Gestão conjunta de águas residuais e pluviais


O artigo destaca como a parceria público-privada pode desenvolver-se através de vários mecanismos, dentre os quais destacam-se a privatização e a terceirização dos serviços públicos, com ênfase na oferta e ampliação do saneamento básico.


Ricardo Pera Moreira Simões, Juliano Fausto dos Santos e Elias Alves de Lima, da Norte Sul Hidrotecnologia

Data: 06/04/2017

Edição: Hydro Fevereiro 2017 - Ano XI - No 124

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O Brasil tem uma população de mais de 200 milhões de habitantes, dos quais 80% residem em áreas urbanas, o que torna imprescindível a implantação de uma infraestrutura de esgotamento sanitário e drenagem. Estudos indicam que apenas 50% da população urbana é atendida por esses sistemas, exigindo aportes da ordem de R$ 100 bilhões, o que, somado ao investimento já feito importaria num patrimônio de aproximadamente R$ 200 bilhões em infraestrutura de esgotamento sanitário e drenagem.

A responsabilidade pela gestão desse imenso patrimônio, definida pela constituição, é de cada um dos municípios; assim cabe ao poder público municipal a responsabilidade de proteger a segurança e a saúde da população e do meio ambiente.

Funções e responsabilidade do poder público

Na segunda metade do século passado, principalmente na Europa, desenvolveu-se a ideia-força da participação, particularmente na interação entre as administrações públicas locais e a sociedade civil.

Caracteriza-se como parceria público-privado (PPP) toda cooperação que possa ser considerada pela teoria dos jogos como do tipo “ganha-ganha”, no qual há benefícios para ambas as partes; por esse mecanismo as empresas privadas complementam ou substituem as ações do poder público onde fossem mais efi cientes [1].

Para a perfeita compreensão do problema, é preciso distinguir entre provisão dos serviços públicos e a sua produção. Ao Estado (Poder Público) cabe prover os serviços públicos, isto é, detectar as necessidades sociais, formular e implantar soluções racionais para o seu atendimento e controlá-las sob o ponto de vista da qualidade, visando à justiça social. Já a produção dos serviços públicos, ou seja, a sua execução, pode ser transferida ao setor privado com ganho em termos de custos e qualidade.

PPP – Parceria Público-Privada

O grande desafio das sociedades democráticas que pleiteiam o desenvolvimento econômico e social, com ganhos disseminados entre toda a sua população é obter maior produtividade e o atendimento das demandas sociais. Esse objetivo proporciona o desenvolvimento de formulações inovadoras para a realização dos processos produtivos existentes.

A parceria público-privada traz necessariamente a interação positiva entre esses agentes, podendo assumir diversas formas (não só aquelas que já possuem um marco legal, PPP, destinadas a grandes empreendimentos), inclusive em segmentos restritos, com o objetivo específi co de aumentar a produtividade do sistema, pela colaboração positiva entre os agentes privados e públicos.

Assim, a parceria público-privada pode desenvolver-se através de vários mecanismos, dentre os quais destacam-se a privatização e a terceirização dos serviços públicos. Trata-se de uma alternativa ante a inefi ciência do Estado para resolver questões relacionadas à universalização dos serviços de saneamento no país.

Terceirização no conceito de PPPs

O estabelecimento de parcerias para implantar as atividades-meio é o caminho natural que as grandes empresas privadas têm encontrado para assegurar custos decrescentes e maior produtividade, transferindo para empresas especializadas a responsabilidade total pela execução dos serviços, ao mesmo tempo em que estabelece os parâmetros operacionais que garantam o controle e a qualidade desses serviços.

Tal conceito aplica-se também e ainda com maior razão aos entes públicos (Estados ou municípios, através de órgãos públicos, autarquias ou empresas sob controle público) no tocante à esfera de atuação operacional relativa aos serviços públicos, como é o caso dos serviços de operação dos sistemas de águas residuais (esgotos sanitários) ou águas pluviais (drenagem).

Com a terceirização, a empresa privada necessariamente é mais preocupada do que a empresa ou o órgão público com a apuração dos custos de operação e com a qualidade dos serviços, pois disso depende a continuidade do seu contrato. A parceria através da terceirização acaba induzindo a uma redefi nição conceitual das modalidades de prestação de serviços, abrindo-se uma grande oportunidade de introdução de inovações e melhorias de procedimentos.

Dessa forma, através da racionalização e diminuição dos custos operacionais, a parceria através da terceirização derrota o grande argumento da privatização, demonstrando que a manutenção da gestão nas mãos do poder público é viável dentro de um modelo enxuto economicamente, comparável ao das empresas privadas de mesmo porte, mantendo-se como provedor e não produtor dos serviços públicos.

O segredo do sucesso desse modelo reside em três pilares:

A PPP para a operação conjunta da operação e manutenção de redes coletoras de esgotos e drenagem é um exemplo a ser adotado.

Operação e manutenção de redes coletoras de esgoto e drenagem

Os sistemas de esgotos destinam-se fundamentalmente ao transporte das águas residuais até as estações de tratamento de esgotos; de igual forma, os sistemas de drenagem destinam-se a transportar as águas pluviais aos cursos d’água.

Os componentes dos sistemas de esgotos (redes coletoras, coletores troncos, estações elevatórias, interceptores) ou drenagem (galerias, ramais, bocas de lobo, piscinões) têm suas características operacionais defi nidas pelo projeto e construção, de modo que sua deterioração começa imediatamente após a construção, sendo acelerada pelo uso.

A operação e manutenção de redes coletoras de esgotos ou drenagem significam fundamentalmente manter o esgoto ou as águas pluviais correndo na rede, evitando extravasamentos nas vias ou residências, assim como enchentes e alagamentos, ou no caso inevitável de uma ocorrência, atender rapidamente às reclamações dos usuários.

Dessa forma, os índices de quantidade de desobstrução de coletores (DCs) e do tempo de atendimento constituem-se os principais indicadores da efi ciência dos serviços de operação e manutenção das redes coletoras de esgotos e drenagem, daí a relevância desses serviços no conjunto das operações dos órgãos ou empresas de saneamento.

Gestão conjunta

O Brasil, com poucas exceções, adota os sistemas de transporte separado das águas provenientes das chuvas (águas pluviais) daquelas oriundas do uso doméstico ou industrial (águas residuais ou esgotos). Por esse motivo, as atividades de operação e manutenção dos sistemas de drenagem e esgotos tradicionalmente ocorrem de forma separada, sob a responsabilidade de órgãos municipais distintos.

A despeito dessa separação administrativa, a natureza e a técnica impõem a interligação entre os dois sistemas, tanto com ligações domésticas nas galerias de águas pluviais, como de galerias nas redes de esgotos.

Como consequência, esgotos sanitários são despejados nas galerias, córregos e rios, em vez de serem direcionados para tratamento; de outro lado, as estações de tratamento de esgotos recebem excesso de líquidos (em relação ao projetado) que deveriam ser encaminhados para os cursos d’água, onerando desnecessariamente os custos do tratamento.

De modo geral, a maioria das cidades desenvolvidas adota programas de gestão conjunta de O&M dos sistemas, envolvendo a inspeção contínua das redes, programas de reabilitação dos pontos críticos e a limpeza preventiva. Como resultado, os índices de extravasamento de esgotos por extensão de rede são muito baixos, assim como os alagamentos nas vias públicas são situações ocasionais causadas por precipitações pluviométricas incomuns.

Gestão eficaz

Não obstante as redes de drenagem e esgotos adotarem a separação completa entre ambas, é necessária a gestão efi caz para que não haja a contaminação, pela mistura entre os dois sistemas, em virtude da ocorrência de inundações e de interligações indevidas entre as redes.

A nova filosofia de gestão baseia-se no conhecimento preciso e exaustivo do sistema, no planejamento integral, na gestão completa e coordenada em tempo real e no enfoque ambiental e sustentável.

Os instrumentos básicos de uma gestão moderna exigem a utilização de sistemas tecnológicos de ajuda à tomada de decisões: o cadastro georreferenciado dos sistemas, o diagnóstico das áreas críticas, o prognóstico com as ações corretivas recomendadas, instrumentos de modelagem hidráulica para o correto dimensionamento do sistema e instrumentos de medição dos volumes de água em tempo real.

Qualquer sistema de coleta de esgoto sanitário, devido a suas peculiaridades, apresenta pontos onde as ocorrências de manutenção corretiva se sobrepõem às médias das demais regiões, ocasionando extravasamentos para o sistema viário, que acabam por atingir o sistema de drenagem e os corpos d’água.

Com a implementação desses instrumentos, as ações necessárias tantopara o redimensionamento do sistema de drenagem ao volume real quanto à limpeza regular e preventiva dos componentes do sistema de drenagem podem ser planejadas com maior eficácia.

Esses pontos crônicos, sejam dos sistemas de esgotos ou dos sistemas de drenagem, apresentam-se frequentemente obstruídos e afogados revelando problemas que exigem ações conjunturais, a partir do diagnóstico da real situação de cada caso.

Para que ocorra redução contínua da incidência do número de obstruções, é necessário que haja a melhoria operacional do sistema. Os serviços de lavagem preventiva, diagnóstico e melhoria operacional, priorizando os pontos críticos, estabelecem um processo de melhoria contínua.

A gestão conjunta dos sistemas significa controlar a ocorrência de inundações ou mitigar suas consequências no caso de precipitações pluviométricas extraordinárias, assim como atuar no controle da poluição. Implica também a O&M dos equipamentos existentes, identificar os problemas e detalhar as intervenções necessárias para a solução dos pontos críticos.

Exemplo de terceirização com PPP bem-sucedida

A contratação de serviços especializados de limpeza e desobstrução de redes coletoras de esgotos através de equipamentos que utilizam a técnica de hidrojateamento é prática antiga, que remonta há mais de 50 anos, tendo a Sabesp grande experiência não só na contratação como na execução dos serviços com equipamentos e pessoal próprios.

Na prefeitura do município de São Paulo essa categoria de equipamentos foi completamente terceirizada há aproximadamente 30 anos. Os demais municípios e concessionários do Estado, em sua maioria, também utilizam o sistema, internamente ou terceirizando.

Na Sabesp, até 1997 todos os contratos de terceirização previam como remuneração o pagamento dos serviços por hora do equipamento disponibilizado, a partir de programação definida, ou seja, o ônus de eventual ineficiência era pago pela contratante.

Essa mudança detonou um processo de interação entre Sabesp e contratadas, na medida em que o ônus da ineficiência passou na totalidade da Sabesp para a empreiteira, estabelecendo-se de forma embrionária o conceito de parceria público-privada “latu sensu”.

O processo de planejamento estratégico da companhia tem se preocupado com a continuidade dos indicadores de desobstruções, havendo propostas de mudanças do critério de manutenção corretiva para lavagem preventiva, diagnósticos e projetos de melhorias na rede.

A implantação do cadastro georreferenciado através do sistema Signos dotou a empresa de um instrumento de grande valia para a implementação dos projetos de melhoria com uma base técnica mais confiável.

Simultaneamente, entre 2002 e 2005, a prefeitura local implantou um programa piloto para a manutenção do sistema de microdrenagem, extremamente semelhante ao do sistema de esgotamento sanitário, que envolveu: limpeza preventiva por varredura de toda a área geográfi ca, inspeção por TV, cadastramento georreferenciado, diagnóstico de pontos críticos e sistema de gerenciamento informatizado.

Apesar de desativado na sua globalidade, o modelo se manteve em diversas subprefeituras do município, particularmente da zona leste. O conceito contratual, associando gestão técnica com os serviços operacionais, está implantado nas cidades de Guarulhos e Poá.

No desenvolvimento desse processo, várias empresas prestadoras de serviços de limpeza e desobstrução passaram nos últimos 15 anos por um acelerado processo de melhoria técnica.

Contrato de performance nos serviços de O&M de sistemas de esgotos

A partir de 2009, os contratos da Sabesp referentes aos serviços convencionais de limpeza e desobstrução de redes coletoras de esgotos passaram a adotar os seguintes conceitos:

A Sabesp exige de terceiros qualificados o atendimento de índices essenciais à correta O&M dos sistemas. A contratada utiliza sua experiência, garantindo contratos com maior valor agregado, em um processo contínuo de melhoria.

A experiência na Sabesp

Com o início das licitações de contratos de manutenção e otimização da rede coletora com cláusula de desempenho, coube à Norte Sul Hidrotecnologia a sua execução.

O primeiro contrato foi de 11/03/2011 a 27/08/2013, abrangendo os polos de manutenção de Penha e Artur Alvim. O segundo contrato foi de 23/01/2014 a 11/07/2016, englobando os polos de Penha e Artur Alvim da Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos de Itaquera e São Miguel.

Resultados

O terceiro contrato começou a partir de 01/05/2016, abrangendo o polo de Itaquera da UGR de Itaquera, com as seguintes características:

Os indicadores de resultado associados à remuneração (100%) eram os seguintes:

O modelo de contrato de desempenho ainda está em processo de melhoria, mas registra ganhos substanciais no aumento da produtividade, comprovando os benefícios da parceria público-privada.

Conclusão

O modelo proposto dá forma à tendência moderna em que há necessidade de associar maior qualidade a custos decrescentes, através de formas criativas de parceria entre empresas comprometidas com o uso de novas tecnologias.

No caso específico do saneamento, o modelo desarma os argumentos de ineficiência, baixa produtividade e custos altos da atuação do poder público, mostrando que é possível ser eficiente e, ao mesmo tempo, manter o controle e a gestão pública, trabalhando em parceria com a iniciativa privada.

Referências

  1. Lodovici, E. Samek, Bernareggi, G. M. (1992): Parceria Público-privado, Summus Editorial, 1992.

Trabalho apresentado no Encontro Técnico da 27ª Fenasan – Feira Nacional de Materiais e Equipamentos para Saneamento, realizado em agosto de 2016, em São Paulo.