Dimensionamento de lagoas aeradas seguidas de lagoas de sedimentação


Um projeto bem elaborado e alinhado ao controle operacional do sistema, visando à qualidade do efluente e à redução de custos, é fator determinante para o sucesso do tratamento.


Patrícia Nasraui, engenheira da Sabesp

Data: 10/09/2016

Edição: Hydro Setembro 2016 - Ano - XI No 119

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O sistema de lagoas aereadas é uma das formas de tratamento de esgoto que requer menor área quando comparada com as lagoas de estabilização sem aeração (facultativa e anaeróbia), além de apresentar maior simplicidade de operação do que o sistema de lodos ativados e suas variantes. Mesmo assim, não é um processo de baixíssimo custo, pois consome energia elétrica, demanda controle operacional e gera mais lodo do que as lagoas de estabilização. Por esses motivos, as lagoas aeradas são mais viáveis para comunidades de pequeno a médio porte e em locais de terreno de baixo custo.

Objetivo

O presente trabalho apresenta os principais pontos a serem considerados na operação de lagoas aeradas aeróbias visando desempenho adequado e os parâmetros de projeto a serem revistos no seu dimensionamento.

Os projetos de lagoas aeradas são elaborados considerando parâmetros propostos em literatura, os quais estabelecem as dimensões da lagoa e a potência dos aeradores com base na vazão e na carga orgânica afluente (população a ser atendida).

As lagoas aeradas aeróbias apresentam eficiência teórica de 50% a 60% na remoção de DBO e baixíssima remoção de sólidos. Já nas lagoas aeradas facultativas a eficiência oscila de 70% a 90% na remoção de DBO.

Observa-se, contudo, que as lagoas aeradas, normalmente conjugadas com lagoas de sedimentação, apesar de apresentarem uma eficiência teórica e até mesmo prática de 80% a 90% na remoção de DBO, não mostram alta eficiência na remoção de sólidos suspensos, normalmente definida nos projetos em 80%. Alguns fatores devem ser considerados para o bom desempenho desse sistema, principalmente a vazão e a carga afluente, o oxigênio dissolvido, a mistura promovida pelos aeradores, o tempo de detenção e as dimensões de ambas as lagoas.

Materiais e métodos

Foram avaliadas 19 lagoas aeradas aeróbias seguidas de lagoas de decantação quanto à efi ciência na remoção de DBO, das quais duas também quanto à remoção de SST – sólidos suspensos totais.

De modo geral, os sistemas de lagoas aeradas são compostos por gradeamento manual ou mecanizado, calha Parshall com medidor de vazão, desarenadores manuais ou mecanizados e posteriormente as lagoas aeradas e de decantação, sendo utilizados para desidratação do lodo leitos de secagem ou lagoas de lodo.

Tipos de lagoas

Aerada aeróbia

A lagoa aerada é do tipo aeróbia quando o sistema opera em regime de mistura completa (teoricamente), com aeração intensa, com turbulência suficiente para manter a biomassa em suspensão e distribuir o oxigênio dissolvido por toda a massa líquida, garantindo um processo totalmente aeróbio.

A profundidade usual nessas lagoas é de 2,5 a 5 m. Comparativamente às lagoas aeróbias facultativas, apresentam como vantagem maior eficiência, ausência de crescimento de algas e menor demanda por área. Entre as desvantagens, está o maior consumo de energia elétrica. Deve ser sempre seguida de sedimentação (ou filtração) para a remoção de sólidos suspensos do efluente.

Aerada facultativa

Quando há baixa turbulência, suficiente apenas para promover a difusão do oxigênio dissolvido na massa líquida, mas insuficiente para manter os sólidos em suspensão, parte da biomassa sedimenta sofrendo degradação anaeróbia no fundo da lagoa, enquanto a biomassa suspensa na parte superior da lagoa passa por processo aeróbio. Esse é o tipo de sistema de lagoas aeradas facultativas.

Para tanto, o parâmetro densidade de potência (Dp) é que determinará se apenas manterá o oxigênio dissolvido suficiente para os micro-organismos presentes ou, além disso, dispersará as partículas sólidas no meio líquido.

A tabela I apresenta as diferenças básicas entre ambas as lagoas.

Diferenças entre lagoas aeróbias e facultativas

Densidade de potência (Dp) ou potência unitária

O principal parâmetro que diferencia os dois tipos de lagoas é a potência fornecida pelos aeradores em função do objetivo a ser alcançado nas lagoas aeradas: principalmente difusão do oxigênio (facultativas) ou oxigenação e suspensão dos sólidos (aeróbia).

Foram apontados na literatura valores de Dp para lagoas aeradas aeróbias que vão de 2,5 a 30 W/m3, conforme apresentado na tabela II.

Quanto maior o volume da lagoa aerada, menor poderá ser a relação adotada para W/m3.

O nível de mistura e o oxigênio dissolvido no sistema de lagoas são cruciais para o alcance da boa eficiência do processo. A aeração pode ocorrer por três tipos de processos:

Para compensar esses dois efeitos que tendem a sedimentar as partículas, apresentando baixa eficiência em termos de mistura, torna-se necessária uma potência adicional para produzir fluxos de interferência. Os fluxos de interferência podem ser atingidos com a instalação de mais de um aerador, sem necessidade de aumento da potência, porém diminuindo o raio de influência do aerador. Com a utilização de vários aeradores, portanto, a densidade de potência necessária para obtenção de regime de mistura completa é menor do que com um só aerador. A utilização de vários aeradores uniformemente distribuídos tem efeito similar à subdivisão do reator em várias câmaras em série, com o objetivo de conseguir maior eficiência na mistura.

Essa avaliação também é válida para aeradores de eixo horizontal, os quais promovem o fluxo de líquido para a entrada da lagoa somado ao fluxo de revolvimento das partículas sólidas a partir do fundo. Importante ressaltar que:

O aerador pode ser eficiente no fornecimento de oxigênio, mas não necessariamente na mistura, ou vice-versa. O teste prático realizado pelo fabricante é muito importante para avaliação da eficiência de oxigenação e mistura.

A escolha do tipo de aeração depende da vazão de esgoto a ser tratada, mais especificamente da carga orgânica, pois em sistemas pequenos, a aeração por ar difuso torna-se inviável pelo custo do compressor e linhas de ar. Os aeradores superficiais têm custo inferior e apresentam menor consumo de energia, mas devem ser bem dimensionados, garantindo a eficiência esperada. De acordo com pesquisa realizada por Said [1], o desligamento de aeradores durante o período de 3 horas diárias nos sistemas de lagoas aeradas não prejudica a eficiência do sistema em termos de remoção de DBO e é bastante representativo no consumo de energia elétrica, sobretudo se o desligamento ocorrer em período de ponta.

Demanda de oxigênio

A demanda por oxigênio em lagoas aeradas pode ser expressa em função da massa de oxigênio necessária para a oxidação do substrato (metabolismo) e para a respiração endógena.

Pedro Além Sobrinho [2, 3] faz uma série de observações para projetos de lagoas aeradas seguidas de lagoas de decantação (tabela III).

No levantamento bibliográfico observa-se que alguns autores citam que o fornecimento de oxigênio é garantido quando há mistura completa, e outros afirmam que no cálculo da demanda não está computada a potência necessária pra promover a mistura da massa líquida e para a manutenção dos sólidos voláteis em suspensão.

Estudos da década de 70 consideram no cálculo da demanda de oxigênio a reaeração superficial, gerando uma densidade de potência inferior à necessária para manter a mistura e o oxigênio dissolvido.

Na prática, obtém-se mistura total na lagoa com Dp de 3 a 3,5 W/m3, sendo o mais comum atingir essa condição com Dp > 6 W/m3.

Dimensões

As lagoas aeradas podem ter formato quadrado ou retangular. A relação entre comprimento e largura para lagoas retangulares é de 2-3 para 1, referente ao nível médio da lagoa.

Tipo de montagem

A lagoa deve ser construída em área distante a 400 m, no mínimo, das residências. O vento deve soprar no sentido das residências para as lagoas.

As paredes e piso devem ser impermeabilizados adequadamente ou de terra bem compactada de forma a impedir a contaminação do aquífero. A remoção de lodo da lagoa de sedimentação deve ser cuidadosa.

Controle operacional

Medição de vazão de esgoto e monitoramento da qualidade

O conhecimento da vazão, bem como da qualidade do esgoto que chega na estação, é essencial para a avaliação de possíveis “choques” de carga ou de volume, da eficiência do processo e do controle do oxigênio dissolvido, se a aeração for passível de controle. Devem ser instalados medidores de vazão afluente e efluente com totalizador, a fim de monitorar a perda de esgoto por evaporação ou possível infiltração no solo.

O bom funcionamento da fase preliminar é essencial, pois a falha no gradeamento (manual ou mecanizado) ocasionará obstrução da grade e extravasamento de esgoto, podendo provocar contaminação no solo. A ineficiência na remoção de areia promoverá maior deposição na entrada da lagoa aerada e consequente redução no seu volume útil. Vazão afluente muito abaixo da prevista em projeto permitirá deposição acentuada de areia no canal, cuja qualidade será muito ruim em decorrência da elevada quantidade de matéria orgânica agregada à partícula. Esse fato pode aumentar a presença de vetores e o mau cheiro.

O principal controle está na manutenção do oxigênio dissolvido e mistura. A baixa aeração ocasionará pouca eficiência na sedimentação dos sólidos, pois o baixo metabolismo das células dificulta a liberação de gel celular que flocula as células naturalmente. Desse modo, os flocos não se formam, causando elevada concentração de SST no efluente das lagoas de sedimentação. O baixo nível de mistura promove o crescimento de algas.

Importante destacar que as lagoas (aeradas, de sedimentação e outras) nunca devem ser esvaziadas, devendo-se manter seu nível d’água, no mínimo, até o nível concretado do talude.

A ocorrência de choque químico (alteração brusca de pH ou presença de compostos químicos tóxicos) ou aumento excessivo de vazão pode levar à redução de micro-organismos nas lagoas aeradas, reduzindo sua capacidade de remoção de DBO.

Lagoas de sedimentação

Na sedimentação é recomendado tempo de detenção de 1 dia, suficiente para o acúmulo dos flocos que, uma vez bem formados, tornam esse processo mais ágil. A boa formação de flocos deve-se não só à qualidade do esgoto, mas também às boas condições físicas proporcionadas aos micro-organismos na lagoa aerada, o que é possível com tempo de detenção (td) > 2 dias e oxigênio dissolvido entre 1,0 e 1,5 mg/L. Nas lagoas de sedimentação, a profundidade mínima deve ser de 3 metros, de tal modo que se tenha, no mínimo, 1 metro de líquido acima do lodo para não gerar odores.

Elevado tempo de detenção (superior a 2 dias) gera algas e flotação do lodo e, portanto, reduz a eficiência tanto em concentrações de DBO quanto de SST.

O controle de nível das lagoas de sedimentação deve ocorrer em função de seu acúmulo de lodo, de tal modo que não ocorra:

O controle de nível é realizado através de comportas.

A remoção de lodo das lagoas de sedimentação deve ser fácil e periódica, sem que ocorra a paralisação do tratamento. Em vez de lagoas de sedimentação, também podem ser instalados sistemas de decantação com placas ou módulos sedimentadores.

O lodo removido, já estabilizado, será conduzido ao leito de secagem coberto com material translúcido às lagoas de lodo ou ser armazenado em bags. O líquido drenado deve ser bombeado para a elevatória e o lodo com maior concentração de sólidos estará apto a ser transportado ao aterro sanitário. Além dessas possibilidades para a desidratação do lodo retirado das lagoas de sedimentação, há ainda o encaminhamento do lodo para a centrifugação.

A limpeza deve ser prevista para ocorrer a cada 2 ou 3 anos. Caso haja baixa concentração de sólidos no esgoto e/ou baixa produção de lodo, o nível de lodo subirá mais lentamente, fazendo com que as lagoas de sedimentação suportem mais tempo sem limpeza.

Microbiologia

Os micro-organismos presentes em lagoas aeradas são idênticos aos dos lodos ativados, mas em menor concentração, sendo o SSV – sólido suspenso volátil = 100 a 400 mg/L, enquanto que em lodos ativados o SSV = 1500 a 4000 mg/L.

A microfauna característica desse tipo de tratamento é composta por ciliados livres e pedunculados, flagelados, rizópodes, rotíferos e anelídeos.

As características morfológicas dos flocos não apresentaram variações consideráveis para diferentes tempos de detenção, mas foram ligeiramente melhores para tempos de detenção maiores. Outros interferentes, além do tempo de detenção, são tão ou mais importantes, tais como: a disponibilidade de alimentos; a concentração de oxigênio dissolvido; e outros fatores que proporcionem ambiente adequado aos micro-organismos.

Os flocos começam a ser formados quando a disponibilidade de alimento fica reduzida, os organismos entram em fase de respiração endógena, colidem entre eles (se a agitação for suficiente) e o nível de energia dos organismos fica reduzido, não sendo suficiente para superar a força de atração entre as células.

A presença de nitrogênio amoniacal e de fosfato solúvel também interfere positivamente na formação do floco.

Resultados

Nos sistemas de lagoas aeradas, observa-se que a má sedimentabilidade do lodo não está diretamente relacionada à eficiência na remoção de DBO. Dos 19 sistemas avaliados, apenas dois apresentaram dados insatisfatórios e pontuais, cuja eficiência na remoção de DBO foi em média de 70%. Os demais sistemas apresentaram efetividade entre 79% e 94%, tendo como média 86%.

O estabelecimento de alguns parâmetros para o dimensionamento de aeradores, para definição do número e potência dos aeradores, afeta a qualidade do efluente, sem alterar o dimensionamento dos tanques.

Como a concentração de SST não é limitada pela legislação (federal ou estadual), normalmente esse parâmetro não é analisado, mas para os 19 sistemas estudados, a eficiência desse parâmetro variou de 63% a 88%, tendo como média 71%. Resultado bom, mas que não está aderente aos percentuais apresentados em projetos, que estão entre 80% e 90%.

A baixa remoção de SST gera um efluente turvo devido aos flocos pontuais, com baixíssima concentração de matéria orgânica, fato relacionado ao processo de floculação biológica. O crescimento disperso não permite a formação de flocos. A sedimentação desses flocos só é possível com a adição de floculante ou polieletrólito, ou melhorias na mistura e oxigenação.

Conclusão

Lagoas aeradas apresentam excelente eficiência na remoção de matéria orgânica a baixo custo operacional e de investimento quando comparadas com lodos ativados. Mas o dimensionamento inadequado do sistema de aeração, bem como o desconhecimento da carga que eventualmente possa fluir para a ETE, podem promover ambientes impróprios para o crescimento dos micro-organismos, dificultando o processo de biofloculação das partículas suspensas.

Embora o parâmetro SST não seja limitado na legislação, há limite para SS – sólidos sedimentáveis para o efluente, que é de 1,0 mL/L. Como os sólidos suspensos aí presentes não sedimentam em uma hora (tempo para análise de sedimentação em cone Imhoff), a concentração de SS no efluente é baixa, atendendo à legislação.

Recomendações

Em primeiro lugar, o dimensionamento correto de aeradores é essencial para a boa eficiência do processo no que diz respeito à floculação dos micro-organismos. A definição de aeradores adequados, em número suficiente para manter a dispersão das partículas sólidas e o oxigênio dissolvido entre 1,5 e 2,0 mg/L, é fator essencial para a excelente qualidade do efluente. Manter a Dp > 10W/m3 garante segurança na oxigenação do sistema. O ideal é executar testes práticos para avaliação.

As lagoas de sedimentação são dimensionadas com base no tempo de detenção apenas. Mas é preciso considerar que o comprimento da lagoa de sedimentação deve garantir a deposição de partículas, de tal forma que a velocidade desse processo seja superior à do fluxo da partícula ao longo da lagoa.

A operação deve ser bem executada desde a etapa preliminar (desarenação/gradeamento), com o objetivo de evitar problemas nas lagoas aeradas decorrentes da deposição de areia.

Importante ressaltar que os percentuais de eficiência na remoção de SST admitidos pelas projetistas não condizem com a realidade observada nas estações atualmente em operação.

Conhecer a característica do esgoto a ser tratado é muito importante, de forma a manter a relação C:N:P em 100:0,5:0,1, no mínimo, e promover um ambiente isento de choque às bactérias.

Um projeto bem elaborado e alinhado ao controle operacional do sistema, visando à qualidade do efluente e à redução de custos, são fatores determinantes para o sucesso do tratamento.

Refências

  1. Said, M. A., Além Sobrinho, P., Piveli, R. P.: Lagoas aeradas tratando esgotos sanitários: redução no custo de energia elétrica. XX Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, Rio, 1999.
  2. Além Sobrinho, P., Rodrigues, M. R.: Lagoas aeradas aplicadas ao tratamento de esgotos domésticos. XI Congresso Brasileiro de Engenharia e Ambiental, ABES, Fortaleza, 1981.
  3. Além Sobrinho, P.: Lagoas aeradas – aspectos teóricos, resultados experimentais – considerações sobre o projeto. Esc. Politécnica – USP, 1997.