Apesar do progresso obtido com os avanços dos aços de alta resistência, permitindo redução considerável da espessura de componentes e do peso de estruturas de veículos, várias peças ainda são produzidas usando chapas grossas, como, por exemplo, para máquinas agrícolas, de carga e para construção civil. Métodos analíticos (1,2) não são precisos o suficiente e só podem ser usados para trabalhos com geometrias muito simples (3,4).

Simulações usando elementos finitos com elementos de casca tipo shell são adequadas para prever processos de estampagem em que o modo de deformação ocorre no plano da chapa e deformações na espessura podem ser desprezadas. Entretanto, eles tornam-se imprecisos quando a deformação do material inclui deformação local volumétrica (ou seja, deformações na espessura são significativas), e para esses casos é necessário usar elementos sólidos em 3D. Uma situação extrema é mostrada na figura 1, em que ocorrem deformações severas na espessura, semelhantes a processos de conformação massiva, as quais podem ser observadas usando elementos sólidos tridimensionais.


Fig. 1 – Exemplo de conformação de chapa de aço com grande espessura, com deformações significativas nas três dimensões (plano da chapa e espessura).
 

Várias terminologias são utilizadas para este tipo de processo (5):

Neste artigo será usada a denominação conformação de chapas grossas, porque é um bom indicador para as peças de aço sob consideração, que apresentam espessura de 8 a 31,5 mm. A conformação de três diferentes peças foi simulada e validada experimentalmente por meio da medição das peças reais. O objetivo foi ajustar os parâmetros da simulação de modo a obter resultados fiéis em relação ao processo real.

 

Metodologias de simulação numérica

Malha de elementos finitos

Conforme descrito na literatura(6, 7) , foi utilizada uma técnica especial de discretização para chapas grossas. O algoritmo de criação de malha detecta automaticamente elementos geométricos no plano e na direção da espessura de uma geometria sólida e, em seguida, gera uma malha eficiente para acomodar essa geometria. Pode ser especificado o número de elementos através da espessura, e o software recomendará o melhor tamanho de elemento no plano. O uso de elementos na simulação é importante para fornecer os resultados mais precisos possíveis. Os elementos usados são hexaédricos (HEX) compostos por oito nós e isoparamétricos. Uma função de interpolação modificada é usada para melhorar o comportamento de cisalhamento dos elementos. Na simulação, a malha é automaticamente atualizada (refinamento) quando necessário, para habilitar o rastreamento das grandes deformações. A figura 2 mostra uma malha com três elementos através da espessura. Um dos objetivos deste estudo é determinar o número mínimo de elementos através da espessura que são necessários para obter resultados precisos.


Fig. 2 – Exemplo de malha inicial e malha deformada (automaticamente refinada).
 

Modelo de material

Todas as simulações com elementos sólidos em 3D foram feitas usando um modelo de material elástico-plástico com comportamento anisotrópico e encruamento não-linear. Para ligas metálicas em geral, se a tensão aplicada for inferior à tensão de escoamento, o material comporta-se elastica mente e a tensão é proporcional à deformação. Na região elástica, a relação tensão-deformação linear segue a lei de Hooke. Quando a tensão no material excede a tensão de escoamento, ele não exibe um comportamento elástico linear, e a relação tensão-deformação torna-se não-linear. Dados obtidos por meio de testes uniaxiais (ensaios de tração) são usados para determinar o comportamento não-linear de tensão-deformação do material. Para correlacionar os dados do ensaio de tração com os do processo real, no qual existe um estado de tensão multiaxial, é comumente utilizada a função de escoamento de von Mises. Este critério é geralmente usado para trabalhos com materiais dúcteis, e postula que o escoamento ocorre quando a tensão eficaz ou equivalente é igual à tensão de escoamento medida no ensaio uniaxial. Porém, na conformação de chapas metálicas a tensão de escoamento do material é dependente da direção de laminação da matéria-prima. Em tais casos, o material terá diferentes propriedades mecânicas nas direções longitudinal, transversal e na direção da espessura. Para esta condição, o software Simufact usa a função de escoamento anisotrópico, seguindo o critério de Hill, de 1948. Além da tensão de escoamento inicial, a relação tensão-de-formação é definida pela função de encruamento do material. Uma lei de encruamento isotrópico do tipo potência foi utilizada para modelar esse comportamento.

Método de integração

A integração de tempo utilizada foi do tipo implícita. Para resolver o problema não-linear, incluindo o modelo de contato, comportamento elástico-plástico e refinamento de malha, com o método de integração de tempo implícito, foi usada uma abordagem iterativa.

Método para previsão precisa da força de calibração

Prever com precisão a força de calibração na simulação da conformação de chapas grossas requer o uso de incremento de carga modificado. A calibração corresponde a um pico de força que ocorre no final do processo de conformação, uma vez que o material está em pleno contato com as cavidades da ferramenta. Na simulação, a metodologia de incremento da carga pode facilmente ultrapassar este valor máximo se os incrementos forem muito grandes no final do curso do punção, como mostrado na figura 3. Isso resulta em valores exagerados, muito maiores que os obtidos no processo real.


Fig. 3 – Valor excessivo obtido para a força de calibração usando o método usual de carregamento
 

Um procedimento passo a passo de carga foi desenvolvido e implementado para permitir um pequeno passo incremental, uma vez que o punção realiza 99% do curso. Usando esse método, os tamanhos dos incrementos do punção são reduzidos no último 1% do curso, possibilitando capturar com precisão a força de calibração, como mostrado na figura 4.


Fig. 4 – Aproximação gradativa dos incrementos no final da simulação eliminando o pico da força de calibração

 

Preparação dos testes

Caracterização dos materiais

Todas as propriedades me c ânic as dos materiais foram determinadas experimentalmente. Para cada material testado, amostras foram preparadas e testes foram realizados de acordo com a NBR 6673 (Determinação das propriedades mecânicas sob tração). As propriedades encontradas para os materiais estão listadas na tabela 1.

Ferramenta e geometria das peças

O projeto e a fabricação de todas as ferramentas, assim como a conformação das peças e simulações, foram realizados na empresa Bruning Tecnometal Ltda. A figura 5 mostra a ferramenta e a forma final das peças para cada um dos três casos:

a) Dobra em forma de “V”
    • Espessura: 31,5 mm
    • Material: ASTM A572 GR50
b) Dobra em forma de “U”
    • Espessura: 8 mm
    • Material: DIN S315 EN10149-2
c) Forma complexa
    • Espessura: 2 mm
    • Material: DIN EN10149 S315 MC


Fig. 5 – Geometrias das ferramentas e formas finais: (a) geometria em “V”; (b) geometria em “U”; e (c) geometria complexa (dimensões em mm).

 

Ferramenta instrumentada para medição de forças

Um ferramental instrumentado foi utilizado para a medição dos valores reais de força durante o processo de conformação da peça mostrado na figura 5b. A ferramenta é equipada com sensores para medir simultaneamente os valores de força do punção e deslocamento do mar telo da prensa utilizada, que contou com um sistema de aquisição de dados cujo controle é baseado em um sistema LabView, que armazena as medições e permite a visualização dos resultados (8).

 

Resultados

Estudo da geometria em “V”

Realizou-se um primeiro estudo sobre o dobramento em “V” para determinar a melhor malha paraobter resultados precisos de força e de forma após o retorno elástico. As medições experimentais para o dobramento em “V” são mostradas na figura 6.


Fig. 6 – Medições experimentais no dobramento em “V”
 

A figura 7 mostra a forma projetada em CAD à esquerda, em comparação com a forma simulada usando elementos sólidos em 3D por meio do software Simufact Forming, à direita. A peça não está seguindo a curvatura do punção, mas cria uma lacuna significativa em sua parte inferior. Esses tipos de efeitos são realistas e não foram capturados por simulações utilizando elementos de casca.


Fig. 7 – Projeto CAD de dobramento em “V” (esquerda) versus simulação do processo de dobramento (direita).
 

Vários modelos de simulação foram criados a partir dos elementos sólidos em 3D, variando o número de elementos através da espessura e do tamanho do elemento. A figura 8 mostra o elemento finito de malha para três estudos, usando um, três e cinco elementos através da espessura, respectivamente. O tamanho do elemento no plano para cada caso foi determinado automaticamente pelo software.


Fig. 8 – Elementos finitos de malha para o formato em “V”, para um, três e cinco elementos através da espessura, respectivamente.
 

A tabela 2 resume a comparação da força-forma medida e a distância nominal obtidas por simulações utilizando elementos de casca e sólidos em 3D com malha de diferentes configurações. Foi verificado que os parâmetros de simulação ideais para resultados mais precisos são obtidos com elementos sólidos em 3D, usando três elementos através da espessura e um no plano com tamanho determinado automaticamente pelo software, conforme mostra a figura 9.

Além da medição das dimensões nominais após o retorno elástico, os efeitos de deformação local em massa (na direção da espessura) foram previstos corretamente por simulações com elementos sólidos em 3D, como pode ser visto na figura 10.


Fig. 9 – Geometria final e parâmetros ideais escolhidos para a simulação



Fig. 10 – Simulação numérica (esquerda) comparada com o experimento (direita), mostrando a previsão precisa de deformações locais em massa.

 

Estudo da geometria em “U”

Usando os parâmetros de simulação ideais determinados durante a etapa anterior, um modelo de simulação semelhante foi criado para as peças em formato de “U”, conforme mostrado na figura 11.


Fig. 11 – Modelo de elementos finitos no formato de “U”
 

A curva de força experimental para o dobramento em “U” é mostrada na figura 12. Pode ser visto que existem dois picos: FD, que representa a força necessária para o próprio processo de dobramento, e FCAL, representando a força máxima que ocorre na calibração ao final do processo. As linhas pontilhadas representam a trajetória média. As oscilações são resultantes de variações no sistema de almofada da prensa.


Fig. 12 – Força versus deslocamento para o dobramento em “U”, mostrando dois picos: força de dobramento (FD) e força de calibração (FCAL)(8).
 

A comparação dos dados da simulação com os experimentais é mostrada na tabela 3.

É possível observar que as simulações com sólidos em 3D são mais precisas que as realizadas com elementos de casca.

Estudo da geometria “complexa”

Usando os parâmetros de simulação ideais determinados durante as etapas anteriores, um modelo de simulação similar foi criado para a geometria denominada “complexa”, conforme mostra a figura 13.


Fig. 13 – Modelo de elementos finitos para geometria “complexa”
 

A curva de força para esta geometria tem apenas um ponto máximo no final do golpe, que corresponde à força de calibração (FCAL) (figura 14).


Fig. 14 – Resultados de simulação numérica da força versus deslocamento para geometria “complexa”, mostrando um pico: força de calibração (FCAL).
 

Para estudar o efeito das diferentes forças de calibração no retorno elástico, uma comparação foi feita com a dimensão de referência mostrada na figura 15, para diferentes níveis de força de calibração, mostrada na tabela 4. Pode ser visto que a influência de calibração de força no retorno elástico é capturada com precisão.


Fig. 15 – Dimensões de referência para o estudo do retorno elástico para diferentes forças de calibração
 

 

Conclusões

Neste trabalho foi apresentado um estudo para determinar a escolha ideal de parâmetros de modelagem para a simulação, com o software Simufact Forming, de componentes estampados de grande espessura, usando elementos sólidos em 3D. O estudo incluiu o desenvolvimento de modelos de simulação de três peças reais e medições experimentais. Os resultados das simulações de elemento sólido em 3D foram validados contra os resultados experimentais, e os resultados de simulação foram comparados para a formulação de equações analíticas e de modelos equivalentes usando elementos de casca. A metodologia utilizada permitiu avaliar a influência dos diferentes parâmetros na simulação de estampagem, de forma a melhorar processos industriais.

Na simulação da conformação de chapas grossas é possível obter resultados mais precisos de retorno elástico e força do processo utilizando modelos de elementos sólidos em 3D. Modelos de simulação que usam elementos de membrana ou casca se tornam cada vez menos precisos à medida que aumenta a espessura da chapa. Os picos verificados no momento da calibração, causados pela compressão volumétrica do material ao final do processo, influenciam diretamente a precisão dos resultados do retorno elástico. O uso de técnicas de refinamento dos incrementos no final do processo  resulta em previsões mais precisas da força de calibração.

 

Referências

  1. Schuler; Metal Forming Handbook. Springer-Verlag. Berlin Heidelberg. 1998.
  2. Provenza, F. Protec – Estampos III. Editora Protec.
  3. Boljanovic, V. Sheet Metal Forming Processes and Die Design, New York, 2004.
  4. Rodrigues, J.; Martins, P. Tecnologia Mecânica – Tecnologia da deformação plástica. Vol II, Aplicações Industriais. Editora Escolar, 2005.
  5. Xu, H. J.; Zhong, W.; L iu, Y. Q. Three-dimensional finite element simulation of medium thick plate metal forming and springback. Finite Elements in Analysis and Design, Volume 51, April 2012, pages 49-58.
  6. Buijk, A. J. An Innovative Approach to Sheet Metal Forming Simulation for Higher Accuracy, Using 3D Solid Elements in Simufact.forming. SENAFOR, Porto Alegre, Brazil, 2009.
  7. S chafstall, H. Simulating Manufacturing Processes of Thick Blanks, Applied to a Torque Converter Cover. Presented at a Kolloquium of the European Research Association for Sheet Metal Working (EFB), 2006.
  8. De Souza , J. H. C. Métodos para análise do processo na estampagem de peças fabricadas a partir de chapas grossas. 32o SENAFOR, Porto Alegre, Brasil.

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