Estratégias de refrigeração na usinagem de ligas de titânio


O fresamento de ligas de titânio gera altas solicitações termomecânicas sobre a ferramenta. A comparação entre diversos conceitos de ferramentas e processos de refrigeração mostra grandes influências sobre o volume de metal removido e o tempo de vida útil ao se utilizar fresas inteiriças de metal duro.


E. Abele, C. Hasenfratz e T. Heep

Data: 28/12/2016

Edição: MM Novembro 2016 Ano 52 No 610

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Figura 1 – Centro de usinagem modelo Grob G350 com a configuração experimental usada no estudo sobre o desgaste de ferramentas (Fonte: PTW)

As ligas de titânio possuem papel de destaque na indústria aeronáutica, com excelentes propriedades que as tornam adequadas para as exigentes aplicações deste segmento[3]. Deve-se ressaltar a sua associação entre alta resistência mecânica e baixa densidade em comparação com o aço, o que que eleva o desempenho do componente e sua eficiência energética[4].

Contudo, além da excelente razão entre resistência mecânica e densidade, fator que predestina as ligas de titânio usadas em componentes para a indústria aeronáutica, estas não apresentam nenhuma vantagem signifi cativa em termos de sua usinagem mecânica. Por conta disso, a fabricante de ferramentas acaba sendo confrontada por altas solicitações termomecânicas sobre suas ferramentas de corte e baixos valores de módulo de elasticidade do material durante o fresamento das ligas de titânio[1].

Portanto, é necessário adotar parâmetros de processo conservadores, os quais, ainda assim, levam a danos prematuros na ferramenta, abreviando sua vida útil. Por outro lado, o baixo módulo de elasticidade faz com que ocorra um retorno elástico na superfície do material durante a execução do corte, elevando, dessa forma, o atrito entre ferramenta e a peça sob usinagem. Além disso, o baixo valor do módulo de elasticidade gera altas solicitações dinâmicas sobre a aresta de corte, fazendo com que ocorra o surgimento prematuro de lascamentos nessa região[2].

Para se neutralizar essas características inerentes ao titânio é necessário desenvolver novos conceitos de ferramentas e estratégias adequadas de usinagem. Por essa razão, as fabricantes de ferramentas, em cooperação com institutos de pesquisa, desenvolveram diversos conceitos de ferramentas de fresamento para a usinagem de ligas de titânio.

Ferramentas utilizadas e metodologia dos ensaios

Durante este estudo foram empregadas três diferentes fresas cilíndricas inteiriças de metal duro, com diâmetro de 16 mm, provenientes de diferentes fabricantes. Estas diferenciavam-se entre si tanto em termos de sua geometria, como também de seu revestimento, em função das diferentes abordagens de cada fabricante para o fresamento de ligas de titânio (figura 2).

Figura 2 – Ferramentas cilíndricas para fresamentos feitas com metal duro usadas nos ensaios (Fonte: PTW)

A fabricante A disponibilizou uma fresa cilíndrica com quatro arestas de corte, apresentando perfil para desbaste e revestida com TiN. A fabricante B, por sua vez, forneceu uma fresa cilíndrica com cinco arestas de corte e revestida com AlTiSiN. As investigações sobre usinagem foram executadas por meio de fresamento frontal e periférico, para o qual foram selecionadas ferramentas dentro de uma faixa de diâmetros de 57 a 360 mm. Elas operaram sob os parâmetros de velocidade de corte (vc) = 100 m/min; avanço por dente (fz) = 0,08 mm/z; profundidade de corte (ap) = 16 mm e penetração (ae) = 3 mm.

Os ensaios foram efetuados com a liga Ti-6Al-4V, amplamente utilizada na indústria, com densidade específica de 4,43 g/cm3 e limite de resistência R m igual a 1.000 MPa. A fixação da ferramenta foi feita usando-se um mandril com expansão hidráulica HSK63A. Trata-se de um mandril especial em combinação com um sistema de segurança na forma de um parafuso do tipo Weldon.

Adicionalmente, foram testados diferentes processos de refrigeração. O primeiro foi a lubrificação por jorro, feita por canais de refrigeração situados no interior da ferramenta, sob pressão de 50 bar. Foi usado fluido para refrigeração e lubrificação sob concentração de aproximadamente 8%.

Por sua vez, a segunda série de ensaios foi executada sob quantidade mínima de lubrificação (MQL). Neste caso, a alimentação do lubrificante foi feita por um sistema com um único canal sob pressão de mistura igual a 4,5 bar. Já na terceira série de ensaios, foi usada refrigeração criogênica por meio de jatos de gelo seco (CO2 sólido). Este tipo de resfriamento foi aplicado a partir do exterior, sob ângulo de 45° em relação ao eixo da fresa. O consumo de gás carbônico fluido foi da ordem de 8 kg/h.

O fresamento frontal e periférico sob influência dos diversos processos de refrigeração foi executado num centro de usinagem com cinco eixos, modelo G350, fabricado pela empresa Grob (figura 1, pág. 16). A medição do desgaste foi feita usando-se um microscópio para medição fabricado pela Hitec, o qual se concentrou na região frontal da fresa e na região de transição entre a ferramenta e a peça sob usinagem. Além disso, também foram estudadas amostras de cavacos, as quais caracterizam a interação entre ferramenta e a peça sob usinagem.

Resultados com a lubrificação por jorro

Os primeiros perfis de desgaste estudados foram produzidos pelo fresamento frontal e periférico utilizando-se refrigeração e lubrificação por jorro. O objetivo desta abordagem de lubrificação é conseguir boa remoção de cavacos e bom efeito de refrigeração.

Figura 3 – As taxas de usinagem obtidas sob aplicação de refrigeração e lubrificação por jorro variaram significativamente conforme o conceito de ferramenta adotado (Fonte: PTW)

A figura 3 mostra a largura das marcas de desgaste ao longo do volume de usinagem conseguido para as três diferentes fresas cilíndricas. A ferramenta A tendeu a apresentar desgaste altamente abrasivo, o que levou ao surgimento de lascamentos na região de transição. Por isso, ela somente alcançou um volume de cavacos igual a 543 cm3.

A ferramenta B, por sua vez, apresentou evolução inicial de desgaste com caráter altamente abrasivo, mas que, à medida que o volume de cavacos crescia, passou a se elevar de forma linear. Após atingir marcas de desgaste de 250 μm, sob volume de cavacos de 1.100 cm3, esta ferramenta apresentou os primeiros lascamentos na sua parte frontal. Tal ocorrência levou a uma rápida falha da ferramenta.

Figura 4 – As taxas de usinagem obtidas ao se usar a estratégia de MQL apresentou resultados com diferenças insignificantes em relação aos obtidos com a refrigeração por jorro(Fonte: PTW)

Finalmente, deve-se mencionar a fer ramenta proveniente da fabricante C. Ela apresentou evolução de desgaste similar à da ferramenta B; contudo, mostrou lascamentos na região de transição. Estes apareceram para um volume de cavacos de 1.300 cm3 e, também neste caso, levaram à ocorrência descontrolada de danos na ferramenta.

Resultados com MQL

A série de ensaios executada sob MQL foi feita usando-se configuração análoga à adotada para o caso da refrigeração e lubrificação por jorro. Ao contrário da série de ensaios anterior, a utilização da MQL prioriza, a princípio, um alto efeito de lubrificação.

Os resultados mostrados na figura 4 deixam claro a influência do uso de quantidade mínima de lubrificante sobre o desgaste das ferramentas durante o fresamento da liga Ti-6Al-4V. A fresa cilíndrica feita pela fabricante A também mostrou aqui uma evolução de desgaste fortemente abrasivo, o que levou à falha prematura da ferramenta com lascamentos na região de transição.

Por sua vez, a ferramenta B apresentou evolução linear de desgaste. Além disso, também foram constatados lascamentos nos vértices de corte. Contudo, sob o uso de MQL, a ferramenta feita pela fabricante B alcançou um volume de cavacos maior, o que foi atribuído à orientação radial que os canais para refrigeração apresentavam.

A ferramenta da fabricante C, por sua vez, tendeu a apresentar evolução contínua de desgaste, com crescimento linear e características abrasivas ao longo de todo o processo de corte. Os danos à ferramenta surgiram em decorrência do surgimento de desgaste por entalhes na região de transição. Esta ferramenta apresentou resultados relativamente bons durante os ensaios com quantidade mínima de lubrificante em comparação com os resultados usando refrigeração e lubrificação por jorro.

Resultados com refrigeração criogênica (CO2)

Na terceira série de ensaios, os testes de usinagem foram efetuados usando-se refrigeração externa com jatos de CO2. Portanto, nesta série de ensaios, as fresas cilíndricas foram refrigeradas apenas de forma pontual. Os resultados mostraram uma elevação significativamente mais rápida do desgaste para as três ferramentas aqui estudadas (figura 5, pág. 22).

Na configuração sob resfriamento criogênico, as ferramentas utilizadas não conseguiram alcançar as taxas de usinagem que haviam sido obtidas sob as outras duas abordagens. As ferramentas apresentaram lascamentos massivos prematuros ao longo de toda a aresta de corte.

A razão para isso foi o resfriamento pontual proporcionado pelos jatos de CO2. Isso fez com que as ferramentas empregadas fossem submetidas a altas cargas mecânicas decorrentes dos choques térmicos, as quais promoveram o surgimento de altas solicitações cíclicas induzidas termicamente, fazendo com que todas apresentassem lascamentos massivos.

Constatações sobre a formação de cavacos e sobre a evolução do desgaste

Além dos volumes de cavacos alcançados sob os diferentes processos de refrigeração, também os cavacos foram analisados detalhadamente para se poder elaborar conclusões sobre a interação entre a ferramenta e a peça sob usinagem. Ficou claro que os cavacos extraídos ao se usar a refrigeração e lubrificação sob jorro apresentaram alto grau de segmentação ao final da vida útil da ferramenta – uma típica consequência decorrente do uso de uma ferramenta de corte não afiada.

Figura 5 – A refrigeração por CO2abreviou intensamente a taxa de usinagem para a configuração experimental escolhida (Fonte:PTW)

Os cavacos extraídos sob MQL, por sua vez, apresentaram nítida coloração ao final da vida útil da ferramenta, permitindo concluir que o alto aporte de calor provocou danos à ferramenta. Sob influência do resfriamento criogênico por CO2, foi constatada a formação de cavacos descontínuos fortemente segmentados. Portanto, o resfriamento não só levou ao lascamento da aresta de corte da ferramenta, como também ao encruamento do material.

De forma análoga à formação dos cavacos, também foi feita a análise da evolução do desgaste da ferramenta ao longo de toda a sua aresta de corte. A partir daí, foram detectados três sinais aparentes de desgaste, os quais determinaram o final da vida útil das ferramentas em todas as três séries de ensaios.

Figura 6 – A aparência do desgastecorte das fresas foram investigadase a formação de cavacos na aresta de microscopicamente (Fonte: PTW)

A figura 6 (pág. 24) mostra três regiões ao longo da aresta de corte de uma fresa cilíndrica. Pode-se observar lascamentos na posição 1, que surgiram em decorrência do desgaste e, portanto, da sobrecarga mecânica. Na posição 2, pode-se obser var desgaste abrasivo homogêneo dos flancos da ferramenta, cuja magnitude foi incluída durante a medição da largura das marcas de desgaste. Finalmente, deve-se mencionar o desgaste com formação de entalhes que surgiu na posição 3.

Esses entalhes ocorreram na região de transição, a uma distância ap em relação à parte frontal da fresa, e foram causados pelas solicitações termomecânicas incidentes sobre a região de transição ferramenta-cavaco.

Conclusão

As investigações deste trabalho mostraram que diferentes conceitos de ferramentas levaram a resultados semelhantes. Também foi constatado que a usinagem de titânio impõe grandes desafios às fabricantes de ferramentas.

Adicionalmente, também foram analisados diferentes processos de refrigeração nos ensaios. Graças a isso, foi demonstrado que as abordagens de refrigeração e lubrificação por jorro e por MQL não apresentaram grandes diferenças em ter mos dos volumes de cavacos alcançados.

A abordagem por jorro mostrou bom efeito refrigerante e alto desempenho de lubrificação, os quais permitiram que fossem alcançados volumes de cavacos superiores a 1.200 cm3. A alternativa com uso de quantidade mínima de lubrificante, por sua vez, se caracterizou somente pelo bom efeito lubrificante e apresentou resultados que foram similares aos da abordagem de refrigeração e lubrificação por jorro. Finalmente, deve-se mencionar a refrigeração criogênica por CO2 a qual, em função de sua ação pontual, promoveu a ocorrência de choques térmicos e a altas solicitações termomecânicas cíclicas sobre a ferramenta.

Uma pesquisa complementar sobre os cavacos produzidos deixou claro os diferentes mecanismos de danos em função das estratégias de resfriamento adotadas. Os cavacos gerados quando se usou a refrigeração e lubrificação por jorro tenderam a apresentar alto grau de segmentação, enquanto que os cavacos obtidos nos ensaios com MQL apresentaram leve coloração, indicando a ocorrência de elevadas solicitações térmicas durante o processo.

O padrão de referência mostrou claramente que, conforme a aplicação específica, deve-se desenvolver um conceito apropriado de ferramenta em termos de material de corte, revestimento e geometria. A partir dessa constatação, o Instituto para Gestão da Produção, Tecnologia e Máquinas-Ferramenta da Universidade Técnica de Darmstadt (PTW) vem trabalhando prioritariamente no projeto de conceitos de ferramenta dentro do grupo de tecnologia de usinagem que foi constituído em associação com a indústria. Essa aliança industrial vem tratando de temas como usinagem de componentes para conjuntos propulsores, segurança de ferramentas, materiais com usinabilidade difícil e acabamento de furos.

Referências

  1. Altmüller, S.: Simultanes fünfachsiges fräsen von freiformflächen aus titan. Shaker, Aachen, (Bd. 2001,12), 2001.
  2. Gey, C.: Prozessauslegung für das flankenfräsen von titan. Als Ms. gedr. Düsseldorf: VDI-Verl. (Nr. 625), Düsseldorf, 2003.
  3. Giessler, J.; Bohnet, S.; Kuttkat, B.: Titanbearbeitung. komplexe werkstücke aus titan effizient zerspanen. Disponível online em: http://www.maschinenmarkt. vogel.de/themenkanaele/ produktion/zerspanungstechnik/ articles/267879/>, última atualização em 09.06.2010, última verificação em 03.08.2014.
  4. Leyens, C.; Peters, M. (Hrsg.): Titan und titanlegierungen. [3., völlig neu bearb.Aufl.], WileyVCH, Weinheim, 2002.