Proteção contra faltas a arco: estado da arte e perspectivas


Arcos internos em conjuntos de manobra de média e baixa tensão podem significar eventos catastróficos, com vítimas fatais, destruição completa do equipamento, e longas interrupções de serviço na indústria. Com a tecnologia adequada e procedimentos de prevenção e proteção, os efeitos térmicos e dinâmicos do arco podem ser mitigados. Este artigo oferece uma visão abrangente da normalização atual e indica tendências.


Celso Luiz Pereira Mendes, consultor de EM

Data: 18/04/2017

Edição: EM Março 2017 - Ano 45 - No 516

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O domínio sobre o arco elétrico constituiu desde sempre um imenso desafio para os fabricantes de dispositivos e conjuntos de manobra de alta e baixa tensão. O investimento em pesquisa e desenvolvimento nas últimas décadas, que envolveu também universidades e laboratórios de diversos países e se refletiu nos comitês de normalização, propiciou avanços significativos nessa tecnologia, visando a operação segura e eficiente desses equipamentos.

No campo da construção de disjuntores de alta e extra-alta tensão, por exemplo, a relevância e a complexidade desse tema ficam evidentes na referência [4], na qual o autor dedica inicialmente nada menos que 90 páginas ao estudo dos fundamentos físicos e da modelagem matemática do arco. Só então é analisada a extinção do arco na câmara do disjuntor, em condições tão críticas quanto o curto-circuito quilométrico, sob o impacto das ondas trafegantes, ou a interrupção de pequenas correntes indutivas, com severos transitórios de tensão (TRT) causados pelas reignições ou reacendimentos do arco.

Por outro lado, no que tange à ocorrência de faltas a arco em conjuntos de manobra e controle (CMC), o objetivo é desenvolver medidas de prevenção e técnicas de proteção para os operadores, salvaguarda do patrimônio e garantia de máxima continuidade de serviço do sistema. De fato, na ausência dessas medidas, o arco interno num cubículo de média tensão, ou num quadro de distribuição ou CCM de baixa tensão, pode ser um evento catastrófico, com risco de acidentes fatais e perda total do equipamento.

Fig. 1 – Curvas típicas de temperatura e pressão de um arco interno

O poder destrutivo do arco

Para avaliar o efeito devastador da energia do arco em conjuntos de 15 kV, assumindo que a falta evolua para um curto-circuito trifásico, com dois arcos parciais de tensão média de 1 kV e corrente de 20 kA, basta ter em mente que a potência resultante neste exemplo é de 40 MW. Se o fenômeno permanecer ativo durante um segundo ou mais, a experiência de campo mostra que o conjunto é destruído irrecuperavelmente.

A temperatura do arco pode ultrapassar 20 000 K, ou cerca de quatro vezes a temperatura da superfície do sol e quase vinte vezes o ponto de fusão do cobre. Além dos efeitos térmicos diretos do plasma, com vaporização instantânea de metais e polímeros e risco de perfuração do invólucro do CMC, o ar que circunda o arco se expande explosivamente (arc blast). O cobre vaporizado tem um volume 67 mil vezes maior do que o cobre no estado sólido.

Esforços dinâmicos

Num lapso de 10–15 ms a onda de pressão alcança seu pico, que depende do valor eficaz da corrente e do volume do cubículo (figura 1). Os esforços dinâmicos deformam a estrutura, e a pressão expele partes do invólucro e fragmentos internos incandescentes, bem como gases e resíduos tóxicos sob alta temperatura e velocidades superiores a 300 m/s.

O arco produz ainda radiação luminosa extremamente brilhante, da ordem de 100 mil lux (o que explica o termo alemão que o designa: Lichtbogen, literalmente, arco de luz), e ondas de choque acústicas de alta potência com picos acima de 130 db para correntes de arco de 20 kA [3].

A segurança contra arcos internos

Tab. I - Medidas de segurança contra arcos internos
Prevenção Proteção
Design Design
Treinamento Detecção
Manutenção Relés digitais
Supervisão, técnicas preditivas Disjuntores
Supressores

A tabela I resume o conceito de segurança contra faltas a arco no interior de conjuntos de manobra, dividido em dois blocos: medidas de prevenção e medidas de proteção. No primeiro estão os critérios para impedir a ocorrência do arco; no segundo, as técnicas destinadas a mitigar os efeitos do arco após sua ignição.

Por razões de concisão, mas sem deixar de enfatizar a importância crucial do treinamento de pessoal de operação e manutenção, dos procedimentos de manutenção regular e da estrita aderência aos requisitos da norma NR 10 do MTE [20], são comentados a seguir três aspectos basilares da segurança contra arco:

A origem do design à prova de arco

Com objetivos de cooperação técnica mútua, foi fundada em 1960 na Alemanha uma associação denominada PEHLA Gesellschaft für elektrische Hochleistungsprüfung (Sociedade para Ensaios Elétricos de Alta Potência). Essa associação, com sede em Mannheim, congrega atualmente laboratórios da ABB, Areva, GE Grid, Siemens, Schneider Electric, FGHMannheim e IPH-Berlim.

Mais tarde, essa cooperação foi am pliada com a criação do Short-Cir cuit Testing Liaison (STL), entidade da qual participam, além da alemã PEHLA, importantes laboratórios de ensaio de alta potência do Reino Unido, Holanda e Itália [21].

Com sólida experiência em sistemas de potência, a PEHLA foi pioneira na publicação de diretrizes (Richtlinien), em 1969 e 1984, estabelecendo os primeiros critérios para ensaios de arco interno. Cabe ressaltar que tais critérios foram então incorporados pela norma IEC 298, e permanecem vigentes há mais de 30 anos, com pequenas alterações, na atual norma IEC 62271200 [19].

Fig. 2 – No ensaio de arco, os indicadores de algodão não devem inflamar-se com gases quentes

Critérios para CMC de média tensão

Conforme a referida norma IEC, a classificação IAC (Internal Arc Classification) determina as condições em que um conjunto de manobra é ensaiado e define o respectivo nível de segurança. Os critérios contemplados para aprovação no ensaio de arco são basicamente os seguintes:

Adicionalmente, o ensaio pode atestar que a estrutura compartimentada do CMC limita os efeitos térmicos e dinâmicos do arco ao compartimento em que ocorreu a ignição.

A construção à prova de arco interno de um CMC é uma medida passiva, mas essencial como o airbag de um veículo. Ela deve ser complementada por outros recursos ativos que limitem o tempo de ação do arco, como foi previsto desde o início, e por medidas preventivas e preditivas para restringir as possibilidades de sua ocorrência. A tecnologia avança nessa direção.

Critérios para CMC de baixa tensão

Para conjuntos de manobra de BT, vale o documento TR IEC 61641 [24]. Trata-se de um Technical Report, e não de uma norma, cuja aplicação deve ser acordada entre o fabricante e o usuário. O ensaio de arco abrange cinco critérios básicos análogos aos especificados para CMC de média tensão, complementados por dois requisitos: o arco deve se restringir ao compartimento em que houve a ignição, sem se propagar para áreas adjacentes; após a extinção da falta a arco e a desconexão da unidade afetada, e realizado um ensaio dielétrico (1,5 x UN por 1 min), o CMC deve poder operar parcialmente em caráter emergencial.

Note-se que o desempenho do CMC no ensaio de arco pressupõe que todas as portas e tampas estejam fechadas e devidamente travadas, e que nem todos os riscos podem ser evitados, tais como a emissão de gases tóxicos gerados na decomposição térmica dos materiais.

O design como filosofia de prevenção

Tendo em vista que muitas intervenções para manutenção do CMC implicam que as portas ou tampas estejam abertas com o equipamento sob tensão, e que o risco de arcos acidentais com graves consequências é comum nessas condições, é possível aumentar a segurança de Centros de Controle de Motores de BT mediante os seguintes recursos construtivos [1]:

A isolação dos barramentos é altamente eficaz contra contatos acidentais com ferramentas. Contudo, a isolação não extingue um arco, e impede que ele se desloque naturalmente, movido pelo efeito de sopro magnético. Um arco estacionário pode causar erosão localizada severa num barramento [11].

Métodos de detecção e supressão do arco

No Brasil, os primeiros cubículos compactos de MT resistentes a arco interno foram fabricados na década de 1970, com ensaios de tipo realizados na Alemanha conforme diretrizes PEHLA. A lógica de proteção utilizada dispara o disjuntor do alimentador principal a partir da convergência de dois sinais: a) dos sensores de pressão instalados nos cubículos, que captam a ignição do arco, e b) dos transformadores de corrente a montante, que confirmam a presença de sobrecorrente. Esse esquema faz um by-pass nas proteções seletivas e assegura que o arco seja eliminado em cerca de 80 ms [15]. Por experiência, tempos de arco de até 100 ms em conjuntos compartimentados causam danos localizados e reparáveis com pequenas intervenções.

Sensores ópticos

Atualmente, predomina a aplicação de sensores ópticos (pontuais ou em laço), que captam a radiação luminosa do arco no instante da sua ignição e acionam a abertura do disjuntor, seguindo a mesma lógica de proteção descrita para os sensores de pressão. De modo análogo, a resposta do sensor óptico e do relé digital é muito rápida (por exemplo, 1–2 ms), de modo que o tempo de abertura do disjuntor é determinante da duração do arco. Uma proteção de retaguarda função 50 BF (falha de disjuntor) pode complementar o esquema.

Sistemas de proteção que associam a luz e a corrente do arco estão disseminados em muitos países. Entre os fatores a seu favor estão a alta velocidade de operação, decisiva para reduzir a energia incidente do arco; a não interferência na coordenação com outros dispositivos de proteção; e a possibilidade de instalação posterior (retrofit) em CMCs existentes.

Outras soluções possíveis, que se baseiam na limitação da corrente (não do tempo) do arco, demandam considerações que este artigo não comporta. Contudo, convém lembrar que o valor da energia incidente pode ser mais alto com correntes mais baixas e tempos de arco mais longos.

Fig. 3 – Esquema típico com sensores ópticos e supressor de arco. Para transformadores em paralelo, podem ser utilizados disjuntores de acoplamento no barramento e supressores de arco adicionais (Fonte: Arcteq)

Supressores de arco

A tecnologia dos supressores de arco permite obter o mais alto nível de proteção. Trata-se de dispositivos de manobra de atuação ultrarrápida, que estabelecem um curto-circuito intencional no barramento do CMC quando uma falta a arco interna é detectada pelos sensores ópticos. Com um curto-circuito trifásico franco no barramento o arco se extingue em 5 ms ou menos, enquanto o disjuntor a montante recebe um comando de abertura instantânea. A energia incidente é drasticamente reduzida (tipicamente, a 10% do valor virtual), assim como os riscos para os operadores e os efeitos térmicos e dinâmicos sobre o equipamento.

Diversos fabricantes mundiais oferecem esses supressores de arco, denominados em inglês arc eliminators, arc quenching devices, ultra-fast earthing switches, entre outros. Existem versões específicas para sistemas de média e de baixa tensão. A figura 3 mostra um exemplo.

A energia incidente

O conceito de energia incidente se refere à densidade de energia que impacta uma superfície a uma dada distância da fonte. Admite-se como seguro para as pessoas um limite máximo de 1,2 cal/cm2, que representa o limiar das queimaduras de segundo grau.

Uma contribuição decisiva para a evolução da segurança contra faltas a arco foi a publicação de um artigo de Ralph Lee, em 1982 [12]. Nesse memorável trabalho, o autor questiona a exposição do pessoal a acidentes graves durante serviços de manutenção e análogos; examina o impacto da energia incidente do arco sobre o corpo humano; propõe distâncias mínimas de segurança; e discute o desempenho das vestimentas de proteção. As considerações de Lee constituíram a base para elaboração de um método de cálculo da energia incidente, atualmente consolidado no guia IEEE 1584 – 2002 [8].

Note-se que, além do risco de queimaduras fatais, a explosão do arco também pode causar lesões irreversíveis nos olhos e no sistema auditivo, inalação de gases tóxicos, traumatismo cardiorrespiratório por compressão torácica, e sequelas psicológicas.

Uma discussão abrangente e comparativa dos métodos de ensaio de EPIs adotados na Europa foi publicada pela ISSA International Social Security Association [6]. No Brasil, as vestimentas de proteção são tratadas na norma NBR IEC 61482 [18].

É interessante examinar um estudo de cálculo de energia incidente e das respectivas medidas de proteção, recentemente implementadas nas subestações de uma mineradora no estado de Minas Gerais, descrito na referência [22].

Conclusão e perspectivas futuras

No curso das últimas décadas foram registrados avanços no desenvolvimento tecnológico e na normalização de medidas de segurança contra faltas a arco. Certamente, muitos eventos catastróficos e acidentes fatais puderam ser evitados, bem como onerosas interrupções de serviços essenciais, além dos benefícios de preservação do patrimônio e do meio ambiente.

As tendências atuais apontam para a supervisão em tempo real de parâmetros preditivos, que podem antecipar intervenções de manutenção antes que um defeito latente resulte na ignição de um arco. Entre esses parâmetros merecem destaque as descargas parciais.

Novos sensores ópticos, térmicos e acústicos podem ser utilizados. Dispositivos inteligentes (IEDs) e relés digitais microprocessados que incorporam múltiplas funções, inclusive proteção contra arco [13], permitem comunicação de alta velocidade por meio do protocolo GOOSE (Generic Object Oriented Substation Events) da norma IEC 61850. Uma abordagem analítica mais completa dessas tendências pode ser apreciada na referência [9].

Também devem prosperar as soluções que evitam a intervenção no CMC com portas abertas e a exposição do pessoal técnico aos riscos do arco, como foi descrito anteriormente.

Geradores fotovoltaicos

Para concluir, uma advertência sobre as instalações de energia solar. Vale observar que os geradores fotovoltaicos operam em corrente contínua, com tensões nominais de até 1000 V ou 1500 V. Sem a passagem natural da corrente por zero, um arco sustentado por uma fonte fotovoltaica é estável e de difícil extinção. São necessárias medidas de segurança específicas contra acidentes de trabalho e prevenção de incêndio. Em operações de combate a incêndio deve ser considerada a presença de tensão na instalação [2].

Referências

  1. Arc-preventative MCCs enhance personnel safety, protect equipment and support more reliable operations. Eaton Corp., 2012. Disponível em http://www.eaton.com
  2. Bewertung des Brandrisikos in Photovoltaik-Anlagen und Erstellung von Sicherheitskonzepten zur Riskminimierung. TÜV Rheinland, Fraunhofer ISE, Colônia, mar. 2015. Disponível em http://pv-brandsicherheit.de
  3. Böhme, H. - Mittelsspannungstechnik. Huss Medien, Berlim, 2005.
  4. Colombo, R. - Disjuntores em sistemas de potência. Siemens SA, São Paulo, 1990.
  5. Costa, L.F. - Conjuntos de baixa e média tensão: especificação e segurança do trabalhador. Eletricidade Moderna, São Paulo, dez. 2008, p. 84-93.
  6. Guideline for the selection of personal protective equipment when exposed to the thermal effects of an electric fault arc. ISSA, Colônia, 2011. Disponível em http://www.etf.bgetem.de
  7. Hochbaum, A.; Callondann, K. - Schadenverhütung in elektrischen Anlagen. VDE Verlag, Berlim, 2009.
  8. IEEE 1584 – Guide for performing arc flash ha zard calculations. 2002.
  9. Kumpulainen, L. - Aspects and directions of internal arc protection. Tese de doutorado, Universidade de Vaasa, Finlândia, nov. 2016. Disponível em http://www.uva.fi
  10. Kumpulainen, L. et al. - The big picture of arc-flash protection. IEEE PCIC Praga, 2012.
  11. Land III, H.B. – The behaviour of arcing faults in low-voltage switchgears. IEEE Trans. on Ind. Appl., mar/abr. 2008, p. 437-444.
  12. Lee, R.H. - The other electrical hazard: electric arc blast burns. IEEE Trans. on Ind. Appl., mai/jun. 1982, p. 246-251.
  13. Manson, S. et al. - Melhores práticas para proteção e controle do Centro de Controle de Motores. (SEL), IEEE PCIC Chicago, 2013. Disponível em
  14. Mardegan, C.S. - Proteção e seletividade em sistemas elétricos industriais. Schneider Electric/Atitude Editorial, São Paulo, 2012.
  15. Mendes, C.L.P. - Arco voltaico em cubículos de média tensão. Mundo Elétrico, São Paulo, jan. 1976, p. 12-14.
  16. Mendes, C.L.P. - Proteção contra faltas a arco em redes industriais. Eletricidade Moderna, São Paulo, jul. 1986, p. 20-30.
  17. NBR IEC 61439 -2 – Conjuntos de manobra e comando de baixa tensão, Parte 2: Conjuntos de manobra e comando de potência. ABNT, 2016.
  18. NBR IEC 61482 – 2 – Trabalhos sob tensão – Vestimenta de proteção contra os riscos térmicos de um arco elétrico. ABNT, 2016.
  19. NBR IEC 62271 – 200 - Conjunto de manobra e controle de alta-tensão, Parte 200: Conjunto de manobra e controle de alta-tensão em invólucro metálico para tensões acima de 1 kV até e inclusive 52 kV. ABNT, 2007.
  20. NR 10 - Segurança em instalações e ser viços de eletricidade. MTE, Brasília, 2004.
  21. PEHLA Gesellschaft für Hochleistungsprüfungen, Mannheim, 2017. Disponível em http://www.pehla.com
  22. Resende, F.B.; Souza, M.M. - Análise dos níveis de energia incidente em subestações elétricas. Eletricidade Moderna, São Paulo, nov. 2016, p. 46-51.
  23. Schau, H. – Störlichtbogenschutz vor thermischen Gefahren. Elektropraktiker, Berlim, ago. 2008, p. 687-691.
  24. TR IEC 61641-V2 – Enclosed low-voltage switchgear and controlgear assemblies – Guide for testing under conditions of arcing due to internal fault. IEC, 2014.
  25. Voss, G. – Aktueller Stand der Technik bei MS-Schaltanlagen. Elektropraktiker, Berlim, jul. 2008, p. 614-618.