Norma IEC 61850: testes de velocidade das mensagens Goose


O principal protocolo de comunicação da norma IEC 61850, o serviço de mensagens Goose, e seus benefícios são aqui examinados. O artigo aborda os sistemas de automação de subestações, descreve a IEC 61850 e a forma de comunicação entre os IEDs, explora a modelagem de comunicação por definição de objetos e a arquitetura básica, e apresenta, por fim, os testes realizados com mensagens Goose e seus resultados.


Alan Faria Comaccio,da CemigAntônio Francisco da Silva e Douglas Teixeira da Costa, Cia. Energética de Minas Gerais

Data: 24/06/2017

Edição: EM Maio 2017 - Ano - 45 No 518

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Instalação onde se realizaram os testes de velocidade e repetividade de envios de mensagens Goose: eficácia comprovada

Diversas gerações de tecnologias convivem atualmente no interior das subestãções, à medida que estas vêm sendo ampliadas, em atendimento à crescente demanda do sistema elétrico. No que se refere à proteção das subestações, há claramente equipamentos e sistemas que não interagem entre si, o que enfra quece a segurança operacional. Em paralelo, nas áreas de supervisão e controle, vários protocolos de comunicação foram desenvolvidos. A existência dessas diversas gerações de tecnologias e as dificuldades de integração que isso acarreta levou ao desenvolvimento de novas soluções em arquitetura de comunicação, no sentido de uniformizar e integrar todos os dispositivos nas su bestações, como veremos aqui.

Sistemas de automação de Subestações

Os Sistemas de Automação de Subestações (SAS) per mitem o controle através de elementos físicos, sem a necessidade da interferência humana, aumentando a confiabilidade e reduzindo a duração das perturbações ou falhas. Para isso, são utilizados protocolos de comunicação entre dispositivos eletrônicos inteligentes (IEDs, na sigla em inglês).

Protocolos são conjuntos de regras que controlam a comunicação, de modo a governar a sintaxe e a semântica no intercâmbio de dados. Várias indústrias fornecedoras do setor elétrico desenvolveram protocolos proprietários, com o objetivo de ampliar sua atuação e sua faixa de domínio do mercado.

Devido à falta de padronização dos protocolos proprietários, os IEDs de fabricantes distintos passaram a oferecer problemas para integração em um único sistema, e muitas vezes essas dificuldades somente são resolvidas com grande esforço técnico, envolvendo, por exemplo, o uso de conversores de protocolos. A figura 1 ilustra diversos dos protocolos de comunicação existentes no mercado.

Fig. 1 – Tipos de protocolos de comunicação

Criadas por entidades técnicas ou regulamentadoras, surgiram normas para padronizar a comunicação entre os equipamentos de fabricantes diferentes, diminuindo a predominância dos interesses destes sobre os dos clientes e permitindo aos usuários maior flexibilidade na aquisição dos produtos no mercado. A principal dessas normas atualmente é a IEC 61850 [3], que se baseia principalmente nos protocolos MMS Manufacturing Message Specification (Especificação da Mensagem de Fabricação) e Goose Generic Object Oriented Substation Events (Eventos de Subestação Orientados a Objetos Genéricos).




Visão geral da norma IEC 61850

Publicada pela primeira vez em 2003, a IEC 61850 introduziu os princípios de interoperabilidade e intercambiabilidade entre IEDs, permitindo a utilização em conjunto dos mais variados equipamentos, com garantia de desempenho satisfatório do sistema. Segundo a norma, interoperabilidade é a capacidade de dois ou mais IEDs (de um mesmo fornecedor ou de fornecedores diferentes) trocarem informações e usar essas informações para sua própria funcionalidade. A interoperabilidade dos dispositivos deve ser assegurada mesmo que haja defasagem tecnológica entre eles [4]. Já intercambiabilidade refere-se à possibilidade de substituir um IED por outro (do mesmo fornecedor ou de fornecedor diferente), sem que haja perda da funcionalidade ou impactos para o sistema elétrico.

[N. dos A.: A norma prevê que, mesmo quando as trocas de IEDs são possíveis, algumas ações de engenharia ainda podem ser necessárias, pois dependem da implementação de um padrão, estando este sempre sob a responsabilidade da engenharia dos IEDs e não da norma IEC 61850.]

A IEC 61850 foi dividida em dez partes, listadas na tabela I.

Estrutura de dados

Fig. 2 – Representação dos equipamentos em nós lógicos

Um dos pilares da arquitetura da IEC 61850 é a modelagem da comunicação por definição de objetos. É estabelecido um dicionário de nomes e estrutura hierárquica de objetos que são referenciados como equipamentos do sistema elétrico (por exemplo, chaves, disjuntores) e funções de proteção (como proteção de distância e proteção diferencial), e não pontos genéricos, como acontece em outros protocolos.

Os pontos são classificados hierarquicamente em [5]:

Fig. 3 – Modelos de dados internos no IED

Dentro de cada dispositivo físico pode haver um ou mais dispositivos lógicos, e cada dispositivo lógico pode conter um ou mais nós lógicos.

Os dados padronizados para comunicação são agrupados nos nós lógicos, de acordo com sua relação com as funções de aplicação. Segundo a norma, os nós lógicos podem ser vistos como contêineres de dados fornecidos por uma função dedicada para troca (comunicação), e o nome de um nó lógico é a descrição do rótulo anexado a este contêiner, que informa a qual função os dados pertencem.

A norma traz uma tabela com 167 nós lógicos (LN), que são identificados por acrônimos de quatro letras, subdivididos em dezesseis grupos de categorias (essa listagem é atualizada nas revisões periódicas da IEC 61850, de modo que a quantidade de nós lógicos e/ou grupos de categorias pode variar). Esses LN possuem uma sintaxe sistemática, como, por exemplo:

É utilizado um conceito de virtualização, segundo o qual cada dispositivo da subestação é modelado como um nó lógico dentro do IED. A figura 2 ilustra como os equipamentos de campo são implementados no IED na forma de nós lógicos.

Fig. 4 – Modelo de interface de um SAS segundo a IEC 61850

Fig. 5 – Características de transmissão da mensagem Goose

A figura 3 ilustra o modelo de dados internos em um IED, onde os dispositivos físicos são virtualizados em dispositivos lógicos (LD). Um conjunto de funções ou subfunções que trocam informações formam o nó lógico (LN). Os LN contêm uma lista de dados baseada em sua funcionalidade com os respectivos atributos. Os objetos de dados de acordo com a IEC 61850 72 [6] têm uma semântica definida dentro do contexto de sistema de automação de subestação. Por exemplo, o nó lógico que representa a função do disjuntor é, como vimos, denominado “XCBR”. Um dos dados associados ao nó lógico “XCBR” é “POS” (posição). “POS” contém uma variedade de atributos, incluindo “Loc” (operação local ou remota), “OpCnt” (contagem de operações), “BlkOpn” (comando de abertura) e “BlkCls” (comando de fechamento).


Comunicação

Em uma arquitetura baseada na IEC 61850, são possíveis tipos diferentes de mensagens, que são utilizadas de acordo com o tipo de comunicação. Dentre os principais tipos de mensagens podemos citar as de comunicação vertical e de comunicação horizontal.

Comunicação Vertical De acordo com a parte 5 da norma, que padroniza a comunicação entre os IEDs e define os requisitos de sistema relacionados, as funções do sistema de automação de subestações podem ser alocadas logicamente em três diferentes níveis: estação, vão/unidade e processo. A comunicação vertical ocorre entre dispositivos pertencentes a níveis diferentes e são realizadas no modo cliente-servidor. Na figura 4, o servidor corresponde aos IEDs (nível de vão) que fornecem informações para o sistema supervisório, o qual corresponde ao cliente da comunicação (nível de estação). Essa comunicação geralmente não tem restrições críticas de tempo.

Comunicação horizontal – No sistema de comunicação horizontal previsto na norma, os IEDs requerem e trocam, entre si, informações em funções específicas. A mensagem Goose tem prioridade, pois é utilizada para transmitir dados de comando que tornam o sistema mais confiável, como, por exemplo, de abertura de equipamentos de proteção para desligamentos em casos de emergências no sistema. Como não há confirmação de envio do evento nas mensagens Goose, estas utilizam, para fins de confiabilidade, um recurso que consiste na sua retransmissão por diversas vezes. A cada reenvio da mensagem, o intervalo de tempo de espera aumenta, visando minimizar colisões e, com isso, evitar perdas de informações. Depois de atingido o intervalo máximo, a mensagem é repetida indefinidamente mantendo esse intervalo. Se o envio do sinal é descontinuado, o receptor assume que a conexão foi perdida, reiniciando o processo, garantindo a entrega das mensagens. Com o alto desenvolvimento da tecnologia dos equipamentos de rede, como no caso dos switches gerenciáveis, as ocorrências de perda de informações por colisão são raras. A figura 5 demonstra a sequência de envio dessas mensagens.

sagens. Os instantes de tempo da figura 5 são definidos como:

Caso não ocorram novos eventos, as mensagens retornam ao tempo máximo, chamado “teste de integridade”.

A alta velocidade de transmissão de dados das mensagens Goose deve-se ao fato de estas estarem mapeadas diretamente nas camadas de enlace e física do modelo OSI Open Systems Interconnection da ISO, eliminando o processamento de camadas intermediárias. Por tanto, as mensagens somente possuem capacidade de implementar recursos suportados pelas camadas de enlace e física.

A garantia de velocidade e confiabilidade das mensagens Goose na IEC 61850 reside no fato de que estas são do tipo multicast, isto é, são enviadas a todos os IEDs presentes na rede, cabendo a estes analisar o conteúdo e decidir se devem utilizálo ou descartá-lo.

Testes de desempenho segundo O campo a norma de aplicação IEC-61850

O campo de aplicação da norma IEC 61850 é extenso e são inúmeras as possibilidades de demonstração das suas funcionalidades. Este trabalho demonstrou o funcionamento das mensagens Goose, no contexto da norma, especificamente sob o aspecto da repetitividade de envio de mensagem frente a um evento no sistema.

Foi realizada uma implementação real de comunicação segundo a IEC 61850, com captação da velocidade das mensagens Goose, em que um IED enviou sinais digitais a outro IED, para que este acionasse um determinado equipamento.

As especificações do equipamento e software utilizados nos testes estão descritas na tabela II.

Na interligação dos equipamentos para testes, foram utilizados cabos de fibra óptica de duas vias e cabos de cobre de pares trançados.

Para análise dos dados, utilizouse o programa Wireshark, um analisador de protocolos de rede (mensagens Goose inclusas) amplamente conhecido, que possibilita a visualização do tráfego de dados, com captura em tempo real e análise off-line, e diversas aplicações de filtros.

Testes

Foram realizados dois testes, com aplicação de sinal por meio da excitação de uma entrada digital de um IED (24 VCC) e o envio desse sinal a outro IED, com instruções para atuação (simulada) sobre um dispositivo físico, o que resultaria em intervenção no sistema elétrico. No teste número 1, utilizaram-se dois IEDs 850, portanto com as mesmas características. No teste número 2, foram empregados IEDs de modelos diferentes: um 850 e um D60.

Fig. 6 – Esquema da montagem

Fig. 7 – Teste 2: eventos versus tempo (ms)

A figura 6 demonstra o arranjo básico dos testes, sendo que cada um teve sua configuração lógica específica no momento da realização.

Em ambos os casos, as retransmissões das mensagens foram registradas através do programa Wireshark, tanto no momento em que foi excitado o IED (ocorrência de um evento) quanto no momento em que essa excitação foi retirada (normalização do evento). Foram, assim, armazenados dados de duas retransmissões em cada teste.

O gráfico da figura 7 apresenta os registros, e a figura 8 representa os tempos de cada intervalo, para o teste 1.

Fig. 8 – Tempo de mensagens de excitação do teste 1

Analisando os dados da figura 7 e relacionando-os com a figura 8, observa-se que o intervalo T0 representa os eventos de 1 a 3. A partir do intervalo (T0), onde houve a alteração do sinal no ponto, iniciou-se a repetição do envio da mensagem com intervalo reduzido, T1. Esse intervalo para o teste número 2 estão representados nas figuras 9 e 10, respectivamente.

Como mostram as figuras, no teste 2 observou-se comportamento das mensagens Goose similar ao verificado no teste 1, porém com intervalos menores. Essa diferença é devida ao fato de que no teste 1 utilizaramse dois IEDs idênticos, e no teste 2 foram empregados IEDs de modelos distintos, com funções específicas, o que alterou a velocidade de envio das mensagens.

Conclusão

A evolução das tecnologias embarcadas nos equipamentos deve facilitar a manutenção e operação do sistema elétrico. A IEC 61850 tem tido uma aceitação crescente por parte das concessionárias de energia elétrica. Observa-se claramente uma necessidade e, ao mesmo tempo, uma tendência de padronização de protocolos, visando o aumento da interoperabilidade e intercambiabilidade, o que reforça a importância da aplicação da norma.

Fig. 9 – Teste 2 : eventos versus tempo (ms)

Fig. 10 – Tempo de mensagens excitação do teste 2

As mensagens Goose atendem aos requisitos de rapidez e confiabilidade da automação de subestações atual. Sua característica de retransmissão a intervalos menores quando da ocorrência de eventos permite responder às especificidades do sistema elétrico com grande desempenho.