Filtração de água marinha em sedimento de praia como pré-tratamento da osmose reversa


Um estudo avalia a eficiência da técnica de filtração em sedimento de praia por meio de um sistema de captação horizontal de filtração como pré-tratamento para a osmose reversa em processo de dessalinização da água do mar. Análises evidenciaram redução da turbidez e cor aparente.


Tiago Burgardt, mestrando da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina; Maurício Luiz Sens, prof. da UFSC; e Tiago Guedes, doutorando da UFSC

Data: 10/05/2017

Edição: Hydro Março 2017 - Ano XI - No 125

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Estação de dessalinização Carlsbad em San Diego, EUA

O mercado dispõe de diversas tecnologias para tornar as águas salinas próprias para o consumo humano. A dessalinização consiste em um tratamento específico que remove sais e íons presentes na água, uma vez que essas partículas de pequenas dimensões não são removidas no tratamento convencional. Entre as técnicas utilizadas para a dessalinização da água, destaca-se a osmose reversa (OR), que se baseia na passagem da água através de membranas com permeabilidade seletiva.

Durante a dessalinização pela técnica de OR, a passagem da água do mar através da membrana ocorre devido à pressão externa ser maior do que a pressão osmótica existente, fazendo o fluido se deslocar do lado com menor concentração de sais para aquele com maior concentração de sais, revertendo o processo natural de osmose [1]. A membrana utilizada no processo é feita de material sintético semipermeável, com uma espessura total inferior a 1mm. Dessa maneira, as impurezas existentes na água salina bombeada com alta pressão ficam retidas na superfície da membrana, ocorrendo a separação dos contaminantes presentes e tornando a água própria ao consumo humano.

Entretanto, a retenção de impurezas na superfície da membrana ocasiona um fenômeno denominado fouling, responsável principal pela deterioração das membranas de OR. Os contaminantes presentes na água de alimentação responsáveis pelo fouling são materiais particulados, sais inorgânicos precipitados, metais oxidados e matéria orgânica dissolvida [2, 3].

Assim, a formação de fouling depende da qualidade da água de alimentação. Cabe ressaltar que a formação desses depósitos é facilitada pela geometria dos elementos de membranas, onde a água de alimentação deve passar por estreitos canais formados pelos espaçadores de alimentação que agem como uma espécie de filtro.

Dessa forma, para utilizar a tecnologia de OR de maneira adequada, é necessária a realização de um pré-tratamento na água bruta, cuja finalidade é preparar essa água para passagem através das membranas. Uma das técnicas empregadas no pré-tratamento é a técnica de filtração, a qual consiste na condução da água através de um meio poroso no qual ocorre a retenção de materiais particulados e matéria orgânica. Entre as técnicas disponíveis, destaca-se a filtração em sedimento de praia [4, 5].

Esse processo de pré-tratamento consiste na captação da água do mar através de canais, poços ou galerias de infiltração que estão localizados na praia ou em suas proximidades. A passagem da água do mar através do sedimento é induzida devido à criação de um gradiente hidráulico entre o oceano e o ponto de captação. A capacidade e qualidade da filtração dependem das condições hidrogeológicas do local. A ocorrência de ondas impede a colmatação do meio filtrante, além da dissipação dos coloides retidos no oceano. A remoção dos contaminantes ocorre por meio de processos naturais, tais como: filtração (coagem), dispersão, adsorção, biodegradação, precipitação química e diluição [6].

A passagem da água salgada através do sedimento de praia pode, dependendo das condições do local e da água de alimentação, ser a única etapa de pré-tratamento antes da utilização em membranas de OR.

Objetivo

O presente trabalho tem por objetivo avaliar a eficiência da técnica de filtração em sedimento de praia por meio de um sistema de captação horizontal de filtração como pré-tratamento para a osmose reversa em processo de dessalinização da água do mar. Assim, o sistema de captação horizontal será avaliado por meio de parâmetros físico-químicos

Fig. 1 – Vista de Florianópolis, SC, com a localização da estação de captação de água salina

Materiais e métodos

Caracterização da área de estudo

O estudo foi realizado no município de Florianópolis, SC. A ilha apresenta 426,6 km2 de área, possui uma forma alongada no sentido norte/sul com 54 km; e largura máxima de 18 km no sentido leste/oeste. A parte continental apresenta forma levemente retangular com 11,9 km2 de área. A ilha é separada do continente pela Baía de Florianópolis, denominadas baías Sul e Norte, sendo que ocorre um estreitamento de canal com largura aproximada de 500 m de largura e uma profundidade máxima de 28 m, sobre o qual foram construídas três pontes que ligam a ilha ao continente. (figura 1).

O clima do município é condicionado pelo domínio da massa de ar quente e úmida. Os ventos predominantes sopram do quadrante norte, com velocidade média de 3,5 m/s, no entanto os mais velozes e sopram do quadrante sul, com velocidade média de 10 m/s, associados à Tropical Marítima e Polar Marítima do Atlântico. Os ventos sul antecedem a entrada de frentes frias e da Polar Marítima do Atlântico com rajadas chegando até 80 km/h [7].

Esses dados são de extrema importância, uma vez que a direção do vento em conjunto com as ondulações as quais a localidade está sujeita influenciam a qualidade da água bruta de toda região costeira do município.

O local selecionado para instalação do piloto apresenta requisitos básicos como segurança e facilidade na obtenção de energia elétrica, e o relevo também é propício para a captação de água salina. Entre o local de implantação do sistema piloto e a área de convergência da água precipitada existe a Lagoa da Conceição. A ligação entre a lagoa e o oceano se dá por meio do Canal da Barra.

A instalação do sistema em horizontal em sedimento de praia tem por finalidade a captação de água salina para abastecer a estação de Maricultura da Barra da Lagoa, da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, e o Projeto Tamar, este reconhecido internacionalmente como uma das mais bem-sucedidas experiências de conservação marinha. A instalação de captação existe desde 1985.

Fig. 2 – Estação de captação horizontal de água marinha – sistema horizontal

Estação de captação de água marinha – sistema horizontal

O sistema de captação horizontal em sedimento de praia funciona com quatro ponteiras enterradas a 1 m de profundidade dentro do mar (figura 2). Entretanto, a altura de areia acima das ponteiras pode sofrer modificações, uma vez que os bancos de areia estão em constante movimentação. Dessa forma, como constatado neste trabalho pelos pesquisadores, durante a manutenção a profundidade das ponteiras pode variar de 0,5 até 1,0 m ao longo do ano.

O sistema de captação horizontal conta com uma tubulação de sucção com 70 metros de comprimento, dos quais 30 metros dentro do mar. Possui uma casa de bombas e uma tubulação de recalque com 4200 m de extensão. O sistema foi construído com tubulação PVC com diâmetro nominal (DN) de 160 mm para sucção e DN 200 mm para recalque. A sucção da água através das ponteiras é feita com auxílio de quatro bombas de 4 CV e revestimento de bronze, que operam recalcando em média 1000 m3/d. O sistema opera de maneira contínua e a quantidade de água a ser enviada para os laboratórios é definida conforme a necessidade de uso. Para impedir a passagem de areia ou sólidos de espessura pequena pelo sistema, as ponteiras foram revestidas com uma manta geotêxtil. Além da proteção contra a obstrução de sedimento nas ponteiras, caso exista a necessidade, também pode ser realizado o procedimento de retrolavagem, o qual é feito se houver diminuição do fluxo ou da qualidade da água filtrada.

Para investigar a eficiência do sistema, foram verificados os parâmetros físico-químicos como condutividade, cor aparente, direção do vento, ondulação, pH, temperatura e turbidez, assim como sua frequência de análise e equipamentos. Esses parâmetros foram avaliados ao longo de três semanas e definidos conforme revisão bibliográfica relacionada ao tema.

Os dados de vento, ondulação e tábua de marés foram obtidos por meio do sistema de modelagem WW3 disponível gratuitamente na Internet. Esses dados também foram verificados em campo para uma maior confiabilidade dos resultados.

Resultados

Turbidez e cor aparente

Durante o período analisado predominaram as ondulações de sudeste com influência do vento nordeste em algumas ocasiões. Dessa forma, o resultado da qualidade da água bruta no local de estudo modificou-se ao longo do tempo devido à variação da ondulação que atingia a costa local. Entretanto, mesmo com a ondulação influenciando os parâmetros turbidez e cor aparente da água bruta, a água filtrada pelo sistema de captação horizontal apresentou resultados estáveis conforme os padrões de qualidade de água exigidos das membranas de osmose reversa.

Isso se deve ao fato de o local possuir características propícias para a remoção de sólidos em suspensão presentes na água bruta.

Segundo Missimer [4], praias de areia fina que apresentem formação de ondas são adequadas para o uso da filtração em sedimentos, uma vez que a granulometria mais fina proporciona a remoção dos sólidos suspensos enquanto a movimentação de ondas impede a colmação do sedimento onde o sistema de captação está inserido.

A média da turbidez para água bruta foi 2,605, enquanto o desvio padrão foi de 2,86. Por sua vez, a média para turbidez da água filtrada foi de 0,217 com um desvio padrão de 0,06. Ao comparar o desvio padrão da água bruta e da água filtrada, pode-se perceber que o sistema de filtração mostra resultados estáveis mesmo com a água bruta apresentando resultados diferentes por conta das diferentes ondulações que incidem sobre a área de estudo.

Condutividade

A condutividade da água bruta e da água filtrada variou entre 50,2 (mS/cm) e 54,7 (mS/cm) durante as análises realizadas. Isso mostra que o sistema de captação horizontal e a ondulação não interferiram nos resultados obtidos para a condutividade. Segundo Crittenden et. al [1], a filtração em areia não é uma técnica eficiente para remoção de sais monovalentes e bivalentes, por isso a condutividade da água bruta sofreu pequenas alterações ao passar pelo sistema de captação horizontal.

pH e temperatura

Durante o período das análises a temperatura sofreu alterações devido à influência das ondulações – as do sul provocaram decréscimo da temperatura. Já as de sudeste e leste causaram um aumento da temperatura da água.

A temperatura sofreu uma pequena variação (0,5°C) ao se comparar a água bruta e a água filtrada pelo sistema de captação horizontal. Isso pode ocorrer, uma vez que a tubulação de recalque é extensa, com 4200 m, o que poderia causar alteração da temperatura da água.

O pH, assim como a turbidez e a cor aparente, foi outro parâmetro que apresentou modificações ao passar pelo sistema de filtração horizontal. O pH da água bruta apresentou média de 8,31, enquanto a média do pH da água filtrada foi de 8,11. Segundo Millero et. al [8], o pH da água do mar varia entre 7,5 e 8,5, e os principais íons monovalentes e bivalentes responsáveis por essa alcalinidade são Na+, Mg2+, Ca2+, K+, Sr2+, Cl-, SO42-, HCO3-, Br-, CO32-, B(OH)4-, F-, OH-, B(OH)3, e CO2. Segundo Voutchkov [5], o pH adequado pra as membranas deve estar entre 7,6 a 8,3. Caso o pH da água bruta se encontre abaixo de 4 e acima de 11 pode haver danos irreversíveis na membrana.

A filtração em sedimento de praia é capaz de reter apenas parte pequena parte dos sais presentes na água, dessa forma, não se trata de uma técnica indicada para remoção de sais presentes na água do mar.

Conclusão

Por meio das análises realizadas nota-se que o sistema de captação horizontal da água do mar obteve redução da turbidez e cor aparente. Para esses parâmetros o sistema de pré-tratamento mostrou-se eficiente na adequação da água bruta com as membranas de osmose reversa.

A variação da ondulação incidente durante o período de coleta também influenciou os resultados de quase todos os parâmetros analisados, à exceção da condutividade e pH, que apresentaram poucas alterações durante as análises realizadas.

A influência da ondulação na qualidade da água bruta pode ser explicada pelo formato geológico do local de implantação do piloto. O local apresenta maciços rochosos onde apenas as ondulações dos quadrantes leste e sudeste incidem diretamente no local, por sua vez a ondulação de sul é barrada pelos maciços rochosos, proporcionando uma melhor qualidade da água para os parâmetros analisados.

Mesmo com as alterações da água bruta causadas pelas diferentes ondulações, o sistema de captação horizontal em sedimento de praia obteve uma estabilidade para o parâmetro turbidez (0,217 uT), dentro do recomendado pelos fabricantes de membranas de osmose inversa (≤ 1 uT).

Por outro lado, os parâmetros condutividade, pH e temperatura, sofreram alterações pequenas para a água bruta e filtrada. A temperatura da água também sofreu alterações com as diferentes ondulações, com variação aproximada de 4°C. Entretanto, os valores médios encontrados para pH (8,1), condutividade (52,77 mS/cm) e temperatura (24,2°C) encontram-se dentro de valores adequados à passagem da água pelas membranas de osmose reversa.

Como recomendações para futuros estudos sobre o tema, os autores sugerem um maior número de análises que possam confirmar os resultados iniciais adquiridos nesta pesquisa. Indica-se também a análise dos parâmetros carbono orgânico total, cloro total, sólidos totais, óleos e graxas, SDI – silt density index e fouling, uma vez que todos são essenciais para o direcionamento da água marinha bruta nas membranas de osmose reversa.

Referências

  1. Crittenden, J. C. et al.: Water treatment: principles and design. Nova Jersey: Wiley, 2005. 1968 p.
  2. Amiri, M. C.; Samiei, M.: Enhancing permeate flux in a RO plant by controlling membrane fouling. Desalination. v. 207, n. 1-3, p. 361-9, Mar. 2007.
  3. Prihasto, N.; Liu, Q. F.; Kim, S. H.: Pre-treatment strategies for seawater desalination by reverse osmosis system. Desalination. v. 249, n. 1, p. 308-16, Nov. 2009.
  4. Missimer, T. M. et al.: Subsurface intakes for seawater reverse osmosis facilities: Capacity limitation, Water Quality Improvement, And Economics. /322/supp/C”v. 322, n.1, p.37–51, Agosto. 2013.
  5. Voutchkov, N.: SWRO desalination: on the beach – seawater intakes. Filtration & Separation. v. 42, n. 8, p. 24-7, Oct. 2005.
  6. Bartak, R. et al.: Beach sand filtration as pretreatment for RO desalination. International Journal of Water Science. v. 1, n. 2, p. 1-10, 2012.
  7. Florianópolis. IPUF. Plano Diretor Participativo da Cidade: Leitura da Cidade (vol. 1) 2008. Florianópolis: Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, 2008.
  8. Millero, F.J. et al.: The composition of standard seawater and the definition of the reference-composition salinity scale Deep Sea Res., v.55, p.50–72, Jan. 2008.

Trabalho apresentado no Encontro Técnico da 27a Fenasan – Feira Nacional de Materiais e Equipamentos para Saneamento, realizado em agosto de 2016, em São Paulo.