Cálculo das propriedades de barreira em garrafas PET


As garrafas de poli(tereftalato de etileno) (PET) estão prevalecendo sobre as feitas de vidro no caso do envase de produtos sensíveis ao oxigênio, os quais exigem altas propriedades de barreira. Essa tendência vem sendo notada nas prateleiras dos supermercados, particularmente no segmento de sucos de fruta. Foi desenvolvido um estudo sobre a previsão das características de barreira ao oxigênio de garrafas de PET por meio da simulação integradora de processos para que as garrafas que atendem a esse setor sejam desenvolvidas de maneira mais rápida e eficiente.


C. Hopmann e B. Twardowski

Data: 27/06/2017

Edição: PI Maio 2017 - Ano - 19 No 225

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As garrafas de PET são muito utilizadas no mercado de sucos

As garrafas de PET são 93% mais leves e geram 23% menos gás carbônico durante a produção em comparação com as de vidro(1). Entretanto, elas apresentam a desvantagem de permitir uma permeabilidade de oxigênio relativamente alta através de suas paredes pouco espessas. Apesar disso, é possível envasar produtos sensíveis ao oxigênio em garrafas de PET, desde que suas propriedades de barreira sejam melhoradas com o uso de, por exemplo, revestimentos aplicados por plasma ou sistemas com múltiplas camadas, em que uma delas atua como barreira, ou ainda, os que utilizam agentes interceptadores de oxigênio. Além desses sistemas, as propriedades de barreira podem ser melhoradas pelo estiramento induzido pelo processo.

Para evitar altos custos adicionais, as garrafas de PET para envasamento de produtos sensíveis ao oxigênio devem ser concebidas de forma tal que seu conteúdo seja protegido dentro de seu limite de validade. A garrafa pode ser produzida durante sua fase de concepção e suas propriedades de barreira determinadas usando instrumentos de medição. Contudo, tais medições são extremamente demoradas, de forma que o uso de métodos numéricos, particularmente durante o processo de concepção, pode reduzir consideravelmente os tempos e custos de desenvolvimento neste estágio.

Um projeto de pesquisa da Associação Industrial de Pesquisa e Desenvolvimento da Alemanha(Industrielle Gemeinschaftsforschung und entwicklung, I.G.F.) teve como objetivo desenvolver um procedimento para simulação integrada da barreira contra oxigênio para auxiliar no projeto de garrafas PET destinadas ao envase de produtos sensíveis a esse gás. A rotina de simulação considera diferentes graus de estiramento do material, de forma que os efeitos do estiramento induzido pelo processo são incluídos nos resultados.

Permeação do oxigênio no PET

A permeação engloba os fenômenos de sorção, difusão e dessorção. As moléculas de gás permeante são absorvidas pela superfície do material, sendo conduzidas posteriormente para seu interior por meio de difusão e dessorvidas na superfície oposta.

Fig. 1 A quantidadeé medidade oxigênio que atravessa um corpo de provana câmara de permeação (figuras fornecidas pelo IKV) de PET

A difusão é descrita pela primeira lei de Fick, definida pela equação (1). A partir dela é definido um fluxo J da espécie permeante (oxigênio), o qual é proporcional aos gradientes de concentração através da espessura da garrafa dc/dx em função do coeficiente de difusão D:

Geralmente a concentração da espécie permeante sobre a superfície do corpo de prova não é conhecida(2) . A lei de Henry, descrita pela equação (2), define uma relação entre a concentração c e a pressão parcial da espécie permeante p considerando a solubilidade S:

As leis de Fick e a de Henry podem ser combinadas, obtendo-se assim o coeficiente de permeação P definido pela equação (3). Este coeficiente permite determinar a quantidade de gás que atravessa uma membrana com espessura dx em função de uma queda de pressão parcial dp:

A permeação, bem como o coeficiente de permeabilidade, dependem fortemente da temperatura. Esta relação segue uma lei de Arrhenius, definida com boa aproximação pela equação (4)(3) . Nesta equação, R é a constante molar dos gases. O fator préexponencial P0 e a energia de ativação 0molar E0 são grandezas dependentes da substância envolvida:

Propriedades de barreira dependentes do grau de estiramento

O índice de permeabilidade foi mensurado usando câmeras de permeação fabricadas pela PreSens Precision Sensing GmbH, de Regensburg, Alemanha (figura 1). A câmara de medição é constituída por duas metades, cujo centro foi fixado um corpo de prova feito de PET usando um anel de vedação. A periferia do corpo de prova foi vedada adicionalmente com silicone para evitar vazamentos de fluxo. Uma metade foi preenchida com quase 100% de oxigênio, enquanto a outra continha quase 100% de nitrogênio. Um sensor óptico mediu o teor crescente de oxigênio na câmara que contém nitrogênio.

Fig. 2 Os corpos de prova usados na medição da permeação foram extraídos de garrafas com diferentes diâmetros. Dessa forma pôde-se considerar o efeito do grau de estiramento no corpo da garrafa sobre a medição da permeação

Os corpos de prova feitos de PET que foram testados foram extraídos de garrafas experimentais (figura 2), produzidas num equipamento laboratorial para moldagem por sopro com estiramento (modelo Contiform LB1, fabricado pela Krones AG, de Neutraubling, Alemanha). Os moldes usados para a fabricação das garrafas diferenciavam-se entre si em função do diâmetro da cavidade, de forma a induzir diversos graus de estiramento na direção radial das garrafas. A temperatura do molde de sopro durante a fabricação das garrafas foi da ordem de 80°C. Evitou-se assim a presença de tensões nas garrafas, de forma que elas eram adequadas para o envase a quente que normalmente é feito no caso de sucos. Os corpos de prova foram extraídos posteriormente a partir das garrafas experimentais. A cristalinidade e a espessura de parede foram determinadas em vários pontos dos corpos de prova. As medições feitas nos corpos de prova que possuíam baixos graus de estiramento tenderam a apresentar maiores valores de desvio padrão, de 8,2 mícrons, em relação aos corpos de prova com graus médios (5,3 mícrons) e altos de estiramento (2,7 mícrons). Geralmente valores de desvio padrão inferiores a 5% são considerados suficientemente pequenos, tornando os corpos de prova adequados para esta investigação. Um estudo mostrou que corpos de prova com maiores graus de estiramento apresentaram leves microtrincas em sua superfície, o que pode aumentar a permeabilidade.

O teor de oxigênio na câmara de nitrogênio foi medido usando as câmeras de medição para corpos de prova com graus de estiramento superficial 14 (A200), 16 (B200) e 18 (C200), sob temperaturas de 10, 23 e 50°C. O grau de estiramento superficial é o produto dos graus de estiramento radial e axial.

A partir dos valores medidos foram calculados os coeficientes de permeação considerando as seguintes hipóteses:

Fig. 3 O coeficiente de permeação é a quantidade de oxigênio que atravessa um filme com 1 m2 de área e 100 mícrons de espessura por dia sob uma diferença de pressão igual a 1 bar

Os coeficientes de permeação calculados conforme a equação (3) e ajustados através da lei de Arrhenius, conforme a equação (4), encontramse mostrados na figura 3 para diferentes graus de estiramento. Sob temperaturas abaixo de 30°C a permeação caiu sob graus crescentes de estiramento. Ocorreu uma exceção nos valores medidos para o grau máximo de estiramento aplicado à garrafa (18), onde não se pode excluir o efeito da presença de microtrincas sobre os valores elevados de permeação. Por outro lado, acima de 30°C a permeação subiu para graus crescentes de estiramento. Possivelmente as temperaturas crescentes influenciam a cristalização do PET já nessa faixa com baixos valores e, dessa forma, afetam as propriedades de barreira. O Instituto para Transformação de Plásticos (Institut für Kunststoffverarbeitung, I.K.V.) efetuará estudos adicionais para analisar e esclarecer esses fenômenos.

Cálculo das propriedades de barreira

O cálculo das propriedades de barreira de uma garrafa PET foi feito por meio de uma cadeia integradora constituída pela simulação de processo através do programa computacional Abaqus (desenvolvido pela Dassault Systèmes AS, de VélizyVillacoublay, França) e o cálculo das propriedades de barreira. A simulação de processo inclui a fase de aquecimento, constituída pela troca de calor entre o forno de aquecimento e a pré-forma, o modelamento do aquecimento da pré-forma, e também a simulação da fase de conformação (figura 4).

Fig. 4 A simulação tridimensional do processo de moldagem por sopro e estiramento em dois estágios produz garrafas virtuais e calcula posteriormente suas propriedades de barreira

A troca de calor por radiação foi calculada pelo programa Abaqus. O resultado é o fluxo de calor por radiação sobre a superfície da préforma. Essa radiação é parcialmente absorvida pelo interior da pré-forma e se reflete na sua superfície. A fração absorvida de radiação é convertida em fonte de calor para a equação de condução térmica. Dessa forma a equação de energia transiente é resolvida usando o agente de resolução de elementos finitos disponível no programa Abaqus/Standard para cada elemento, calculando dessa forma a evolução temporal e local de temperaturas na préforma. Para simular a fase de conformação, o molde de sopro foi transposto para um modelo CAD e incorporado à simulação. O comportamento do material foi reproduzido por meio de um modelo de Yeoh

A figura 5 mostra os valores de distribuição de espessuras de parede simulados e calculados para a garrafa PET. A combinação das simulações de aquecimento e de conformação, feita a seguir, levando-se em conta o comportamento viscoelástico do material, mostrou um bom grau de concordância entre os valores medidos e simulados da distribuição de espessuras de parede para o corpo da garrafa. Os desvios na região da base e do gargalo da garrafa foram causados pelas simplificações feitas no modelo. Contudo, em razão das maiores espessuras de parede existentes nessas regiões, não se espera a ocorrência de erros significativos na simulação subsequente da permeação.

O cálculo da barreira foi feito com base nos coeficientes de permeação, desde a equação (3) até a (5):

Essa equação foi resolvida, ao mesmo tempo em que cada elemento da malha da garrafa na simulação do processo foi considerado em separado. A seguir o programa computacional desenvolvido dentro deste projeto de pesquisa leu as informações centrais do elemento, tais como a superfície A, a espessura dx e o grau de estiramento. Com base nessas informações, a equação (5) foi resolvida elemento a elemento, sendo feita uma somatória ao final desse processo, permitindo assim a determinação da permeação através da parede em toda a garrafa.

Aplicação no caso de uma garrafa PET

Fig. 5 Distribuição das espessuras de parede das garrafas virtuais obtidas pela simulação de processo versus a de garrafas experimentais reais. Com exceção dos pequenos desvios observados na base e no gargalo da garrafa, pode-se considerar que a previsão da distribuição de espessuras de parede foi prevista com grau suficiente de precisão

A qualidade desta rotina de cálculo foi testada para o caso de uma garrafa usada em aplicações envolvendo suco de frutas. As rotinas foram executadas para modelos de materiais não dependentes ou não do grau de estiramento (no caso do modelo de material não dependente do grau de estiramento foram usados os coeficientes correspondentes aos do corpo de prova B200). Os cálculos feitos a partir dos fluxos de elementos resultantes levaram a valores de permeabilidade do oxigênio expressos em microgramas/(garrafa d 0,21 bar) sob uma densidade de oxigênio de 1,419 kg/m3. Em comparação com os coeficientes de permeação que foram medidos em atmosfera de oxigênio puro, a queda de pressão parcial foi de 0,2095 bar para o caso do ambiente ao ar atmosférico.

A permeabilidade do oxigênio da garrafa de suco foi medida numa câmara sob temperatura constante de 20°C. A garrafa foi purgada com nitrogênio e fechada com uma tampa. Essa tampa era dotada de um sensor similar ao utilizado nas câmaras usadas para a medição da permeação. Os resultados obtidos foram:

A relação entre a simulação e o grau de estiramento foi muito pequena, abaixo de 1%. Os desvios observados nas rotinas de cálculo foram da ordem de 20%. Eles provavelmente foram causados pela diferença entre a pressão parcial de oxigênio no ar (que contém 20,95% de oxigênio) e a do ambiente com 100% de oxigênio nas câmaras de medição.

Conclusão

As propriedades de permeação em função do grau de estiramento do PET foram estudadas para diferentes temperaturas. A partir daí foram calculados coeficientes adequados que constituem a base para uma simulação integradora das propriedades de barreira. Os coeficientes de permeação para o oxigênio foram determinados a partir do fluxo medido desse elemento nas câmaras de permeação para diversos graus de estiramento. O cálculo das propriedades de barreira foi feito usando um programa computacional desenvolvido dentro deste projeto de pesquisa, com as espessuras de parede e grau de estiramento sendo as variáveis de entrada para a simulação do processo. A inclusão da influência do grau de estiramento sobre os coeficientes de permeação levou a uma diferença qualitativa muito pequena nos resultados dos cálculos. Do ponto de vista quantitativo, a rotina permite prever a permeação com desvios de aproximadamente 20%.

Em futuros projetos será estudado o efeito da temperatura do molde sobre as características de permeação dos recipientes assim produzidos. As medições de permeação feitas em garrafas experimentais produzidas usando-se molde aquecido não confirmaram a hipótese de que a permeação diminui sob graus crescentes de estiramento e temperaturas acima de 30°C.

Agradecimentos

O projeto IGF 17.670N da Associação para Pesquisa em Transformação de Plásticos (Forschungsvereinigung Kunststoffverarbeitung) teve o apoio da Associação dos Grupos de Trabalho em Pesquisa Industrial (Arbeitsgemeinschaft industrieller Forschungsvereinigungen, A.i.F.), dentro do programa de promoção da Associação Industrial de Pesquisa e Desenvolvimento (Industrielle Gemeinschaftsforschung, IGF) do Ministério Federal Alemão para Economia e Energia, com base numa resolução do Parlamento Alemão. Todas essas instituições recebem os agradecimentos dos autores. Além disso, eles também agradecem a Krones AG, de Neutraubling e a PreSens Precision Sensing GmbH, ambas na Alemanha, pelo apoio a este projeto de pesquisa.

Referências

A bibliografia deste trabalho pode ser encontrada no seguinte endereço da internet: www.kunststoffe.de/1067256.