Influência dos parâmetros de corte no fresamento de eletrodos de grafita para produção de peças por eletroerosão


Este trabalho tem por finalidade avaliar como os parâmetros de fresamento (velocidade de corte, avanço por dente e profundidade de usinagem) afetam a qualidade superficial de eletrodos e de peças produzidas por eles, posteriormente, via eletroerosão. Os resultados alcançados sugerem que elevados valores de velocidade de corte e baixos avanços garantem mais qualidade superficial, enquanto valores mais altos de profundidade de penetração afetam negativamente a qualidade dos eletrodos.


D. A. Oliveira, R. D. Oliveira, M. A. Câmara e A. M. Abrão

Data: 22/02/2017

Edição: MM Janeiro 2017 - Ano 53 - No 612

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A usinagem convencional nem sempre alcança o resultado desejado para uma determinada peça, pois, muitas vezes, não se obtém um bom acabamento superficial associado a baixas tolerâncias dimensionais, principalmente, em peças com geometrias complexas e de elevada dureza. Por essas razões, a operação de eletroerosão ou EDM (electrical discharge machining) é uma alternativa para a fabricação de peças em materiais condutores, suprimindo tais limitações.

O mecanismo de remoção de material via eletroerosão é preponderantemente térmico[6,12]. Sucessivas descargas elétricas são geradas em curtos intervalos de tempo entre pares de materiais condutores (eletrodo/peça). O eletrodo é a ferramenta que gera a forma final da peça, sendo que, durante o processo, tanto a peça como o eletrodo perdem material[1].

Figura 1 - Desenho em perspectiva do eletrodo projetado (a) e eletrodo fabricado (b)

A ocorrência de desgaste do par eletrodo/ferramenta é inevitável nas operações de EDM, sendo uma questão muito importante, uma vez que a degradação da forma da ferramenta afeta diretamente o formato e as dimensões finais da cavidade[2]. Vários fatores influenciam a taxa de desgaste dos eletrodos, entretanto, este trabalho aborda os que são determinantes para o desgaste do material e a geometria da ferramenta.

As propriedades do eletrodo, tais como elevada temperatura de fusão, alta densidade, elevado coeficiente de condução de calor e calor específico, alta energia de coesão e grande calor latente de evaporação resultam em uma máxima resistência ao desgaste[10]. As ferramentas de cobre apresentam valores mais elevados de desgaste, em comparação com as de carbeto de tungstênio e grafite[8].

Figura 2 - Detalhe mostrando a área retangular projetada (a); áreas produzidas nos eletrodos (b)

Pesquisas realizadas em ferramentas com superfícies tridimensionais e diferentes seções transversais revelaram que eletrodos com seção circular promovem a remoção de material de modo mais eficaz e com menor taxa de desgaste, seguido pela forma triangular, retangular e finalmente por eletrodos de seção transversal quadrada[11].

Em uma comparação sobre o desempenho entre eletrodos com seção transversal sólida e tubular, observou-se que a taxa de remoção do material e a taxa de desgaste do eletrodo aumentaram consideravelmente para o tipo com geometria tubular[13].

A grafita é um dos materiais utilizados como eletrodo no processo EDM. Por ter um alto ponto de fusão (aproximadamente 3.500°C)[3], ela possui uma taxa menor de desgaste e, consequentemente, atinge alta produtividade. Isso, principalmente, em condições mais severas (correntes mais elevadas e polaridade negativa no eletrodo) durante a operação de eletroerosão em condições típicas de desbaste.

Figura 3 - Diferença das dimensões dos eletrodos em relação ao valor projetado

Por apresentar estrutura policristalina, a sua usinagem ocorre por um processo de fratura, em vez de deformação plástica, tipicamente observada no corte de metais. A zona de corte esmaga a grafita na frente da aresta de corte quando ela se move por meio do material. Isto forma pequenas partículas que resultam em pó de grafita como produto final, em vez dos cavacos tradicionalmente formados na usinagem de metais.

Assim, o processo de corte da grafita não gera elevadas temperaturas[7], o que inibe os mecanismos de desgaste termicamente ativados. Devido à sua baixa resistência mecânica, baixa resistência à tração e baixa tenacidade, a grafita é considerada fácil de ser usinada.

Deve ser dada uma atenção especial no que diz respeito a evitar o lascamento das bordas do material e o desenvolvimento de trincas internas causadas por tensões compressivas. Para tanto, os parâmetros de usinagem, tais como velocidade de corte, avanço por dente, sentido de corte (concordante ou discordante) e penetração de trabalho, devem ser cuidadosamente analisados.

Na operação de fresamento, com profundidade de penetração de trabalho acima de 50% do diâmetro da ferramenta, apareceram fraturas nas bordas dos eletrodos de grafita com direção discordante no início do corte. Enquanto isso, em direção concordante no final de corte, as bordas dos eletrodos se mantiveram íntegras[7]. A direção final de corte concordante da ferramenta proporciona uma melhor qualidade superficial e mais tempo de vida útil da ferramenta[5].

Configuração experimental

Os eletrodos e as peças foram fabricados, respectivamente, em barras de grafita e aço ABNT 1045; todos com 50,8 mm de diâmetro. Os eletrodos foram usinados em um centro de usinagem Romi, modelo Discovery 560, com potência de 9 kW e rotação máxima de 7.000 rpm. A ferramenta empregada foi uma fresa de topo de metal duro MSMHD, com quatro arestas e 2 mm de diâmetro, produzida pela Mitsubishi Carbide.

Figura 4 - Letras produzidas nos seis eletrodos

A eletroerosão foi realizada em uma máquina Engemaq EDM200 NC Série L, que possui corrente máxima de 40 A. As análises de qualidade superficial dos eletrodos e das peças foram conduzidas em um microscópio óptico modelo Olympus SZ61, com câmera CCD acoplada a um computador, no qual foi instalado o software ImagePro para a captura e análise das imagens. Na figura 1 podem ser vistos o desenho em perspectiva do eletrodo projetado e ele já fabricado.

Os parâmetros empregados na operação de fresamento dos eletrodos de grafita são apresentados na tabela 1. A velocidade de corte variou entre 19 e 38 m/ min (3.000 e 6.000 rpm, respectivamente), o avanço por dente entre 0,05 e 0,1 mm; e a profundidade de usinagem foi de 0,5 a 1 mm. O valor da penetração de trabalho, por sua vez, foi mantido constante em 1,5 mm (75% do diâmetro da fresa).

Os eletrodos foram projetados com o objetivo de imprimir maior complexidade em sua geometria, permitindo uma melhor análise qualitativa e quantitativa em regiões específicas. Para a operação de fresamento, foi mantida a direção concordante na saída do corte[5,7].

Figura 5 - Região da borda dos seis eletrodos

Figura 6 - Área retangular dos eletrodos após a eletroerosão

Os parâmetros velocidade de corte (vc), avanço por dente (fz) e profundidade de penetração (ap) foram variados, produzindo seis eletrodos que, posteriormente, foram analisados por microscopia óptica. Os parâmetros utilizados na operação de eletroerosão foram baseados na área da peça a ser removida e no acabamento desejado.

A operação de eletroerosão foi realizada com parâmetros operacionais constantes, sendo: corrente de 6,86 A, tempos de descarga e de pausa de 100 μs (fator de serviço de 50%), afastamento automático de 10 mm a cada 15 s, pressão de aplicação do fluido dielétrico de 0,5 bar e tempo de operação de 60 min.

Diferenças das dimensões dos eletrodos após a eletroerosão em relação aos valores iniciais

Resultados e discussões

Este item está subdivido em três seções, sendo a primeira relativa à qualidade dos eletrodos após o fresamento, a segunda referente à qualidade dos eletrodos após a operação de eletroerosão e a terceira concentrada na qualidade das peças produzidas por eletroerosão.

Qualidade dos eletrodos antes do processo de eletroerosão

Os eletrodos possuem uma região retangular, sendo o sublinhado da letra “M” (visto na figura 9), onde foi possível concretizar as medições. Inicialmente, foram comparadas as áreas retangulares dos eletrodos

Figura 8 - Letras e regiões das bordas dos eletrodos após a eletroerosão

produzidos com o valor projetado (figura 2). Pode-se observar que os eletrodos I e II apresentam melhor acabamento que os demais, indicado por menor quantidade de falhas em suas arestas.

Uma associação entre maiores velocidades de corte e menores valores de avanço e de profundidade de penetração promove acabamento melhor. Na usinagem dos aços, o aumento da velocidade de corte promove maior geração de calor com consequente redução da tensão de cisalhamento do material, além de reduzir a área de contato na interface cavaco/ferramenta[9].

Em decorrência destes fatores, é gerada uma força de corte mais baixa. Não se sabe com que intensidade este comportamento se estende na usinagem da grafita, contudo, estes fenômenos, principalmente a redução da área de contato na interface, podem estar entre as justificativas para o melhor acabamento. O eletrodo IV apresentou maior quantidade de falhas, o que pode ser explicado pelo fato de ter sido produzido com menor velocidade de corte e maior profundidade de penetração.

A figura 3 apresenta as diferenças das dimensões médias dos eletrodos em relação ao valor estipulado em projeto. Com exceção do eletrodo VI, as diferenças na largura são praticamente irrisórias, podendo ser atribuídas a erros de medição. Entretanto, os valores de altura apresentaram maiores diferenças, as quais, provavelmente, devem-se a erros de paralaxe durante as medições. Velocidades de corte mais baixas, em conjunto com avanços por dente mais elevados, promoveram a queda da qualidade dimensional no eletrodo VI.

Figura 9 - Exemplo de peça produzida por EDM

A análise qualitativa foi realizada em todas as letras dos eletrodos e apresentada na figura 4. Observa-se que, para todas as letras, os eletrodos I, III e V possuem mais qualidade por apresentarem menos falhas, e que o eletrodo I mostrou maior integridade dentre os demais.

Os eletrodos IV e VI mostraram a pior qualidade superficial com grandes quantidades de falhas (regiões com lascas), evidenciando até mesmo uma fratura parcial da letra “U” no eletrodo IV. A qualidade inferior destes eletrodos está associada a velocidades de corte mais baixas, com valores elevados de profundidade de usinagem para o eletrodo IV e valores de avanço por dente mais altos para o eletrodo VI.

Afirma-se que o aumento do avanço por dente e da penetração de trabalho causa o acréscimo da força de usinagem[4]. Isto ocorre pelo aumento da área do plano de cisalhamento primário e secundário. O aumento do avanço por dente promove uma redução do ângulo efetivo de corte pela ação de esforços trativos, logo, o material que deveria ser cisalhado é arrancado, provocando fraturas nas bordas dos eletrodos [5].

A associação entre a ampliação das forças de corte com a mudança do estado de tensões (de cisalhamento para tração) justifica a pior qualidade dos eletrodos que apresentaram uma maior quantidade de falhas. O eletrodo I aparenta melhor qualidade superficial, porém apresenta maior quantidade de falhas do que os eletrodos II e III, como pode ser observado na figura 5, na região da borda dos eletrodos.

Figura 10 - Região dos sublinhados das peças produzida por EDM

Qualidade dos eletrodos após a eletroerosão

Após a operação de eletroerosão, repetiram-se todos os procedimentos de análise realizados anteriormente. A figura 6 (pág. 16) mostra a área retangular dos eletrodos. A análise quantitativa do desgaste está sintetizada na fi gura 7 (pág. 18), que apresenta o valor médio das diferenças das dimensões de altura e largura dos eletrodos, após a operação de eletroerosão em relação aos valores iniciais.

O eletrodo I apresentou menores diferenças nos valores da altura e da largura, o que sugere menor desgaste durante a eletroerosão. O eletrodo IV teve o desgaste mais pronunciado, obtendo expressivas diferenças em suas dimensões em comparação aos demais eletrodos, evidenciando as falhas geradas durante o fresamento (figura 2).

Uma análise comparativa das imagens expostas na figura 8, com as figuras 4 e 5, mostra que a maior parte das falhas apresentadas nas arestas dos eletrodos desapareceu, erodidas durante a eletroerosão. É possível observar o arredondamento das arestas dos eletrodos, o que sugere a ocorrência do mecanismo de desgaste de canto.

Verifica-se que este desgaste é mais pronunciado nos eletrodos que apresentaram maiores quantidades de lascas durante o fresamento, fato observado no eletrodo IV. Uma possível explicação é o surgimento condições de usinagem instáveis, concentrando descargas de arco e curtos circuitos nas regiões lascadas.

Os eletrodos com melhor acabamento após a eletroerosão são: I, III e V. O eletrodo I apresentou, predominantemente, maior integridade superficial, indicando que a qualidade obtida pela operação de fresamento não foi profundamente afetada pela operação de eletroerosão.

Figura 11 - Diferenças das dimensões iniciais dos eletrodos em relação às peças produzida por EDM

Qualidade das peças produzidas por eletroerosão

As figuras 9 e 10 apresentam, respectivamente, um exemplo de peça produzida por EDM e a área retangular das seis peças utilizadas para medições. Não foram verificadas diferenças significativas entre as dimensões iniciais de largura e altura dos eletrodos em relação às peças produzidas por EDM.

Isso sugere baixa influência da variação dos parâmetros de usinagem dos eletrodos, como pode ser visto na figura 11. Os eletrodos I e III apresentaram maior integridade durante o fresamento e menor desgaste de canto durante a eletroerosão. Consequentemente, produziram peças com melhor aspecto visual e menor quantidade de defeitos, como pode ser observado na figura 12.

Figura 12 - Letras e regiões da borda das peças produzida por EDM

Conclusão

Os parâmetros que garantem melhor qualidade ao eletrodo de grafita após o fresamento são o avanço por dente (fz) e a velocidade de corte (vc). Velocidades de corte mais elevadas, associadas a avanços por dente mais baixos, propiciam melhor qualidade aos eletrodos. Este fato é observado na comparação dos eletrodos I e III, produzidos segundo os parâmetros mencionados e a subsequente produção de peças por eletroerosão.

A diferença primordial entre o fresamento dos eletrodos I e III é a profundidade de usinagem (o eletrodo III foi produzido com o dobro da profundidade empregada na fabricação do eletrodo I), fato que acarretou uma baixa na qualidade do eletrodo III.

Os eletrodos I e III continuaram apresentando melhor qualidade após a operação de eletroerosão. O eletrodo I sofreu menos desgaste, ou seja, a qualidade do eletrodo antes da eletroerosão interfere no resultado final. A maior parte das falhas superficiais (regiões lascadas) desapareceu após a eletroerosão, por conseguinte, o eletrodo possui uma qualidade superficial melhor (regiões com aspecto mais liso) após a eletroerosão.

As peças I e III obtiveram mais sucesso entre as peças erodidas, ou seja, a qualidade do eletrodo se reflete no seu desgaste durante a operação de eletroerosão e também na qualidade da peça produzida.

Referências

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