Refrigeração por LN2 no torneamento do aço inoxidável super duplex ASTM A890


O objetivo deste trabalho foi estudar os efeitos da refrigeração criogênica na integridade superficial do aço inoxidável super duplex ASTM A890 Gr 6A, em operações de torneamento com foco em acabamento. Os ensaios foram realizados em um torno CNC com ferramenta de metal duro e tiveram como variáveis o avanço, a profundidade de corte e a velocidade. Já os métodos de refrigeração foram a seco, com óleo solúvel e com nitrogênio líquido (LN2).


A. O. Lima, C. B. Silva, C. F. Bernardes, E. M. Chaves, É. C. Bordinassi e S. Delijaicov

Data: 31/05/2017

Edição: MM Abril 2017 - Ano 53 - No 615

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Os segmentos aeronaval e de prospecção encontram certas dificuldades de usinagem, uma vez que os materiais usados por eles possuem características especiais que dificultam o torneamento pelo método convencional. São aços inoxidáveis super duplex, os quais são ligas resistentes à corrosão, desenvolvidas para aplicações com altos níveis de exigência.

Devido à sua composição química e microestrutura, este material proporciona alta resistência mecânica e à corrosão, além de alta ductilidade, os quais são fatores positivos para a sua aplicação. Porém, a usinabilidade dessas ligas é muito baixa, resultando em longos ciclos de produção e alto custo em ferramental, mesmo quando usadas ferramentas próprias para suportar as solicitações típicas desses materiais.

O estudo da usinagem com refrigeração criogênica é uma alternativa na usinagem de materiais complexos como titânio, aço inoxidável duplex, super duplex e alumínio aeronáutico. O foco é a melhora no processo de produção de materiais de difícil usinabilidade por meio do estudo da manipulação correta dos parâmetros de corte, tais como a velocidade, a profundidade e o avanço.

Este artigo propõe o estudo da aplicação de jatos de nitrogênio líquido diretamente sobre a ferramenta, a fim de reduzir a zona de temperatura de corte durante o torneamento em processo de acabamento na liga super duplex ASTM A890 6A.

Tabela 1 – Parâmetros de usinagem para acabamento e desenho do corpo de prova

Materiais e métodos

O objetivo deste trabalho foi estudar a operação de acabamento por torneamento do aço inoxidável super duplex, por meio da usinagem a seco, com óleo solúvel e refrigeração criogênica. Foi realizado um planejamento experimental de análise fatorial completa 2k, no qual há dois níveis e quatro fatores com um ponto central, resultando em 27 segmentos para análise, conforme a tabela 1. Este tipo de planejamento foi escolhido por ser a única maneira de prever a interação entre os fatores[2]. Montgomery[10] também cita a possibilidade de estudar a interação entre os fatores como uma das grandes vantagens deste método e recomenda que os ensaios sejam feitos em dois níveis.

Os dados de corte foram baseados na tese de Bordinassi[1] , que estudou a usinagem do aço inoxidável super duplex. Os 27 segmentos em três corpos de prova foram divididos, conforme apresentado na figura da tabela 1, onde também é possível observar a sequência dos segmentos estudados.

Cada corpo de prova foi usinado da seguinte forma:

Durante estes ensaios, foram utilizadas pastilhas novas, sendo que a primeira aresta da pastilha usinou os segmentos 1, 2 e 3, (vide tabela 1) e as demais usinaram, no máximo, dois segmentos consecutivos do material para que o desgaste não alterasse os resultados pretendidos. Em cada trecho usinado, a aresta era verificada para ver se não havia sofrido nenhum dano e foram recolhidas amostras dos cavacos.

Figura 1 – Gráfico dos efeitos principais e de interação para tensão residual (MPa)

Para o ensaio, foi utilizado o torno CNC de barramento horizontal Baron Max, modelo KL2440, com potência de 15 HP e rotação máxima de 2.000 rpm, ao passo que, para a aplicação do fluido, foi utilizado o nebulizador Quimatic Tapmatic IV, dispositivo que utiliza a técnica MQL (mínima quantidade de lubrificante). Foi usado ainda o fluido de corte Fuchs Plantocool MH3000, com 10% de água. Já para a usinagem, foi escolhida a pastilha CNMG 12 04 08 MM – CNMG 432 MM 2025.

O material do corpo de prova foi o aço inoxidável super duplex fundido ASTM A890 GR 6A. Esta designação (ASTM) corresponde a UNS J93380. Para as medições de tensões residuais, foi utilizado o método do furo cego e o difratômetro de raio X.

O método do furo cego consiste em medir a deformação superficial decorrente do alívio mecânico, realizado pela introdução de um furo de pequenas dimensões na superfície do componente. O princípio se dá pela remoção de material que implica no reajuste do estado de tensão do material adjacente, de modo a alcançar o equilíbrio[16]. Foi utilizado um extensômetro de codificação PA06-062RE-120-L e uma fresa de 1,8 mm.

Usou-se também o difratômetro de raio X Shimadzu XRD-7000. O método utilizado nas medições foi o do sen2 ψ com variação do ψ de 0° a +45°, de 15° em 15°, com CrKα nos planos cristalográficos (2 1 1). As tensões medidas foram as circunferenciais, ou seja, na direção tangencial à força de corte. Esta foi escolhida, pois foi onde ocorreram os maiores esforços, a qual deverá gerar as maiores tensões residuais de tração.

Para a realização das análises dos cavacos, foi necessário fazer uma limpeza superficial sem danificar ou alterar a sua forma. Para isso, foi realizada uma lavagem por sonda, utilizando-se a máquina de limpeza por ultrassom Struers Metason 200 e o equipamento MEV FEI Quanta 3D, para a análise do cavaco e sua estrutura.

Foram calculados as médias e os desvios padrões, apresentados em gráficos de colunas e perfis de médias. Para o estudo do efeito dos fatores na tensão residual, foi conduzido um planejamento fatorial completo (2k), cujo resultado foi obtido a partir de uma análise de variância (tabela Anova). Foram medidas as respostas de todas as combinações dos tratamentos estatísticos de acordo com o especificado pelo modelo fatorial completo[11].

Figura 2 – Gráfico de variabilidade das tensões

O DOE é uma análise que costuma ser utilizada previamente ao início de um estudo, pois auxilia no planejamento de como atuar com os fatores para realizar os ensaios. Este método consiste em estudar a resposta interagindo com k, fatores que devem conter obrigatoriamente dois níveis, enquanto a Anova permite que, para a análise, os fatores tenham dois ou mais níveis. Para verifi car se existe efeito dos fatores na resposta, o DOE utiliza a Anova, que é um método de comparação de várias médias[11].

No desenvolvimento deste estudo, para os casos em que se fez necessária a análise da interação de fatores com mais de dois níveis, foi utilizado um modelo geral de Anova possibilitando uma resposta do melhor desempenho dos parâmetros de corte avaliados.

Resultados e discussão

O estudo da tensão residual tem como objetivo mostrar quais parâmetros de corte poderão apresentar as menores tensões de tração, uma vez que quanto menor for a tensão de tração, melhores serão as características da integridade superficial da peça. Não foi possível medir a tensão de escoamento, porém, como o material é fundido, seu valor não será o mesmo que o encontrado na literatura.

Segundo Oliveira Junior e Imoa[8,12], para um aço inoxidável super duplex fundido a tensão de escoamento pode superar 1.300 MPa. Carmo[3] diz que o valor máximo em módulo que as tensões residuais podem chegar é o próprio limite de escoamento do material, porém, quando combinado com outras tensões provocadas por efeitos externos, pode exceder esse limite, provocando um colapso local. Então, conclui-se que todas as tensões residuais foram menores que a tensão de escoamento.

A tensão residual mecânica é o resultado do escoamento plástico não homogêneo causado pelo efeito de orientação cristalina, do contorno de grão, por forças externas ou gradiente térmico. Neste caso, o principal efeito, que é por deformação mecânica, foi devido ao encruamento.

A figura 1 mostra o efeito das médias dos fatores sobre a tensão residual, comparando os dois métodos de refrigeração e a seco. Ainda na figura 1, nota-se a análise estatística das interações dos efeitos sobre a tensão residual pelo planejamento fatorial, mas utilizando a análise de variância (Anova).

A figura 1 mostra também que, para um índice de confi ança de 95%, o menor avanço, a menor profundidade de corte, a maior velocidade de corte e a utilização de fluido criogênico apresentam em média a menor tensão residual. Segundo Javidi et al[9], o avanço (f) é o parâmetro de usinagem que mais exerce influência na geração de tensões residuais de compressão.

Para a profundidade de corte (ap) e a velocidade, não há um consenso sobre a sua influência na geração de tensões residuais. Dahlman et al [6] não encontraram nenhuma influência da profundidade de corte na geração da tensão residual, já Bordinassi[1] relatou que houve essa influência. Ao pesquisar o torneamento de aços endurecidos, Rech e Moisan[13] relataram forte influência da velocidade de corte na geração de tensão residual de compressão, enquanto Gunnberg et al[7] relataram que a velocidade influenciou, gerando tensões residuais de tração em sua pesquisa.

Os resultados estatísticos provam que a interação entre o avanço, a velocidade de corte e a profundidade é o fator que mais influenciou na tensão residual, seguido do fluido com o avanço. A figura 1 mostra a interação entre o avanço e a velocidade de corte, entre o fluido e a profundidade de corte e entre o avanço e o fluido, os quais foram os que mais influenciaram para tensão residual.

Figura 3 – Amostra de cavaco para os parâmetros de usinagem dos segmentos 4 e 5. MEV dos cavacos do segmento 4 com ampliação de 250x

Ao analisar a formação de cavacos, observa-se que, conforme a profundidade de corte e o avanço aumentam, é gerada mais deformação com a utilização do fluido criogênico. O cavaco tende a ter um comportamento frágil, o que pode influenciar na tensão mesmo que a refrigeração remova o alívio da pressão específica de corte pelo efeito do aquecimento do material dúctil.

O efeito do encruamento pelas maclas, que são um tipo de defeito de superfície e podem ser causadas por tensões térmicas ou mecânicas, pode gerar uma reorientação da microestrutura entre dois planos. Isso resulta em uma orientação mais propícia para o escorregamento de planos, pressupondo-se que este fenômeno ocorra pela análise da microestrutura, afetando a tensão residual. Um grão pequeno produz muitos contor nos e as discordâncias podem mover-se apenas por uma curta distância antes de encontrar outro contorno.

Assim, em baixas temperaturas, é possível dizer que a redução do contorno de grão promove um aumento do limite de escoamento do material. A presença de outras discordâncias, contornos de grão ou de precipitados, pode ser um obstáculo ao movimento, resultando em um aumento da resistência. Por outro lado, a ductilidade do material é reduzida.

A usinagem pode provocar tensões residuais em materiais, devido à deformação plástica da camada superficial, à ação mecânica da ferramenta e ao aquecimento local durante o processo, sendo que esta temperatura pode assumir valores bem altos provocando até a transformação de fase de algumas ligas. Cullity[5] defende que a distribuição final das tensões residuais em um processo de usinagem depende da velocidade de aquecimento e das características da ferramenta.

Observa-se pelos resultados que o material fundido dificultou a análise da tensão residual e, conforme dados estatísticos obtidos pela Anova, a tensão residual é influenciada por diversos fatores, o que se mostra como condição adversa para determinar ou explicar qual efeito foi o mais relevante para a tensão residual. Porém, com base nos resultados, a usinagem criogênica apresentou os menores valores de tensões residuais. O segmento 1, com refrigeração criogênica, apresentou a menor tensão residual entre todos os corpos de prova estudados.

A figura 2 mostra que, apesar da tensão de alguns segmentos estar dentro da mesma faixa de variabilidade, como é caso do segmento 7, a variabilidade é baixa o sufi ciente para a utilização dos valores das médias para a realização da análise estatística.

Um fator determinante para o estudo da tensão é o comportamento da formação de cavaco. Para isso, foram recolhidas amostras para todos os corpos de prova usinados, segundo os parâmetros da tabela 1.

Figura 4 – MEV de um cavaco com ampliação de 1.000x. Parâmetros utilizados: vc = 150 m/min; f = 0,1 mm/rot; ap = 0,25 mm; LN2; pastilha 2025

A figura 3 mostra que os cavacos dos corpos de prova usinados com a utilização de fluido criogênico (LN2), a partir do segmento 4, apresentaram características de cavacos do tipo enrolado curto.

Isso possivelmente ocorre por que houve uma mudança no comportamento do cavaco, sendo de dúctil para frágil, devido à incidência do nitrogênio líquido sobre o cavaco, possivelmente a uma temperatura abaixo da vítrea. Houve uma mudança nas lamelas justapostas para uma forma de plano clivado bem definido, como mostra a figura 3, identificando-se a citada mudança de dúctil para frágil.

A figura 3 ainda mostra, por meio dos MEV’s realizados, os segmentos que foram usinados a seco e com óleo solúvel, respectivamente. Apresenta também a constituição das lamelas justapostas numa disposição contínua e organizada em grupos lamelares, na qual ocorre apenas um deslizamento.

Ainda na figura 3 é possível ver que a usinagem foi feita com fluido criogênico. Os grupos lamelares bem distintos e justapostos levam a crer que os planos sejam clivados, como apresentado na figura 4. Este tipo de cavaco forma-se quando há diminuição da resistência do material no plano de cisalhamento, pressupondo-se que seja devido ao uso da refrigeração criogênica.

As bordas para o cavaco usinado com refrigeração criogênica apresentam uma distância lamelar menor em comparação com os outros casos, como observado na figura 3. Segundo Shaw[14], o cavaco contínuo apresenta-se constituído de lamelas justapostas numa disposição intermitente e em grupos lamelares.

O cavaco contínuo forma-se na usinagem de materiais dúcteis e homogêneos. Embora o material estudado seja homogêneo, todos os cavacos apresentados nos ensaios são contínuos, variando apenas suas formas, sendo cavaco de fita longo, cavaco enrolado longo e cavaco enrolado curto.

Os parâmetros que apresentaram a melhor forma de cavaco (menor em relação aos demais obtidos nos outros ensaios) foram do segmento 8, com avanço de 0,2 mm/rot, velocidade de corte de 110 m/ min, profundidade de corte de 0,5 mm e a utilização de fluido criogênico.

Conclusão

A usinagem com refrigeração criogênica proporcionou cavacos do tipo contínuo na forma de enrolados curtos, sendo benéfico para a segurança do operador, proporcionando maior volume de cavaco na máquina e evitando que a ferramenta quebre por conta da dissipação de calor.

Os corpos de prova usinados com fluido criogênico (LN2) apresentaram os menores valores de tensão residual. O menor avanço, a menor profundidade de corte, a maior velocidade e o uso da usinagem criogênica forneceu, em média, os melhores resultados para a tensão residual. Além disso, o segmento 1, usinado com refrigeração criogênica, apresentou uma tensão residual trativa, com valor abaixo de 90 Mpa. O nitrogênio como fluido refrigerante, por sua vez, não causou danos ao meio ambiente, apresentou-se como um gás inerte e mostrou alto poder refrigerante.

Referências

  1. Bordinassi, É. C.: Contribuição ao estudo da integridade superficial de um aço inoxidável super-duplex após usinagem. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, p. 221, São Paulo, 2006.
  2. Calado, V.; Montgomery, D.: Planejamento de experimentos usando o Statistica. E-papers Serviços Editoriais, Rio de Janeiro, 2003.
  3. Carmo, D. C.: Análise de tensões por ultrassom em barra de ação sob flexão. Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
  4. Chang, C.: Turning of stainless steel with worn tools having chamfered main cutting edges. International Journal of Machine Tools & Manufacture, v. 142, p. 291-313, 1998.
  5. Cullity, B. D.: Elements of X-ray diffraction. Assilson-Wesley Publishing Company, Massachusetts, 1956.
  6. Dahlman, P.; Gunnberg, F.; Jacobson, M.: The influence of rake angle, cutting feed and cutting deph on residual stresses in hard turning. Journal of Materials Processing Technology, v. 147, n o 2, p. 181-184, Gothenburg, abril de 2004.
  7. Gunnberg, F.; Escursell, M.; Jacobson, M.: The influence of cutting parameters on residual stresses and surface topography during hard turning of 18MnCr5 case carburised steel. Journal of Materials Processing Technology, v. 174, n o 1, p. 82-90, maio 2006.
  8. Imoa: Practical guidelines for the fabrication of duplex stainless steel. International Molybdenum Association, (ISBN), p. 64, Londres, 2009.
  9. Javidi, A.; Rieger, U.; Eichlseder, W.: The effect of machining on the surface integrity and fatigue life. International Journal of Fatigue, v. 30, no 10, p. 2.0502.055, Leoben, outubro de 2008.
  10. Montgomery, D. C.: Design and analysis of experiments. 3a ed, John Wiley, New York, 1976.
  11. Montgomery, D. C.; Runger, G. C.: Estatística aplicada e probabilidade para engenheiros. 5a ed, LTC, Rio de Janeiro, 2013.
  12. Oliveira Jr., C. A.: Torneamento de aço inoxidável super duplex UNS S32750 e influência na resistência à corrosão. Universidade Estadual de Campinas, p. 124, Campinas, 2013.
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  14. Shaw, M. C.: Metal cutting principles. 2a ed, Oxford series on advanced manufacturing, New York, 2005.
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