Aços livres de chumbo e com boa usinabilidade


Com a entrada em vigor da diretriz 2005/572/EG da União Europeia, as empresas que usam tornos com múltiplos fusos viram à frente um problema: a limitação do teor de chumbo no aço, elemento que atua no sentido de promover a quebra dos cavacos. Pesquisadores da Universidade Técnica de Dortmund mostraram que um aço modificado isento de chumbo apresenta formação de cavacos bem semelhante à verificada nos materiais contendo esse elemento.


D. Biermann e M. Metzger

Data: 20/12/2016

Edição: MM Dezembro 2016 - Ano - 52 No 611

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Figura 1 – Ambiente de trabalho com o torno Monfort RNC 200A, no qual foram realizados os ensaios de usinagem usando uma variante de aço C45 contendo chumbo e duas isentas desse elemento (Fonte: ISF)

A manufatura industrial dos componentes requeridos pela área automotiva pede alta produtividade e processos confiáveis. Muitas vezes, os componentes precisam ser usinados e, para garantir a consistência e a produtividade dessas operações, é necessário que os materiais utilizados apresentem boa usinabilidade.

Em numerosos casos é necessário recorrer a aços cuja composição inclui, por exemplo, chumbo, enxofre ou fósforo, com o objetivo de melhorar as características de quebra do cavaco. O emprego de chumbo é particularmente problede mático, liga é uma prejudicial vez que à esse saúde. elemento

No âmbito europeu, a diretriz EU 2005/673EG, com o objetivo de proteger o meio ambiente limi de proteger o meio ambiente, limitou o teor máximo de chumbo nos aços em 0,1% em peso. Contudo, esse dispositivo definiu exceções, como um teor máximo de chumbo de 0,35% se o aço for destinado a operações de usinagem[1].

Chumbo para a quebra do cavaco

Quando o chumbo é incorporado ao aço, o processo de usinagem é favorecido pela formação de cavacos curtos em virtude de sua fácil quebra. Além disso, o chumbo atua como um filme protetivo sobre a ferramenta, elevando sua resistência ao desgaste[4,5].

Tudo isso favorece a automatização dos processos produtivos. A presença de chumbo permite altas velocidades de corte e proporciona longas vidas úteis às ferramentas possibilitando, além disso, a obtenção de superfícies usinadas apresentando tolerâncias estreitas e melhor qualidade[2].

Um grande número de componentes é fabricado em tornos automáticos com múltiplos fusos em função das quantidades requeridas. Quanto maior for esse número, maior a necessidade de uma sequência de fabricação confiável. A formação do cavaco possui um papel elementar nesse sentido. A supressão do chumbo como elemento de liga influencia fortemente a confiabilidade da sequência de manufatura.

Figura 2 – Algumas das condições de contorno experimentais mais importantes nos ensaios de usinagem efetuados neste trabalho (Fonte: ISF)

Portanto, o objetivo do projeto de pesquisa Otimização da Usinagem de Aços de Alta Resistência para a Industria Automotiva (P989), desenvolvido pela Associação de Pesquisa sobre Aplicações de Aços (Fosta), usando recursos da Fundação para Aplicação de Aços, foi identificar rotas alternativas para fabricação de aços para beneficiamento isentos de chumbo com formação modificada de cavacos. Esta pesquisa teve o apoio de parceiros como a Arcelor Mittal e a Edelstahlzieherei Mark.

As investigações experimentais desenvolvidas pelo Instituto para Fabricação por Usinagem da Universidade Técnica de Dortmund (ISF) foram executadas com três modificações do aço C45: versão original desse material contendo 0,3% de chumbo (C45Pb); liga similar sem chumbo (C45) e versão modificada contendo elementos alternativos para melhoria da usinabilidade (C45mod). Para atender aos requisitos cada vez mais severos dos componentes e aos cálculos relativos às suas solicitações, esta última variante foi concebida de forma a apresentar valor 20% superior de dureza básica.

Elementos que melhoram a usinabilidade

As condições de contorno experimentais globais foram mantidas sempre constantes para que ficasse bem evidente a influência dos elementos de liga. Os ensaios foram efetuados no ISF usando-se um torno CNC, modelo RNC 200A, fabricado pela A. Monforts Werkzeugmaschinen (figura 1, pág. 14), usando refrigeração/ lubrificação por jorro com uma emulsão de 6 a 7%.

Figura 3 – Resumo das solicitações mecânicas medidas durante os ensaios (Fonte: ISF)

De forma similar ao observado no processo em série industrial, foram usadas ferramentas fabricadas pela Sandvik Tooling Deutschland, modelo VNMG 160408. A figura 2 mostra informações detalhadas sobre as ferramentas e valores dos parâmetros do processo de corte.

A força de usinagem F fornece indicações sobre a resistência mecânica a ser vencida para possibilitar o processo de usinagem de um material. Para caracterizar as diferenças entre as várias solicitações mecânicas atuantes sobre a ferramenta, a força de usinagem F foi medida nas três direções espaciais usando-se um dinamômetro. Essas três direções espaciais correspondem à força de corte Fc, à força de avanço F f e à força passiva Fp, conforme mostrado na parte direita inferior da fi gura 3 (pág. 15).

Essa figura mostra que as solicitações mecânicas apresentaram evolução constante sob tempos crescentes de operação para todas as modifi cações do aço C45 aqui estudadas. Embora a variante C45mod tenha apresentado dureza básica máxima, suas solicitações mecânicas em todas as três direções apresentaram nível comparável ao das demais ligas estudadas.

Em função do maior valor de dureza básica, era presumível que surgissem solicitações de corte mais elevadas devido ao emprego de elementos de liga visando a melhoria da usinabilidade. A supressão do chumbo que se faz necessária e a resultante adequação dos elementos de liga levaram a níveis comparáveis de solicitações mecânicas durante o torneamento cilíndrico externo.

Figura 4 – Representação detalhada da formação do cavaco (Fonte: ISF)

Em decorrência das solicitações mecânicas e térmicas associadas ao corte, sob tempos mais longos de operação, ocorreu um desgaste progressivo da ferramenta. Esse desgaste exerceu influência significativa sobre a confiabilidade do processo, constituindo dessa forma um importante indicador para a vida útil da ferramenta.

Além disso, a resistência ao desgaste da ferramenta exerce influência significativa sobre a precisão dimensional dos componentes produzidos e a correspondente qualidade superficial, as quais precisam ser respeitadas de forma incondicional para se identificar as variantes adequadas do aço C45 isento de chumbo.

Neste caso específico de aplicação, a evolução do desgaste foi caracterizada pela largura das marcas produzidas por ele sobre os flancos maior e menor da ferramenta, bem como pela formação de entalhes na transição entre as arestas de corte principal e secundária. Para se registrar a evolução do desgaste nas ferramentas utilizadas, foram feitas análises por microscopia óptica a intervalos regulares de tempo para se efetuar a medição da largura das marcas de desgaste.

Alta resistência ao desgaste apesar da maior dureza básica

Figura 5 – Detalhe dos quadrosusando registro em vídeoobtidos por microscopia a alta velocidade (Fonte: ISF)

As ferramentas utilizadas apresentaram evoluções comparáveis de desgaste após um tempo de operação th igual a 18 minutos. Somente no caso da usinagem da variante C45b observou-se, na transição entre as arestas de corte principal e secundária, uma formação ligeiramente mais acentuada de entalhe. A análise das larguras das marcas de desgaste revelou evolução estacionária do desgaste. Isso deixou claro a alta resistência ao desgaste do revestimento de TiCN-Al2O3-TiN usado em associação com o substrato de metal duro escolhido para este caso.

Não foi constatada a influência de valores crescentes de dureza básica sobre as ferramentas utilizadas, o que indicou a importância da seleção adequada do conjunto de elementos de liga. Uma quebra incompleta dos cavacos pode afetar negativamente a confiabilidade do processo e, dessa forma, a qualidade obtida na superfície da peça.

Em particular, ao se usar tornos automáticos com múltiplos tínuos se enroscarem no outro fuso, levando a falhas inoportunas no equipamento. Portanto, é imperativo que ocorra fratura controlada dos cavacos para se ter um processo de manufatura eficiente com pouco tempo perdido em função de eventuais falhas.

A curvatura do cavaco faz a diferença

A influência dos diferentes elementos de liga que melhoram a usinabilidade é particularmente sentida na formação dos cavacos quando se utilizam tipos idênticos de pastilha de corte indexada, conforme mostrado na figura 4 (pag. 16) . O aço C45 isento de chumbo apresentou formação clássica de cavaco helicoidal, o qual se rompe após um dado comprimento em função da elevada massa que está sendo deslocada, seguindo-se, então, a formação de novo cavaco helicoidal.

Já durante a usinagem do C45 contendo chumbo ocorre a formação de cavacos helicoidais muito curtos, os quais contribuem bastante para se ter um processo confi ável. A razão para este comportamento é a presença de chumbo na liga, pois este se concentra nos contornos de grão e promove a fratura do cavaco sob as altas temperaturas reinantes durante a usinagem[3].

Por sua vez, observou-se, durante a usinagem do aço C45 modificado e isento de chumbo, a formação de ambos os tipos de cavaco. Contudo, neste caso, foi digna de nota a curvatura bem mais acentuada, ou melhor, maior “espiralamento” desses cavacos helicoidais.

Em função de sua curvatura mais fechada e com pequeno raio, estes cavacos helicoidais não são apanhados pelos outros fusos. Além disso, mesmo sem a presença do chumbo, o processo de usinagem também gerou cavacos helicoidais curtos.

A maior diferença entre as três variantes tornou-se visível ao se analisar os cavacos isolados em um microscópio eletrônico de varredura. Os cavacos gerados a partir das variantes modificadas, e também do aço contendo chumbo, mostraram um “espiralamento” signifi cativamente mais estreito do que o observado nos cavacos gerados a partir do aço C45 convencional sem chumbo.

Imagens comprovam as diferenças

Em função dos diferentes graus de “espiralamento” dos cavacos obtidos durante este estudo, os ensaios foram novamente reali­ zados, desta vez, sendo gravados em vídeo a alta velocidade. A câmera, modelo VW 9000, forne­ cida pela Keyence Deutschland, mostrou, de forma muito lenta, o processo de formação dos ca­ vacos, sob uma taxa de aproxi­ madamente 15.000 quadros por segundo, o que permitiu a visua­ lização das diferentes situações (figura 5, pág. 18).

Durante a usinagem do aço C45 isento de chumbo, ocorre a formação de um novo cavaco he­ licoidal no Instante 1. O cavaco, em função de sua grande curva­ tura, se enrola sobre a peça que estava sendo processada e tam­ bém sobre a ferramenta, ocor­ rendo então a formação completa de um novo cavaco helicoidal até ele atingir um comprimento definido (no Instante 2).

Em função de sua curvatura significativamente mais acentua­ da, os cavacos gerados a partir do aço C45 com chumbo não se en­ rolam de forma alguma ao redor da peça que está sendo usinada. Os cavacos se rompem de forma imediata na transição entre o ma­terial removido e o que ainda está por ser retirado pela usinagem. Dessa forma, o cavaco se rompe de maneira uniforme.

Por sua vez, o aço C45 modi­ ficado, isento de chumbo, gera cavacos que não apresentam cur­ vatura tão intensa, os quais se en­ rolam sobre a peça que está sendo usinada (Instante 1). Ao contrário do grau C45 isento de chumbo, o cavaco gerado a partir do grau C45 modificado, em função de sua menor curvatura, se desloca de forma consideravelmente mais direta contra a face principal de corte da ferramenta (Instante 2), provocando sua ruptura.

Ao se abandonar o uso de chumbo, ocorre, como já era de se esperar, uma modificação no processo de formação dos cava­ cos. Contudo, por meio de um projeto de liga adequado, é pos­ sível influenciar de forma po­ sitiva o processo de formação dos cavacos em comparação com a variante convencional de aço C45 isenta de chumbo. Além da formação desejada de cavacos helicoidais curtos, em raros casos ocorre a formação de cavacos helicoidais longos os quais, contudo, se desta­ cam por apresentar curvatura fechada, o que restringe a for­ mação de emaranhados.

Referências

  1. Diretiva da União Europeia 2005/673/EG.
  2. Gobrecht, J.; Rumpler, E.: Werkstofftechnik – metalle. 2a edição, Oldenbourg Wissenschaftsverlag, Munique, 2006.
  3. Leuschke, U.: Einfluss von ausscheidungen auf das duktilitätsverhalten einzelner erstarrungsgefüge während der drahtwalzung am beispiel von Automatenstahl. Dissertação, Shaker Verlage, 2014.
  4. Phillips, W. J.; Barron, D. B.: Iron age. 180, p. 102/71, 1957.
  5. Ushima, Y.; Yuyama, H.; Mizogushi, S.; Kajoka, H.: Effect of oxide inclusions on MnS precipitation in low carbon steel. ISIJ International, v. 75, no 3, p. 123­130, 1989.