Influência da série de precipitações na eficiência de reservatórios de água de chuva


Feitas 64 simulações de longo prazo, com dois volumes de reservatório (5000 e 10 mil L), para diferentes demandas e séries de precipitação, considerando áreas de captação das águas de chuva de 200 e 400 m2, pesquisadores apontaram uma evidente infl uência da série de demandas na eficácia dos reservatórios avaliados.


Carla Fernanda Perius, Daniel Allasia Piccilli, Rutinéia Tassi e Regina Cadore, da UFSM – Universidade Federal de Santa Maria

Data: 20/12/2016

Edição: Hydro Dezembro 2016 Ano XI No 122

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Um sistema de aproveitamento de água da chuva consiste basicamente em quatro itens: superfície de captação; sistema de condução de águas pluviais; reservatório para armazenamento; e sistema de distribuição até os pontos de utilização.

A reservação é, provavelmente, o item de maior peso no custo do sistema, merecendo, portanto, especial atenção, uma vez que a ideia básica é de que quanto mais água de chuva for armazenada, melhor será o atendimento às demandas previstas. Porém, tal conceito pode inviabilizar a implantação do sistema, pois a aquisição ou construção de reservatórios de grandes proporções, na maioria das vezes com capacidade ociosa, acarretará, além de um custo significativo, senão proibitivo, um problema de espaço físico para sua implantação.

Assim, o volume do reservatório deve ser otimizado, de forma a não ser excessivamente grande e caro, e tampouco muito pequeno e insuficiente no cumprimento ao atendimento das demandas. Esse dimensionamento é condicionado por um conjunto de fatores, que inclui: área de captação, volume de água da chuva e consumo para usos não potáveis. Portanto, devem ser investigados diferentes volumes de reservação em função da série de precipitação local, características de demanda e área de captação, e identificados pontos passíveis de instalação.

Segundo estudo realizado por Amorim e Pereira [1], em que foram comparados os métodos de dimensionamento para reservatórios utilizados em aproveitamento de água pluvial, verificou-se que é recomendável aplicar o método da simulação para uma melhor investigação do funcionamento do reservatório ao longo dos anos. Esse método está previsto na NBR 15.527/2007 [2]. A simulação permite analisar vários volumes e determinar as respectivas eficiências, com relativa simplicidade em relação a outros métodos. Dessa forma, é possível selecionar o volume em razão da eficiência desejada.

Nesse contexto, o presente estudo mostra como a série histórica de precipitação e a série de demandas influenciam a eficiência de um reservatório do sistema de aproveitamento de água de chuva, considerando dados de precipitação disponíveis para o município de Porto Alegre, RS.

Materiais e métodos

O método da simulação consiste em um balanço hídrico de longo prazo, para avaliar o comportamento do reservatório diante da série de precipitações e demandas, conforme as equações (1) e (2):

S(t) = Q(t) + S(t-1) – D(t)
(1)


Q(t) = C x P(t) x A
(2)


onde:

Fig. 1 – Chuva total anual de cada ano da série histórica (Fonte: autores)

Para fins de simulação, o reservatório foi considerado inicialmente cheio, seguindo a recomendação da NBR15.527/2007.

Para a realização do estudo, considerou-se um lote fictício, no município de Porto Alegre, com duas diferentes áreas de captação: 200 e 400 m2. Para cada uma delas foram avaliados dois volumes de reservatórios (5000 e 10 mil L).

A série histórica de precipitação adotada é contínua, com discretização temporal de 5 minutos, e possui 12 anos de dados (1975 – 1986), obtida em um pluviógrafo do Inmet, localizado no aeroporto da cidade de Porto Alegre. A caracterização da série de precipitações foi realizada por meio dos totais anuais e precipitação média anual.

A influência da série de precipitação foi avaliada mediante simulação que considerou a simulação da série real, iniciada no ano 1 (1975) e finalizando no ano 12 (1986), mais 11 séries geradas a partir da série real, formuladas por meio do reordenamento dos anos na série. As séries geradas seguiram o seguinte procedimento:

Com relação à série de demandas, foram considerados os valores de Hentges [3], que gerou séries considerando o uso da água da chuva na descarga da bacia sanitária (6 L/ descarga), irrigação de jardim (190 L/ 10 min), lavagem de veículos (220 L/ 30 min) e limpeza das calçadas (280 L/30 min). Para fins de análise, considerou-se que em cada edificação simulada a população média é de cinco pessoas.

Com relação à sazonalidade da série de demanda, foram estabelecidos diferentes padrões de consumo conforme a estação do ano, o que determinará maior ou menor consumo de água (tabela I). A irrigação do jardim foi considerada apenas nos meses de janeiro, fevereiro, novembro e dezembro, caso não houvesse ocorrido nenhum evento de precipitação em dois dias consecutivos. Nos meses restantes, a irrigação foi realizada, caso não ocorresse nenhum evento de precipitação durante a semana anterior. Essa consideração foi realizada devido à localização do lote hipotético no Estado do Rio Grande do Sul, que possuiu clima subtropical úmido, com precipitação uniforme ao longo do ano e temperaturas elevadas nos meses de verão e temperaturas mais amenas nos demais meses do ano. Portanto, o volume da demanda varia todos os meses, conforme os usos, e durante todos os anos, pois a irrigação não é realizada de forma fixa, e sim a partir dos dias antecedentes sem precipitação.

Para determinar a influência da série de demandas na eficiência do reservatório, foram avaliadas quatro séries distintas de demandas, simuladas com a série real de precipitação:

No total, foram realizadas 48 simulações (12 séries de precipitação x 2 áreas de captação x 2 volumes de reservação) considerando a série de demanda 1, a fim de analisar a influência da série histórica de precipitações, e 16 simulações (4 diferentes demandas x 2 áreas de captação x 2 volumes de reservação) e a série real de precipitação, a fim de avaliar a influência da série de demandas. Ao final das simulações, foi determinada a porcentagem de falha de atendimento às demandas previstas em cada simulação.

Resultados

Para a série histórica simulada (figura 1) a precipitação média anual (12 anos) foi de 1281,2 mm, sendo o ano de 1984 o mais chuvoso, com volume de 2182,8 mm (≈900 mm acima da média). O ano com menor total anual precipitado foi 1979, com 785,75 mm (≈500 mm abaixo da média histórica).

Influência da série de demanda

Fig. 2 – Influência da série de demandas na eficiência dos reservatórios de 5000 e 10 mil para áreas de captação de 200 e 400 m2 (Fonte: autores)

A figura 2 apresenta a influência da série de demandas na eficiência dos reservatórios simulados no atendimento à demanda. Nesse caso, nota-se que à medida que as demandas crescem para um mesmo volume de reservação, ocorre um aumento na falha de atendimento à demanda. Isto é, o reservatório de 5000 L simulado com a demanda 1 gerou um maior percentual de falhas, para ambas as áreas de cobertura. Também é possível perceber que nas condições apresentadas, quando simulado para o uso externo (demanda 3) e irrigação (demanda 4), a falha no atendimento é quase nula, em razão do menor consumo de água para esses usos.

Ao avaliar a eficiência de um reservatório de 10 mil L, por exemplo, para uma mesma área de captação, verifica-se que há uma menor quantidade de falhas no atendimento comparativamente a um reservatório de 5000 L, o que era esperado. Destaca-se, no entanto, que bastaria aumentar o volume do reservatório para uma mesma área de captação para atender às demandas por água não potável.

As falhas no atendimento foram relativamente baixas, não inviabilizando, portanto, o uso para os fins previstos. Além disso, um reservatório de volume menor, e por consequência mais barato, poderia ser usado nesse caso. O número de falhas aumentaria, porém ainda estaria dentro de um valor aceitável (15% a 20%).

Influência da série histórica de precipitações

Fig. 3 – Influência da série histórica de precipitações na eficiência dos reservatórios de 5000 e 10 mil L para áreas de captação de 200 e 400 m2 (Fonte: autores)

Na figura 3 é possível analisar a influência da série histórica de precipitações na eficiência dos reservatórios simulados. Nesse caso, nota-se pouca variabilidade na falha de atendimento à demanda, em razão da baixa variabilidade sazonal da precipitação. A única diferença no atendimento à demanda dá-se quando o ano de menor precipitação da série (1979) é o primeiro ano de simulação, o que ocorreu na série 5. Isso pode ser uma consequência da consideração do reservatório cheio no início da simulação, evidenciando a influência da condição inicial do reservatório no resultado da simulação.

Para o reservatório de 5000 L verifica-se uma falha de atendimento variando de 8,5% a 5%, para a área de contribuição de 200 m2, enquanto para uma área de 400 m2 o percentual de falhas reduziu para valores da ordem de 7% a 4,5%, dependendo da série simulada, mostrando o efeito da área de captação no resultado.

No caso do reservatório de 10 mil L, a falha ao atendimento à demanda cai significativamente, em torno de 1%, até nenhuma falha computada para as diferentes áreas de captação. Porém, com a simulação de diferentes séries de precipitação, não foi possível observar mudanças significativas no atendimento às demandas.

Assim, quando observadas as diferentes simulações, a diferença na efi ciência de atendimento à demanda foi bastante sutil. Somente quando a simulação iniciou em um ano mais seco houve uma redução nas falhas ao atendimento da demanda, em virtude da simulação com a condição inicial de reservatório cheio.

Conclusões

Com relação à simulação dos sistemas de captação e aproveitamento da água de chuva, verificou-se que, quanto maior a área de captação de água de chuva e menor a demanda, menor será a falha ao atendimento de água pluvial.

As falhas no atendimento à demanda foram baixas quando analisada a influência da série de demandas no resultado. Isso ocorreu pois no local de estudo não há uma sazonalidade marcante no regime pluviométrico ao longo do ano; portanto, não foi necessário armazenamento para longos períodos de estiagem. Entre os usos de água considerados, a bacia sanitária representou a maior parcela do consumo simulado, o que levou a um maior percentual de falhas nesse cenário. Quando simulados os usos externos e a irrigação, as falhas diminuíram consideravelmente, em razão do menor consumo e eventualidade, conforme os dias antecedentes sem chuva.

Já na análise da influência da série histórica de precipitações, não foi possível encontrar mudanças significativas na efi ciência dos reservatórios. Acredita-se que isso se deve à distribuição uniforme de precipitação ao longo do ano no local selecionado para estudo de caso. A diferença mais acentuada ocorreu quando a simulação foi realizada iniciando no ano de menor precipitação (série 5), evidenciando, assim, a interferência da condição inicial do reservatório, nesse caso, considerado como cheio. Portanto, estudos futuros em regiões que apresentem sazonalidade marcada deverão ser realizados, de forma a analisar a influência da série de precipitação na eficiência da reservação.

Referências

  1. Amorim, S. V. e Pereira, D. J. A. (2008): Estudo comparativo dos métodos de dimensionamento para reservatórios utilizados em aproveitamento de água pluvial. Porto Alegre: Ambiente Construído, v. 8, n. 2, p. 53-66.
  2. ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas. (2007). NBR 15527: Água de chuva – Aproveitamento de Coberturas em Áreas Urbanas para fins não potáveis – Requisitos. Rio de Janeiro.
  3. Hentges, S. C.: Efeito de reservatório de aproveitamento de água de chuva sobre redes de drenagem pluvial. Dissertação (Mestrado) Engenharia Civil, Área de Concentração em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental – Universidade Federal de Santa Maria, 2013.