Estudo de caso de instalação fotovoltaica de 2,16 kWp


A inserção da energia fotovoltaica na matriz energética brasileira ganhou destaque através da Resolução Normativa 482 da Aneel e dos leilões de energia de reserva, que contrataram quase 3 GWp. No entanto, ainda existem muitos desafios para sua evolução. Este artigo visa apresentar resultados práticos e teóricos que comprovam a eficácia das ferramentas computacionais e equipamentos utilizados para projeto e implantação de usinas fotovoltaicas distribuídas.


Hiury S. Gomes, Fernando C. Melo, Luiz C. Freitas, Ernane A. A. Coelho, Valdeir J. Farias e Luiz C. G. Freitas, da UFU Universidade Federal de Uberlândia

Data: 10/10/2017

Edição: FV Setembro 2016 No6

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Não obstante aos avanços alcançados na área de regulamentação de conexão de sistemas fotovoltaicos distri‐ buídos e dos leilões de usinas fotovol‐ taicas de grande porte, dados da Aneel (2015) davam conta de que apenas 0,01% da energia elétrica consumida no Brasil advém da energia solar. Com o objetivo de esclarecer dúvidas que dificultam a expansão de geradores fo‐ tovoltaicos distribuídos no Brasil, este artigo apresenta o desenvolvimento e o desempenho de uma usina fotovoltaica de 2,16 kWp conectada à rede elétrica de baixa tensão, instalada nas depen‐ dências do Núcleo de Pesquisa em Ele‐ trônica de Potência, da Faculdade de Engenharia Elétrica, da Universidade Federal de Uberlândia (Nupep‐FEELT‐ UFU). Também são mostrados dados preliminares de irradiação e tempera‐ tura obtidos a partir de uma estação solarimétrica implantada no local de instalação dessa microusina.

Fig. 1 – Reprodução das instalações do Nupep para avaliação computacional do potencial de geração de energia elétrica

Fig. 2 – Análise do acesso solar no local de instalação

Projeto e especificação do sistema fotovoltaico

O excedente de energia elétrica ge‐ rado por Sistemas Fotovoltaicos Conec‐ tados à Rede Elétrica (SFCR) é injetado na rede da concessioná‐ ria local, dispensando assim o uso de ele‐ mentos acumulado‐ res (como baterias), o que representa uma vantagem, visto que tais equipamentos apresentam tempo de vida útil relativamente curto e cus‐ to elevado.

Para este projeto, foram conside‐ rados os índices de irradiação solar, obtidos do Inpe Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais [2, 5], e de temperatura do local de instalação. Foi utilizado o programa PVSyst, e os resultados obtidos foram comparados com dados teóricos apresentados na referência [7], para comprovar sua coerência.

Fig. 3 – Curvas de sombreamento no local de instalação, utilizadas para avaliação computacional de desempenho do sistema: a) ponto 3 e b) ponto 8

Fig. 4 – Local de instalação: a) em vermelho, a posição de instalação dos painéis; b) módulos instalados; e c) inversor e componentes de sensoriamento e monitoramento

Segundo do dados do Inpe, Uberlândia é uma das melhores regiões dPaís em termos de potencial para produção de energia fotovoltaica, com irradiação global média no plano horizontal em torno de 1984,5 kWh/m2 por ano, proporcionando, em média, 1500 kWh/kWp/ano.

Análise de acesso solar

As instalações do Nupep Núcleo de Pesquisa em Eletrônica de Potência — local de implementação da usina fotovoltaica (UFV) de 2160 Wp — foram reproduzidas para análise computacional do potencial de geração de energia elétrica (figura 1). A UFV conta com 16 módulos fotovoltaicos em série da Kyocera (oito de 135 Wp e oito de 140 Wp), orientados para o norte com desvio azimutal de –13o e inclinação de 20o, alimentando um inversor Fronius IG 2000, que permite conexão com a rede elétrica.

A escolha do local de instalação levou em conta a análise do acesso solar, obtido por meio da medição da irradiação solar em oito diferentes pontos na superfície do telhado. A figura 2 ilustra pontos de medição e o mapa do acesso solar.

Devido às características da edificação escolhida e à existência de árvores de grande porte nas proximidades do telhado, há uma região onde a incidência de luz solar é extremamente reduzida, devendo ser evitada, a fim de maximizar a geração de energia elétrica e diminuir perdas decorrentes de sombreamento dos módulos.

A figura 3 ilustra o percurso solar ao longo do ano em dois pontos de medição, destacando as obstruções causadas pela árvore de grande porte próxima ao ponto 3 e interferências mínimas em frente aos módulos (ponto 8).

Sistema fotovoltaico

Fig. 5 – Curvas características do módulo fotovoltaico Kyocera KD 135SX-UPU em diferentes condições de irradiação solar: a) curva V vs. I; b) curva V vs. P; e c) eficiência vs. temperatura

A figura 4 mostra o local da instalação. Todos os componentes utilizados foram especificados para obtenção de máxima geração de energia elétrica com o mínimo de perdas, seguindo as normas nacionais e internacionais [4, 6, 8, 9, 10].

Os valores de tensão e corrente para o ponto de máxima potência dos módulos consideram as Condições Padrão de Testes (STC), conforme tabela I. Nesse sentido, a avaliação do valor da tensão de circuito aberto deve levar em conta a faixa de temperatura no local da instalação e o coeficiente de temperatura fornecido pelo fabricante. A figura 5 apresenta as curvas características de Corrente (I-V) e Potência (P-V) do módulo em função da tensão nos terminais em diferentes condições de irradiação solar para uma temperatura média de operação de 45o C, mostrando a forte influência da temperatura no desempenho do gerador fotovoltaico.

Já a tabela II apresenta os principais parâmetros do inversor solar utilizado, que é responsável pela extração da máxima potência instantânea dispo‐ nibilizada pelo arranjo fotovoltaico e pelo paralelismo e sincronismo com a rede elétrica. Mais detalhes sobre o dimensionamento de cabos e os dispo‐ sitivos de proteção utilizados podem ser encontrados na referência [7].

Resultados obtidos

Análise de desempenho

O sistema começou a operar, em caráter experimental, em 28 de maio de 2013; a partir de janeiro de 2014, foi definitivamen‐ te conectado à rede. Desde então, a geração de energia elétrica tem sido monitorada e os dados da geração diária armazenados em um sistema de aquisição dedicado. A ele‐ vada eficiência do sistema foi comprovada através da com‐ paração dos resultados obti‐ dos com os dados de projeto. Em 2014, a microusina foto‐ voltaica gerou 3077,11 kWh, equivalente a 1454,21 kWh/ kWp/ano, resultado bastante satisfatório para a região de Uberlândia.

Fig. 6 – Comparação entre valores medidos e estimados via plataforma computacional com dados do Inpe

As perdas por mismatch (associação de módulos dife‐ rentes no painel fotovoltaico), a baixa eficiência dos módulos utilizados (14%) e a diferença entre a potência real e a in‐ formada pelo fabricante são os principais fatores que con‐ tribuíram para a geração de energia média anual inferior a 1500 kWh/kWp/ano. Contudo, vale ressaltar que, de acordo com os dados de projeto, a geração de energia elétrica anual média es‐ perada era de aproximadamente 1489 kWh/kWp/ano e as Taxas de Desempenho (TD) (performance ratio) estimada e medida, res‐ pectivamente, de 71,5% e 69,18% (veja tabela III). O fator de capacidade aferido durante 2014 está em conso‐ nância com o de projeto, assim como os resultados práticos obtidos (figuras 6 e 7). Dessa forma, esses valores indi‐ cam que é necessário analisar a eficiên‐ cia do inversor solar, assim como os padrões de insolação e de temperatura de operação dos módulos ao longo do ano.

Fig. 7 – Perfil de produtividade mensal da UFV obtido por meio do sistema de aquisição e armazenamento de dados

A figura 8 mostra o perfil diário de irradiação e temperatura de operação das células no dia 30 de maio de 2015. Esses dados serão comparados aos disponibilizados pelo Inpe e utilizados para aferição da real potência inciden‐ te nos módulos e, por consequência, do desempenho do sistema. Vale res‐ saltar a elevada TD obtida nos meses de junho e julho, que contribuíram para elevar a TD global. A irradiação global incidente no plano horizontal nos referidos meses foi, na prática, maior que a estimada pelo Inpe.

Fig. 8 – Perfil diário da potência injetada e de insolação sobre os módulos fotovoltaicos

Fig. 9 – Perfil diário da potência injetada e da temperatura de operação das células fotovoltaicas

Dados de medições das curvas ca‐ racterísticas dos módulos fotovoltaicos que compõem a string da UFV são apresentados na figura 10. Observase a diferença de 1,7% entre a potência máxima informada pelo fabricante e a potência máxima medida em STC. Em trabalhos futuros, esses dados serão imprescindíveis para avaliação final da eficiência do sistema Durante os testes rea lizados, os valores de irradiância e temperatura de operação das células fotovoltaicas obtidos foram de 746 W/m2 e 53oC, respectivamente.

Fig. 10 – Curvas características dos módulos fotovoltaicos KDI40SX-UPU: azul, fornecidas pelo fabricante; verde e vermelho, obtidas em laboratório para condições, respectivamente, de teste padrão e de operação durante a realização do ensaio

Análise da qualidade de energia injetada na rede

Aqui são apresentados os resultados de medições de parâmetros no ponto de conexão da UFV à rede de distribuição interna do campus, como Distorção Harmônica Total da Tensão (DTT), Distorção Harmônica Total da Corrente (DTC) e frequência.

Fig. 11 – Tensão e corrente (a), componentes harmônicas de tensão (b) e corrente (c) no ponto de conexão do inversor com a rede elétrica

A figura 11a mostra a forma de onda da tensão e corrente na saída do inversor; as figuras 11b e 11c apresentam o conteúdo harmônico da tensão e corrente no ponto de conexão com a rede. A distorção harmônica da tensão medida atingiu cerca de 2,99%, e a da corrente medida, 6,42%. Conforme esperado, a distorção harmônica da tensão na saída do inversor ficou abaixo dos 5% previstos pela norma. Já a distorção harmônica da corrente é variável, fortemente atrelada às características das cargas ligadas no circuito. Portanto, conforme a referência [11], elevados valores de DTC podem ser atribuídos às cargas não lineares presentes na instalação (reatores eletrônicos, fontes de alimentação chaveadas, etc.). A DTC deve ser aferida durante os ensaios de conformidade dos inversores solares determinados pelo Inmetro.

Desdobramentos do projeto

Para a Universidade Federal de Uberlândia

Encontra-se em desenvolvimento um projeto para implantação de uma microusina fotovoltaica de 84 kWp (330 módulos FV de 255 Wp) conectada à rede elétrica de baixa tensão nas dependências da Reitoria da Universidade Federal de Uberlândia. Com a execução deste projeto, estima-se economia média de 110 MWh/ano, o que equivale a cerca de 15% do consumo da edificação.

Para o Grupo de Pesquisa

Além dos trabalhos de pesquisa e desenvolvimento de inversores e técnicas de controle para extração e injeção de potência na rede elétrica, realizados em parceria com a empresa BRC Energia Limpa, estão sendo feitas avaliações de desempenho de micro e miniusinas fotovoltaicas distribuídas. Sistemas instalados em Uberlândia e região estão sendo monitorados, e os resultados práticos já obtidos confirmam o grande potencial das regiões Sudeste e CentroOeste para geração fotovoltaica, conforme ilustra a figura 12, onde as barras em azul representam os valores de projeto e as barras em verde, o volume de energia elétrica gerado pelo sistema monitorado.

Análise de desempenho de UFV instalada em Uberlândia, MG, de 2,7 kWp com módulos de silício monocristalino

Com a expansão da microusina fotovoltaica, que agora conta com 48 módulos (16 da Canadian Solar, oito da SunEarth, oito da Amerisolar e 16 da Kyocera), foi iniciada uma nova etapa de avaliação de desempenho de geradores fotovoltaicos (Processo FEELT-47/15), a fim de determinar procedimentos para identificação de perdas e suas respectivas causas. Os resultados das pesquisas serão reportados em duas dissertações de mestrado e dois trabalhos de iniciação científica, ambos em desenvolvimento desde de julho de 2015.

Conclusões

Este artigo apresentou resultados práticos e teóricos que indicam a eficácia das ferramentas computacionais e de equipamentos utilizados para projeto e implantação de usinas fotovoltaicas distribuídas. Os dados obtidos foram comparados aos de projeto, comprovando a elevada eficiência do sistema. Em 2014, a microusina fotovoltaica gerou 3077,11 kWh, equivalente a 1454,21 kWh/kWp/Ano. O fator de capacidade aferido durante esse período foi de 16,22%, em consonância com o valor de projeto.

No contexto da qualidade da energia elétrica injetada, conforme esperado, a distorção harmônica da tensão na saída do inversor ficou abaixo dos 5% previstos pela norma. Já a distorção harmônica da corrente é variável, fortemente atrelada às características das cargas não lineares presentes na instalação (reatores eletrônicos, fontes de alimentação chaveadas, etc.), devendo ser aferida durante os ensaios de conformidade dos inversores solares. Entretanto, diante do substancial aumento do número de microgeradores distribuídos conectados à rede elétrica de baixa e média tensão, é importante investigar a propagação das correntes harmônicas geradas pela planta fotovoltaica e suas consequências no ponto de conexão comum entre concessionária e agente gerador/consumidor; estudar o comportamento dos inversores solares diante de distúrbios diversos da rede de conexão, como VTCDs (Variações de Tensão de Curta Duração), distorções preexistentes, transitórios, etc.; e obter aprofundamentos relativos à reprogramação/re-especificação do sistema de proteção local, seja relacionado à concessionária ou vinculado às cargas especiais in loco.

Referências

  1. Martinot. E.; Sawin, J. L.: Renewables Global Status Report. REN 21 (Renewable Energy Policy Network for the 21st Century), Frankfurt School, p. 18-25, 2013. Disponível em http:// www.ren21.net/ REN21Activities/GlobalStatusReport.aspx. Acesso em 4/10/2013.
  2. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Projeto SWERA/Inpe. Disponível em http:// maps.nrel.gov/ SWERA. Acesso em 7/8/2014.
  3. Salamoni, I.T.; Rüther, R.: O potencial brasileiro da geração solar fotovoltaica conectada à rede elétrica: Análise de paridade de rede. IX Encontro Nacional e V Latino Americano de Conforto no Ambiente Construído. 2007.
  4. Rovere, E. L. L.; Valle, C.; Pereira, A.: Subsídios para o planejamento da promoção da energia solar fotovoltaica no Brasil. Relatório Técnico do Projeto “A Carta do Sol”; Elaborada pela Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia (Cop-pe) – UFRJ; assinada pelos secretários estaduais do Meio Ambiente, Carlos Minc, e de Desenvolvimento Econômico, Energia, Indústria e Serviços, Júlio Bueno, 2011.
  5. Pereira, E. B.; Martins, F. R., Abreu, S.; Rüther, R.: Atlas Brasileiro de Energia Solar. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Inpe, 1a Edição, 2006.
  6. Almeida, M. P.: Qualificação de sistemas fotovoltaicos conectados à rede elétrica. 2012. 161 f. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Energia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
  7. Spaduto, R. R.; Melo, F. C.; Carvalho, R. A.; Freitas, L. C. G.: Projeto de um sistema fotovoltaico de 2,16 kWp conectado à rede elétrica. XI CEEL XI Conferência de Estudos em Engenharia Elétrica, Uberlândia, 2013.
  8. Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 5410: Instalações elétricas de baixa tensão. Rio de Janeiro, 2004.
  9. IEEE. IEEE Std 929: Recommended Practice for Utility Interface of Photovoltaic (PV) Systems. 2000.
  10. Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 16149: Sistemas Fotovoltaicos (FV) Características da interface de conexão com a rede elétrica de
  11. Melo, F. C.; Spaduto, R.; Freitas, L.C.G.; Tavares, C. E.; Macedo Jr., J. R.; Rezende, P. H.: Harmonic distortion analysis in a low voltage grid-connected photovoltaic system. Revista IEEE América Latina, v. 13, p. 136-142, 2015.