A influência da atmosfera de proteção sobre as distorções de chapas de aço soldadas pelo processo MIG/MAG


As distorções causadas pela aplicação do processo de soldagem na produção de painéis rígidos que compõem os blocos de uma embarcação constituem uma grande fonte de retrabalho em estaleiros. Com base nisso, torna-se pertinente a investigação dos efeitos que o processo de soldagem exerce sobre essas estruturas metálicas. Este trabalho tem por intuito analisar a influência de diferentes composições de gases de proteção quanto às suas características térmicas, abrangendo as distorções observadas em corpos de prova devido à soldagem de filete pelo processo MIG/MAG. Para tanto, foram realizados ensaios com composições de gases de proteção contendo Ar puro, Ar + 5% O2, Ar + 20% CO2 + 5% O2 , Ar + 15% CO2 e Ar + 8% CO2. Como resultado, não foi observada influência significativa quanto às características térmicas das composições dos gases de proteção utilizados sobre as distorções observadas nas condições avaliadas. No entanto, notou-se que a existência de padrões bem definidos de distorção, ao que tudo indica, está intimamente relacionada com as deformações na peça antes da soldagem.


H. de Mello e T. da Cunha

Data: 17/04/2017

Edição: CCM Março 2017 - Ano XII - No 143

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Fig. 1 – Bancada de ensaios onde: a) Fonte de soldagem com sistema de aquisição de dados de processo embutido; b) sistema de movimentação mecanizado da tocha; c) cilindro do gás de proteção; d) sistema de refrigeração da tocha; e e) tocha de soldagem.

Embarcações de grande porte, em sua maioria, são fabricadas pelo método de construção de blocos, que são confeccionados separadamente e unidos posteriormente no picadeiro para, as sim, compor a embarcação. Dessa forma é possível trabalhar na montagem dos blocos de forma simultânea em diferentes oficinas, ganhando tempo de produção e garantindo maior disponibilidade do picadeiro.

Em sua grande parte, os blocos da embarcação são compostos por painéis enrijecidos, um produto intermediário da construção destes. Estes painéis são compostos por chapas de metal enrijecidas por reforços transversais e longitudinais. Segundo Melo e Qassim(5) , cerca de 50% do aço utilizado na indústria naval é aplicado na fabricação dessas estruturas. Naturalmente, estes reforços são unidos às chapas por soldagem, em especial MIG/MAG. Entretanto, um grande problema enfrentado pelos estaleiros consiste nas distorções desses painéis decorrente da operação de soldagem. Quando os painéis enrijecidos apresentam demasiadas distorções, o que prejudica a sua montagem devido à divergência observada em sua geometria, união dos blocos. Devido a isso, correções passam a ser necessárias a fim de conferir aos blocos as formas desejadas. Com isso, gera-se retrabalho, postergando a conclusão da embarcação. Segundo Andersen(1) , o retrabalho gerado pelas distorções aumenta o tempo total de construção da embarcação em aproximadamente 30%.

Segundo Scotti e Ponomarev(6) , durante a soldagem a peça atinge temperaturas na região da união que giram em torno de 1.800 a 2.200 K. Esta região, aquecida pela soldagem, sofre expansões térmicas, porém, parte delas é restringida pelas regiões frias do restante da peça, gerando campos de tensões complexos. Durante a execução do processo de soldagem, o limite de escoamento do metal diminui e as tensões sofrem um aumento relativo a altas temperaturas. O resultado disso é a deformação plástica na região de soldagem (distorções).

Após a soldagem, foi mostrado que as deformações plásticas permanecem parcialmente e entram em equilíbrio elástico com a região adjacente, produzindo tensões residuais(4). Neste contexto, as distorções mais importantes na indústria naval, e as que ocorrem com maior frequência, são, segundo Dydo e outros(2), as de flambagem e angulares. Contudo, segundo Masubuchi(3), na prática mais de um tipo de distorção pode estar presente simultaneamente na peça, sendo muitas vezes difícil fazer a distinção entre eles.

Fig. 2 – Modelo do corpo de prova

A energia de soldagem (E) pode ser definida como a relação entre a potência elétrica gasta para manter o arco, dividida pela velocidade de soldagem, conforme a equação 1.

Onde “u” é a tensão de arco, “i” a corrente de soldagem e “vs” a velocidade de soldagem instantânea.

Porém, é importante salientar que parte dessa energia é perdida para o meio ambiente durante o processo de soldagem, não sendo transferida à peça em sua totalidade. Portanto, para determinar a real energia introduzida na peça, conhecida como calor imposto (equação 2), deve ser descontada a parcela da energia perdida pelo arco voltaico. Isto é retratado pela eficiência térmica do processo nas condições consideradas.

Os gases de proteção usados no processo de soldagem MIG/MAG têm como principais funções proteger a poça de fusão e proporcionar estabilidade ao arco elétrico. No entanto, diferentes materiais, em função da sua composição química, geometria ou condições de soldagem, podem conduzir à necessidade de utilização de gases com composições químicas diferentes visando à obtenção de resultados específicos. A simples alteração da composição química dos gases de proteção pode resultar em cordões com diferentes geometrias, influenciar a estabilidade do arco e o modo de transferência do material de adição, além da energia de soldagem e, deste modo, o calor imposto. Desta forma, a escolha do gás de proteção tem papel fundamental no calor induzido à peça e, consequentemente, na geração de distorções. Isto é posto devido à possibilidade de se ter diferentes rendimentos térmicos do processo, em função das diferentes características térmicas dos gases de proteção usados. Com base nisso, este trabalho tem o objetivo de investigar a influência das características térmicas de cinco diferentes composições de gases de proteção sobre as distorções observadas em corpos de prova confeccionados em aço-carbono por soldagem de filete.

Fig. 3 – Valores de distorções médias dos padrões 1-3 e 2-4 obtidos nos ensaios com diferentes composições de gases de proteção: a) argônio, b) Ar + 15% CO2, c) Ar + 5% O2, d) Ar + 8%CO2 e e) Ar + 20% CO2 + 5% O2.

Métodos e materiais

Para a realização deste trabalho foi montada uma bancada de ensaios composta por uma fonte de soldagem, tocha de soldagem MIG/MAG, alimentador de arame, sistema de refrigeração da tocha, sistema de movimentação mecanizado da tocha e sistema de aquisição de dados de processo (figura 1).

A fonte de soldagem utilizada é do tipo multiprocesso, modelo DigiPLUS A7, com capacidade de fornecimento de corrente de até 800ºC, operando no modo de tensão constante. A tocha de soldagem utilizada não é um modelo comercial. Foi especialmente projetada para operações industriais automatizadas. Como pode ser visto na figura 2, a refrigeração e o circuito de gás têm arranjos diferentes em relação às tochas comerciais. A passagem do gás de proteção ocorre por um circuito externo à tocha. Isto visa permitir uma área maior para a circulação da água no interior da tocha, aumentando, assim, a eficiência da refrigeração. Desta forma, além de permitir o uso de maiores correntes de soldagem, isso implica um aumento do ciclo de trabalho. O circuito de refrigeração é constituído por mangueiras e sua entrada e saída de água se encontram na parte superior da tocha.

Para a movimentação da tocha ao longo da junta, utilizou-se o sistema de deslocamento mecanizado Tartílope V1, com controle por painel digital, movimentação em um grau de liberdade e precisão de ajuste de 1 mm.

Durante a realização dos ensaios foi utilizado o sistema de aquisição SAP 4.0, com o intuito de registrar os valores instantâneos de tensão de arco e corrente de soldagem dos ensaios. Com estes dados foi determinada, posteriormente, a energia de soldagem.

Os gases de proteção utilizados nos ensaios foram Ar puro, Ar + 5% O2, Ar + 20% CO2 + 5% O2, Ar + 15% CO2 e Ar + 8% CO2. A seleção dos gases de proteção utilizados neste estudo consistiu na disponibilidade destes no laboratório e por eles serem gases empregados no processo MIG/MAG.

Com o intuito de simular a soldagem de um reforçador transversal num painel enrijecido, foram confeccionados corpos de prova com juntas em “T” de modo a possibilitar a realização de soldas de filete, assim como ocorre em estaleiros. Para a confecção dos corpos de prova foram usadas chapas de aço ASTM A569 de 3 mm de espessura. As dimensões da chapa inferior do modelo do corpo de prova são de 500 x 350 mm e seu reforço possui dimensões de 350 x 100 mm. Na figura 3 é apresentado o modelo do corpo de prova a ser empregado.

Os vértices do corpo de prova foram nomeados como “vértice 1”, “vértice 2”, “vértice 3” e “vértice 4”. A soldagem ocorreu sempre no lado dos vértices 3 e 4, no sentido do vértice 4 para o vértice 3.

Processos como o transporte das chapas, corte e preparação para os ensaios podem causar deformações nos corpos de prova antes mesmo destes serem submetidos à soldagem. Deste modo, com o intuito de eliminar essas possíveis fontes de incertezas, os corpos de prova foram medidos antes e depois da realização dos ensaios de soldagem. Assim, os resultados são apresentados sempre como distorções relativas, possibilitando analisar somente aquelas causadas pelo processo de soldagem. Salienta-se que as medições realizadas após a soldagem ocorreram apenas após o resfriamento total da peça. O procedimento de medição das distorções foi realizado sempre sobre a mesma superfície de referência, numa mesma posição, visando eliminar possíveis inconsistências. Foi adotada a convenção de distorção positiva, para um aumento do valor da distorção medida em relação ao valor anterior à soldagem e distorção negativa para uma diminuição desse valor. Estas medições foram realizadas com um paquímetro de resolução 0,02 mm, sempre sobre os vértices da chapa.

Foram realizados três ensaios de soldagem para cada composição de gás de proteção. Assim, foi possível obter dados cujos valores são resultados da média calculada a partir dos valores adquiridos nos três ensaios. Isto permite, além de resultados mais confiáveis, obter dados que representem melhor o efeito de cada gás de proteção. Em todos os ensaios a tocha de soldagem foi posicionada a 45° em relação à chapa e o DBCP em 12 mm, medido ao longo do eixo axial do arame-eletrodo. O modo de transferência metálica utilizado foi o curto-circuito. A escolha deste modo se deve, fundamentalmente, ao fato de ele permitir o emprego de todas as composições de gases de proteção citadas anteriormente. O valor da tensão de arco ajustado em todos os ensaios foi de 21 V. A velocidade de arame foi alterada com o intuito de obter uma corrente de soldagem de cerca de 170 A. Este valor foi definido com o intuito de propiciar um maior aporte térmico à peça, já que o objetivo deste trabalho é analisar as distorções nela induzidas pelo processo de soldagem sem, entretanto, alterar o modo de transferência. A velocidade de soldagem foi mantida em todos os ensaios, sendo de 300 mm/ min. Na tabela 1 são apresentados os demais parâmetros de soldagem utilizados na realização dos ensaios deste trabalho.

Resultados e discussão

Na tabela 2 são mostrados os resultados obtidos. Nesta, conforme pode ser observado, o valor de corrente média resultante em todos os ensaios foi de cerca de 170 A. Conforme esperado de um processo de tensão constante, as tensões médias de arco registradas nos ensaios também apresentaram valores similares. Dessa forma, as energias de soldagem obtidas foram semelhantes entre si, apresentando uma diferença de apenas 6% entre o maior e o menor valor, o que pode ser considerado bastante satisfatório. Cabe salientar que estas energias foram obtidas a partir dos valores instantâneos de corrente e tensão, calculados conforme a equação 1.

Conforme se pode observar, exceto para os corpos de prova 3 e 6, que não apresentaram distorções em dois vértices, em todos os casos ocorreram distorções positivas e negativas. Analisando os valores das distorções, foram identificados dois padrões de distorção bem definidos. Em todos os casos as chapas apresentaram um valor significativo de distorção positiva em uma de suas diagonais e, na outra diagonal, uma distorção negativa, ou nula. Isto é, ou a chapa apresentou grandes distorções positivas nos vértices 1 e 3, ou nos vértices 2 e 4. Assim, com o intuito de facilitar as análises, estes dois padrões de distorção foram nomeados como “Padrão 1–3” e “Padrão 2–4”, sendo os números citados referentes aos vértices de maior distorção positiva. Assim, uma vez identificados os dois padrões de distorções, estes passaram a ser considerados. Deste modo, com o intuito de caracterizar melhor as distorções obtidas nos corpos de prova para cada composição de gás de proteção, o valor médio de distorção foi obtido para cada um dos padrões de distorção. O resultado é apresentado na figura 4.

Analisando os gráficos é possível ver que as maiores distorções aconteceram sempre em forma de distorção positiva, o que provavelmente ocorre pela maior liberdade da chapa nesta direção e pela tendência da distorção angular fletir para este lado em configurações de peças semelhantes. O padrão de distorção 1-3 ocorreu em 10 dos 15 ensaios, o que mostra uma tendência da chapa distorcer desta forma, devido à sequência com que o calor é introduzido na peça. Outro fator que aparentemente influenciou a formulação de determinado padrão foram as deformações presentes na peça antes da soldagem (Da). Nem todos os corpos de prova com padrões 1-3 apresentavam maiores deformações nos vértices 1 e 3 antes da soldagem em relação aos vértices da diagonal oposta; porém, todos os corpos de prova com padrões 2-4 apresentaram deformações maiores nos vértices 2 e 4 em relação à diagonal oposta antes da soldagem.

Com o intuito de avaliar o efeito global da composição do gás de proteção sobre as distorções dos corpos de prova, foi compilada a média dos módulos de cada vértice (tabela 3). Esta média representa o quanto os vértices dos corpos de prova, soldados com seus respectivos gases de proteção, se desviaram de suas posições iniciais após o processo de soldagem.

Analisando os valores das médias gerais de distorção para cada composição de gás é possível verificar que a maior diferença obtida foi de 0,46 mm entre a mistura Ar + 20% CO2 + 5% O2 e o gás Ar + 5% O2 . Isto significa que dentre as cinco composições de gases de proteção analisadas neste trabalho, a maior diferença encontrada em suas distorções foi de apenas 7%. Com base nestes resultados não se pode afirmar, portanto, que a característica térmica das composições de gases de proteção utilizadas neste trabalho exerça efeito significativo sobre a magnitude das distorções oriundas do processo de soldagem. Ademais, o fato de a energia de soldagem ter sido igual em todos os ensaios reforça as informações presentes na literatura acerca do papel determinante desta sobre a magnitude das distorções. A inexistência de uma relação direta e significativa entre a composição dos gases de proteção e seus efeitos sobre a distorção de chapas permite inúmeras possibilidades. Uma delas diz respeito à possibilidade de escolha, por parte dos estaleiros, dos gases de proteção em função de fatores econômicos e de qualidade dos cordões. Na ausência de influência sobre as distorções, a composição do gás de proteção pode ser definida com base nos aspectos dimensionais e de acabamento dos cordões, por exemplo. Na figura 4 são apresentados os cordões de solda produzidos com os gases de proteção constantes da tabela 1. Percebe-se que nos cordões produzidos nos ensaios dos gases Ar + 15% CO2 e Ar + 20% CO2 + 5% O2 foi obtida boa molhabilidade. Isso pode ser justificado pelo maior potencial de oxidação desses dois gases de proteção em relação aos demais. Já os gases de proteção argônio puro, Ar + 8% CO2 e Ar + 5% O2 , também devido a seus menores potenciais de oxidação, conforme esperado, apresentaram um formato convexo. Cordões com maiores convexidades devem ser evitados, pois podem concentrar tensões, aumentando, assim, a probabilidade de surgimento de falhas.

Conclusão

Diante dos resultados obtidos pode-se concluir que:

Referências

  1. Andersen, L. F.: Residual stresses and deformations in steel structures. D. Sc. Arquitetura naval. Technical University of Denmark, Lyngby, 2000.
  2. Dydo, R. J., et al.: Guidelines for control of distortions in thin ship structures, led, Navy Joining Center, Ohio, Columbus, 1999.
  3. Masubuchi, K.: Research activities examine residual stresses and distortion in welded structures, In: Welding Journal, v.70, n.12, pp. 41-47, Dezembro, 1991.
  4. Okumura, T.; Taniguchi, C.: Engenharia de soldagem e Aplicações, 1 ed, Rio de Janeiro/RJ, Brasil, LTC, 1982.
  5. Melo, S. E. G., Qassim, R. Y.: “Simulação da Soldagem de Painéis Planos”, 21º Congresso Nacional de Transporte Aquaviário, Construção Naval e Offshore, 22, Rio de Janeiro/RJ, Brasil, Novembro, 2006.
  6. Scotti, A. Ponomarev: MIG/MAG: Melhor Entendimento, Melhor Desempenho, 2 ed, Uberlândia, Artliber, 2008.