Desenvolvimento de ligas com alta resistência ao impacto e à abrasão


Este trabalho teve como objetivo desenvolver ligas para deposição superficial, por meio de soldagem, que apresentem altas frações de materiais duros, boa ductilidade e capacidade de encruamento típicas do aço austenítico ao manganês e que, portanto, manifestam excelente índice de resistência a uma combinação de cargas abrasivas e de impacto. Uma vez que a capacidade de encruamento do aço austenítico ao mangânes depende essencialmente da razão entre os teores de manganês e carbono, o intuito foi otimizar os teores desses elementos de liga na matriz do revestimento final. A fração de material duro foi maximizada para alcançar a maior resistência à abrasão possível, levando em conta os limites metalúrgicos do processo de atomização da liga fundida utilizada na produção de pó.


B. Wielage, G. Wagner, S. Weis, S. Schubert e T. Uhlig

Data: 31/07/2017

Edição: CCM Junho 2017 - Ano - XIII No 146

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Fig. 1 – Diagrama funcional de um forno elétrico a arco com cadinho frio apresentando dispositivo para fundição sob baixa pressão (parte superior) e coquilha de fundição dividida com corpo de prova cilíndrico fundido sob baixa pressão (parte inferior).

Há muito tempo o aço austenítico ao manganês (Had field) tem sido usado como material construtivo, em revestimentos para a proteção de equipamentos e em componentes contra o desgaste decorrente de impacto ou compressão. Este material foi introduzido em 1882 pelo metalurgista inglês Sir Rober t Abbott Had field e foi um dos primeiros aços estudados de maneira científica. Ele recebeu o nome de “aço Hadfield” em homenagem ao seu descobridor. Esse material, no estado não deformado, é relativamente macio e dúctil, mas após intensa deformação ocorre um aumento da sua dureza e resistência mecânica, porém preservando a sua ductilidade. Disso resulta excelente resistência ao desgaste sob as condições já mencionadas. Devido às suas características peculiares, o aço Hadfield encontra amplo uso industrial em aplicações envolvendo altas solicitações de desgaste, como na fabricação de concreto, na mineração, em moinhos de pedras e também para “jacarés” (cruzamento de trilhos ferroviários). Dessa forma a camada periférica resistente ao desgaste renova-se continuamente, ao contrário de, por exemplo, camadas endurecidas por cementação(1).

Contudo, no caso de solicitações combinadas com intenso caráter abrasivo, o efeito de endurecimento pode ser baixo, o que faz com que seja conseguida uma resistência relativamente pequena ao desgaste abrasivo. No caso de aplicações que requerem o processo de deposição por soldagem, como nas áreas de mineração (caçambas para escavação e seus dentes, chapas defletoras), indústria de materiais de construção (peças para sistemas de transporte, rolos para moinhos sob alta pressão) ou lâminas industriais (guilhotinas e tesouras para sucata), é esperado um aumento significativo da resistência ao desgaste por meio do uso de conceitos adequados de ligas para o material usado nos revestimentos.

Abordagem para o desenvolvimento

Há várias indicações na literatura sobre a seleção da composição química visando otimizar pro priedades. A partir de referências bibliográficas sobre aços Hadfield frequentemente observa-se que uma relação entre manganês e carbono igual a 10:1 garante valores otimizados de propriedades mecânicas, o que é conseguido com teores de 12% de manganês e 1,2% de carbono. Há diversas variantes de ligas além da composição química básica do aço X120Mn12 (1.3401). Por exemplo, pode-se mencionar aqui o aço X90Mn18 (1.3405). A influência da variação da razão manganês: carbono sobre as características de resistência ao desgaste é pouco conhecida, de forma que identificou-se aqui a necessidade de um estudo sobre esse tema.

Fig. 2 Temperaturas solidus e liquidus em função da fração do carboneto de vanádio no caso de uma liga X120Mn12 carboneto de vanádio

Na literatura especializada estão documentados numerosos experimentos que relatam como as propriedades mecânicas dos aços Hadfield são melhoradas com a adição de elementos de liga(2). Como já seria esperado, a incorporação de metal duro aumenta a resistência ao desgaste abrasivo(3). Uma adição particularmente promissora é o carboneto de vanádio (VC). Na deposição por soldagem ele se comporta de maneira quase “inerte” e não mostra nenhum sinal de degradação. Mesmo quando ocorre forte superaquecimento da poça de fusão ele se precipita novamente como monocarboneto primário na forma de dendritas compactas. Dessa forma, a composição química proposta para a matriz sofrerá alterações insignificantes, o que permite estabelecer microestrutura e propriedades definidas para o revestimento como, por exemplo, em termos da resistência mecânica, tenacidade e até mesmo resistência à corrosão.

Caso sejam incorporadas maiores quantidades de carboneto de vanádio, o equilíbrio resultante no banho metálico possui um papel central na definição da viabilidade da fabricação da liga em pó usada no processo de deposição por soldagem. As matrizes de ligas à base de ferro formam um sistema eutético, ou próximo do eutético, com o metal duro em forma de carboneto. Nesse caso observa-se que ligas com composição hipereutética apresentando frações crescentes de carboneto mostram forte elevação da temperatura liquidus (4). Nos processos industriais de atomização sob gás inerte há um limite superior em termos dos parâmetros de fundição, o qual é determinado empiricamente, situando-se entre 1.500 e 1.600°C e que deve ser considerado ao conceber a liga.

Definição da fração de carbonetos

Fig. 3 – Micrografia gerada através de microscopia eletrônica de varredura de uma amostra de liga X345 em pó após atomização e peneiramento

A determinação da relação entre a fração de carboneto de vanádio e as características do metal líquido pode ser feita utilizando a análise térmica de uma série de ligas experimentais que apresentam matriz de aço Hadfield e os correspondentes valores escalonados de fração de carboneto. A fabricação das amostras das ligas em escala de laboratório foi feita sob atmosfera protetora num forno elétrico a arco (figura 1a). Após a evacuação o recipiente foi preenchido com argônio apresentando grau de pureza 8.0. A fusão dos corpos de prova foi feita sob intensidade de corrente entre 100 e 400 A, o que tornou possível uma refusão homogênea dos corpos de prova considerando o valor de massa determinado para eles, de aproximadamente 10 g. Os materiais adicionados foram carbono espectral, vanádio puro (pureza de 99,5%) e aço Hadfield na forma de fragmentos de perfil laminado. O formato definitivo das amostras fundidas foi feito por fundição sob baixa pressão numa coquilha de cobre subdividida em duas metades com seção transversal circular (figura 1b). Dessas amostras foram separados corpos de prova para análise térmica, usando um dispositivo metalográfico para corte de precisão.

A determinação das temperaturas solidus e liquidus foi feita por meio de um calorímetro diferencial de varredura (DSC, Differential Scanning Calorimeter)(5). Para tanto, foi usado o equipamento “Netzsch STA 409C”. Os resultados desses ensaios são mostrados na figura 2 (pág. 37). Pode-se observar que a composição eutética apresentou ponto de fusão de aproximadamente 1.300°C sob fração em peso de carboneto de vanádio da ordem de 8%. Por meio de extrapolação linear dos valores medidos foi possível concluir que a temperatura liquidus já ultrapassa os 1.500°C para uma fração em massa de carboneto igual a 15% de carboneto de vanádio. Portanto, para garantir a viabilidade da fabricação do pó a ser aplicado nos ensaios por intermédio da atomização usando metal fundido, foi constatado que deviam ser pesquisadas ligas com fração em peso de carboneto de vanádio igual a 15%.

Liga em pó experimental

Com base nas variantes de liga X90Mn18 e X120Mn12, as quais podem ser consideradas como sendo os limites superior e inferior para os teores de manganês e carbono dentro do espectro normal de composições químicas correspondentes aos aços Hadfield, foram definidas duas ligas experimentais para a atomização, levando-se em consideração a fração em massa de carboneto, cujas composições químicas nominais estão listadas a seguir:

Deve-se entender que as frações aqui mostradas de carboneto de vanádio referem-se à fração total de vanádio e carbono acrescentada como elementos de liga à matriz do material. Esta liga em pó, que constituiu a base para os ensaios posteriores de soldagem, foi produzida por atomização sob gás inerte de metal fundido e usada na deposição por soldagem a plasma. Ela apresentou classe granulométrica 180 (63 mícrons).

A morfologia de ambos os pós otimizados mostrou-se preponderantemente globular, ao mesmo te m p o e m qu e co ns t ato u s e, pelos parâmetros claramente nãootimizados de fundição e atomização, uma fração relativamente alta de grãos satélites aderentes (figura 3). Contudo, a fluidez e a capacidade de transporte por dutos do pó não foram prejudicadas por esse fato.

Ensaios de soldagem

Os ensaios foram feitos em um equipamento para deposição por soldagem a plasma com controle CNC usando uma tocha com dispositivo dosador de pó interno anular do tipo “Paton A1756.05”. A deposição por soldagem foi feita em uma única camada, em posição plana, sobre um substrato de aço com 8 mm de espessura. Os parâmetros de processo que foram mantidos constantes, mesmo sob variação da intensidade de corrente, foram:

A soldabilidade de ambos os pós experimentais foi boa. Praticamente não se constatou a geração de salpicos. No caso de ligas em pó com maior fração de metal duro, onde aglomerados sinterizados discretos de carboneto de vanádio encontravam-se presentes na mistura, isso também ocorreu.

Fig. 4 – Grau de mistura determinado em camada depositada por soldagem contendo carboneto baseada em aço Hadfield, com e sem adição de partículas discretas de carboneto de vanádio, em função da intensidade de corrente da soldagem.

O grau de mistura foi definido como o quociente do teor médio de vanádio do metal de adição da soldagem puro com o da camada depositada por soldagem sobre o substrato de aço. A determinação dos teores dos elementos foi feita por meio de um espectrômetro por fluorescência de raios-X numa seção transversal do cordão de solda. Durante a deposição da liga em pó, ao ultrapassar o valor de aproximadamente 150 A de intensidade de corrente que é requerido para obter uma adesão consistente, somente ocorreu uma pequena elevação no grau de mistura, de aproximadamente 0,35%/A. Sob adição de partículas discretas de 15% de carboneto de vanádio à liga em pó verificou-se que esta relação aumentou para cerca de 12%/A (figura 4), ficando significativamente mais intensa.

O comportamento diferente entre os pós da liga pura e a misturada com carboneto de vanádio durante a deposição por soldagem reflete-se na microestrutura resultante na camada (figura 5). Ao usar a liga em pó sem adição de carboneto de vanádio a microestrutura apresentou-se de forma homogênea e finamente dispersa, independentemente da intensidade de corrente, no caso da liga em pó com adição a elevação da potência do processo influenciou visivelmente a dissolução dos aglomerados de carboneto de vanádio incorporados à liga em pó. Uma vez que esses aglomerados apresentam um grau de sinterização muito baixo, eles não são muito estáveis mecanicamente. Com isso é possível conseguir que eles se dissolvam fazendo com que a microestrutura da camada apresente uma distribuição a mais homogênea possível de carbonetos. Sob grau mínimo de mistura essa microestrutura é constituída por manchas claras circundadas por contornos de cor cinza, mas os carbonetos grosseiros mostram-se quase inalterados na microestrutura da camada. A dissolução ocorre ao elevar-se a intensidade de corrente, a qual aumenta for temente o grau de mistura reduzindo, dessa forma, o teor efetivo de carbonetos na camada. A partir daí pode-se observar que os parâmetros para otimização do grau de mistura e da dissolução de carbonetos atuam de forma oposta entre si, o que faz com que seja difícil alcançar um compromisso adequado.

Fig. 5 – Micrografias obtidas por microscopia óptica de seções transversais das camadas depositadas por soldagem usando ligas X345 em pó em função da intensidade de corrente de soldagem

Fig. 6 – Dureza na escala Rockwell C (HRC) e desgaste volumétrico relativo dos revestimentos determinados por meio do ensaio com roda de borracha (ASTM G5404, método de ensaio E) e ensaio de desgaste sob impacto, em relação à camada de referência feita de níquel-carboneto de tungstênio fundido Ni-WSC.

As investigações adicionais para a determinação das características de desgaste foram feitas com as camadas depositadas obtidas nos ensaios tecnológicos de deposição por soldagem, onde foram adotados parâmetros de processo idênticos e usuais com pós de liga pura ou com a adição de carboneto de vanádio, sob intensidade de corrente de 150 ou 175 A.

Ensaio de desgate

A caracterização das propriedades dos revestimentos aqui desenvolvidos foi feita por meio de uma série de ensaios de desgaste. A figura 6 mostra os valores de dureza na escala Rockwell e os resultados selecionados obtidos nos ensaios com roda de borracha especificados conforme a norma técnica ASTM G52 (método de ensaio E)(6), bem como nos ensaios de desgaste por impacto executados na Universidade de Magdeburg. Uma descrição da configuração e execução dos ensaios pode ser encontrada em Patzelt(7). Os valores apresentados de desgaste baseiam-se em volume e foram normalizados tendo como referência uma camada de níquel-carboneto de tungstênio fundido (Ni-WSC) com macrodureza de 54 HRC, como frequentemente se procede na prática. Sua matriz continha fração em massa de 3% B e 3% Si, sendo reforçada com 60% de carboneto fundido de tungstênio (WSC, Wolframschmelzcarbide) apresentando classe granulométrica 125 (75 mícrons).

Os resultados justificam as características favoráveis das novas ligas duras. A adição de partículas discretas de carboneto de vanádio realmente aumentou a dureza do compósito que constitui a camada, mas exerceu influência negativa sobre as características de desgaste.

Pode-se supor que esse fato decorreu da morfologia grosseira da fase dura e as resultantes maiores distâncias médias entre as dendritas de carboneto duras e resistentes à abrasão. Sob as condições selecionadas para este ensaio, a razão manganês:carbono da matriz da liga influenciou de forma insignificante a dureza e a resistência ao desgaste. Portanto, a partir dessas constatações, pode-se concluir que os requisitos impostos ao fabricante de material de adição para soldagem no sentido de garantir a precisão das análises químicas foram insuficientes para viabilizar um processo de fabricação robusto. A significativa redução de desgaste em comparação com a camada de referência qualifica o revestimento recém-desenvolvido para que seja testado em numerosas aplicações potenciais. Além disso, a transferência desejada dos conhecimentos adquiridos em termos de metalurgia e processos de soldagem para a fabricação de adições de soldagem na forma de arame pode abrir campos de aplicação ainda mais amplos.

Agradecimentos

O projeto IGF 17.538 B/DVS-Nummer 01.082, desenvolvido pela Associação de Pesquisa em Soldagem e Processos Aplicados da A ssociação Alemã para Soldagem e Processos Aplicados (Foschungsvereinigung Schweißen und ver wandte Ver fahren des Deutscher Verband für Schweißen und verwandt Verfahren – D.V.S.), com sede na Aachener Straße 172, 4 0223 Düsseldor f, Alemanha, foi apoiado pela Associação dos Grupos de Trabalho em Pesquisa Industrial (Arbeitsgemeinschaft industrieller Forschungsvereinigungen, A.i.F.) e pela Associação Industrial de Pesquisa e Desenvolvimento (Industrielle Gemeinschaftsforschung, I.G.F.) do Ministério Federal Alemão para Economia e Energia com base numa resolução do Parlamento Alemão.

Referências

  1. Maratray , F.: High carbon manganese austenitic steels. The International Manganese Institute, Paris 1995.
  2. röhrig, K.: Möglichkeiten zur Qualitätsverbesserung von Manganhartstahlguß durch Legieren mit Molybdän. Gießerei-Praxis 25 (1974), H, 7, S. 125/39.
  3. Berns, h., u. h. -g. FranKe: Einfluss von harten Phasen auf den abrasiven Verschleißwiderstand von Manganhartstahl. Stahl und Eisen 106 (1986), H. 18, S. 967/73.
  4. hollecK, h.: Binäre und ternäre Carbid und Nitridsysteme der Übergangsmetalle. Gebrüder Borntraeger, Berlin/ Stuttgart 1984.
  5. DIN 51004.: “Thermische Analyse (TA).: Bestimmung der Schmelztemperaturen kristalliner Stoffe mit der Differenzthermoanalyse (DTA)” (Ausgabe Juni 1994).
  6. ASTM C65-04.: “Standard test method for measuring abrasion using the dry sand/rubber wheel apparatus” (Ausgabe 2010).
  7. Patzelt, B., u. P. Velt .: Oberflächenbeeinflussung von Modellschlagleisten durch Stoßkontakte mit Betonpartikeln. Materialwissenschaft und Werkstoffechnik 28 (1997), S. 110/15