realizadas das arestas cortantes antes da completa usinagem dos canais laterais. Já com a substituição pela ferramenta atual, as arestas cortantes da nova ferramenta, realizaram a completa usinagem dos canais, sem alcançar o desgaste total das mesmas.

Com a redução do tempo de fabricação do canal da peça, obteve-se menores custos de usinagem com hora-máquina, o que proporcionou maior disponibilidade do equipamento e economia em relação ao processo com utilização da ferramenta anterior. Com a substituição da fer ramenta, obteve-se também economia com vida útil desta, conforme pode-se comparar na tabela 4.

O custo em hora-máquina para fabricar apenas uma peça com os canais laterais ficava em R$ 2.720,00. A empresa fabrica cerca de 30 mancais desse modelo por mês, o que leva a um valor de R$ 81.600,00 por mês. Já em valores anuais temos a quantia de quase um milhão de reais (R$ 979.200,00). Com a aquisição da nova ferramenta, o custo em hora-máquina para a mesma operação de usinagem em uma peça, passou para R$ 303,17, levando para um valor anual de R$ 109.140,00; uma redução de aproximadamente 89% do valor em hora-máquina. Essa mudança proporcionou uma economia de R$ 870.060,00 no ano.

A tabela 5 demonstra os custos com vida das ferramentas e o custo de aquisição do cabeçote da fresa da nova ferramenta, juntamente com o preço por aresta de corte e a economia alcançada com a substituição do χr da ferramenta.

Como pode ser observado, a classe utilizada da pastilha de metal duro para a nova ferramenta foi uma equivalente ISO K25, mais tenaz que a K15 utilizada anteriormente pela empresa, já que a taxa de avanço por aresta é mais de cinco vezes superior à taxa da ferramenta anterior. Essa atitude foi tomada para que não ocorresse uma falha por trinca ou quebra das arestas cortantes, o que acarretaria em um ciclo prematuro de vida da ferramenta.

Figura 5 – Custos referentes à troca da aresta de corte para um tempo de cinco minutos, na realização dos canais laterais para uma peça

O valor do cabeçote da nova ferramenta não entrou como custo, por se tratar de um investimento, já que este valor é compensado logo na fabricação dos canais da primeira peça usinada com a nova ferramenta, conforme tabela 4. A empresa alcançou uma economia de R$ 72.000,00 com o lote anual da peça, com a substituição da fresa de χr 90° pela fresa de alto avanço.

A figura 5 mostra os custos de troca da aresta cortante em um tempo de cinco minutos para substituição das arestas desgastadas por novas, para usinagem com a aber tura lateral dos canais em uma única peça.

A hora-máquina do equipamento da empresa é de R$ 170,00. Considerando o tempo de troca das arestas desgastadas juntamente com o da parada do centro de usinagem CNC, da retirada das pastilhas desgastadas, limpeza dos alojamentos no cabeçote da fresa, fixação de novas arestas na fresa e retomada da operação durante a usinagem dos canais, temos um tempo total de aproximadamente 5 minutos (tempo mensurado em ambiente fabril), valor de R$ 14,17 com máquina parada. Na usinagem dos canais com a fresa anterior, era realizada quatro vezes a troca das arestas para uma única peça, chegando ao valor de R$ 56,67, somente com tempo de máquina parada.

Figura 6 – Custos anuais referentes à troca da aresta de corte para um tempo de cinco minutos, na realização dos canais laterais das peças

Com a inserção da nova fresa de alto avanço, conseguiu-se, além de aumentar o fz cerca de cinco vezes, também aumentar três vezes a profundidade de corte – de 0,5 para 1,5 mm –, o que proporcionou maior utilização econômica da vida das arestas cortantes da fresa, já que segundo Diniz[2], Machado[5] e Coppini[1] , a profundidade de usinagem e o avanço devem ser os maiores que o processo permite, já que suas influências sobre a vida da ferramenta são insignificantes perto da velocidade de corte, sendo economicamente viável utilizar o maior ap possível. A figura 6 (pág. 42) mostra os custos anuais de troca da aresta cortante em um tempo de cinco min. para substituição das arestas desgastadas durante o processo.

Pode-se observar que, com a utilização da fresa atual de 52 mm de diâmetro de alto avanço, a empresa conseguiu reduzir seus custos com parada de máquina para substituição de arestas desgastadas de R$ 20.400,00 para R$ 5.100,00 – uma redução de 75% –, alcançando uma economia anual de R$ 15.300,00. A figura 7 (pág. 43) demonstra os custos anuais com hora-máquina, vida de ferramenta e troca de aresta de corte.

A adoção da nova ferramenta pela empresa reduziu o custo total com hora-máquina, vida de ferramenta e troca de aresta de corte de R$ 1.100.400,00 para R$ 143.040,00, uma redução de aproximadamente 87%, levando a empresa a economizar uma quantia de R$ 957.360,00. Além da economia total financeira alcançada pela empresa, destaca-se também a maior disponibilidade da máquina empregando a ferramenta estudada, de acordo com a figura 8 (pág. 43).

Figura 7 – Custo total do processo englobando: hora-máquina, vida de ferramenta e troca de aresta de corte na produção do lote anual dos canais laterais do inserto esférico do mancal

Figura 8 – Total de horas requeridas no lote anual de fabricação dos canais laterais dos insertos esféricos do mancal

Obser va-se que a empresa alcançou uma disponibilidade de seu equipamento de 5.208 horas, tempo que poderia ser utilizado para aumentar a produção dos insertos esféricos do mancal, de acordo com a demanda, ou mesmo para usinar outras peças, uma vez que esse ganho pode representar uma posição estratégica ante ao mercado competitivo. A diferença alcançada foi aproximadamente 88% menor em relação ao tempo que era gasto para a mesma operação.

Conclusão

Após a substituição da fresa de χ r 90° com pastilha intercam biável de metal duro de 50 mm de diâmetro e quatro arestas de corte pela fresa de χ r 5° a 15° com pastilha intercambiável de metal duro de 52 mm de diâmetro e três arestas de corte, foram alcançadas as seguintes contribuições:

Referências

  1. Coppini, N. L.: Usinagem enxuta Gestão do processo. Ed. Artliber, 134 p., São Paulo, 2015.
  2. Diniz, A. E.; Marcondes, F. C.; Coppini, N. L.: Tecnologia da usinagem dos metais. Artliber, 6a ed., 262 p., São Paulo, 2008.
  3. Feng, H.; Menq, C.: The prediction of cutting forces in the ball-end milling process – I. Model formulation and model building procedure. International Journal of Machine Tools and Manufacture, v. 34, no 5, p. 697-710, 1994.
  4. Luchesi, V. M.; Coelho, R. T.: An inverse method to estimate the moving heat source in machining process. Applied Thermal Engineering, 2012.
  5. Machado, Á. R.; Coelho, R. T.; Abrão, A. M.; Silva, B.: Teoria da usinagem dos materiais. São Paulo: Editora Blucher, 371 p., 2009.
  6. Moradi, H.; Vossoughi, G.; Movahhedy, M. R.; Ahmadian, M. T.: Forced vibration analysis of the milling process with structural nonlinearity, internal resonance, tool wear and process damping effects. International Journal of Non-Linear Mechanics, v. 54, p. 2234.
  7. Oliveira, A. J.; Diniz, A. E.: Tool life and tool wear in the semi-finish milling of inclined surfaces. Journal of Materials Processing Technology, v. 209, no 14, p. 5.448-5.455, 2009.