Como a composição do gás define o processo de soldagem a arco


Este artigo resume os resultados de um projeto de pesquisa sobre a influência dos gases de proteção sobre o processo de soldagem a arco aspergido. Foram discutidas as influências de gases de proteção constituídos por dois componentes, contendo argônio mais dióxido de carbono, oxigênio, hélio ou hidrogênio, exercidas sobre um processo de soldagem em aços de baixa liga. Dentro dessas investigações foram combinados métodos experimentais e numéricos para poder analisar e quantificar as influências dos gases sobre as propriedades do arco, a transferência de metal e os resultados da soldagem. Os testes mostraram que as influências sobre o processo foram causadas não pelos efeitos diretos da alteração das propriedades termofísicas dos gases de proteção sobre o arco, mas sim pelas influências indiretas da transferência de metal e da vaporização do eletrodo em forma de fio (arame).


M. Hertel, J. Niese, S. Rose, M. Häbler, U. Füssel e D. Uhrlandt

Data: 06/03/2017

Edição: CCM Janeiro 2017 - Ano XII - No 141

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Os conhecimentos atuais sobre o efeito dos gasesde proteçao no processo de soldagem a arco foram obtidos sobretudo a partir de ensaios de soldagem e de considerações teóricas referentes às características termofísicas dos gases de proteção. A influência dos gases geralmente é analisada em relação à queima, ao aspecto externo e à frequência de defeitos sobre o cordão, assim como à tendência à geração de salpicos e à metalurgia do cordão de solda. Contudo, o estado atual da técnica não é mais suficiente para atender aos requisitos cada vez mais severos que vêm sendo impostos sobre as aplicações da soldagem. Atualmente ainda há carência de conhecimento sobre as relações generalizadas entre causa e efeito que permitam a elaboração de previsões, especialmente quanto à adequação dos gases de proteção em relação à atividade específica de soldagem.

Em virtude do forte encadeamento dos processos físicos no arco e no metal fundido durante a soldagem a arco sob gás de proteção, fica difícil determinar de forma inequívoca as relações de causa e efeito a partir de ensaios de soldagem e considerações teóricas. Dentro das investigações descritas a seguir foram combinados entre si métodos experimentais e numéricos para poder analisar e quantificar a influência dos gases de proteção. Os resultados serviram para permitir sobretudo a atribuição de causas aos efeitos proporcionados por várias adições feitas ao gás de proteção e para melhorar o entendimento sobre o processo.

Procedimento experimental

Todos os ensaios de soldagem aqui apresentados foram executados por meio do processo de arco aspergido com eletrodo em forma de fio (arame) apresentando polaridade anódica (DC-EP), velocidade de avanço igual a 13 m /min e intensidade média de corrente de 350 A. Com exceção do caso em que se usou arame com 1,2 mm de diâmetro, em que foi aplicado valor de intensidade de corrente proporcionalmente mais alto, nos ensaios feitos com todos os gases aqui estudados foram usados os mesmos valores de avanço de arame e de intensidade de corrente. Frequentemente apenas um dos fatores a seguir foi mantido constante, de forma que os resultados, do ponto de vista dos autores deste trabalho, somente podem ser comparados entre si de maneira parcial. Os ensaios foram feitos adotando-se os seguintes parâmetros de processo:

Os parâmetros medidos foram determinados com a ajuda de uma câmera de alta velocidade operando sob frequência de 10 kHz, iluminação a laser e sistema de medição sincronizado no tempo, modelo “Dewerton”.

Tab. 1 - Misturas de gases que foram estudadas neste trabalho
Componente do gás Adição ao argônio
Dióxido de carbono % 0,5 | 1 | 1,5 | 2 | 2,5 | 3 | 3,5 | 4 | 10 | 18 | 25
Oxigênio % 0,5 | 1 | 1,5 | 2 | 2,5 | 3 | 3,5 | 4 | 8
Hélio % 30 | 50 | 70
Hidrogênio % 2 | 5

Dentro do âmbito deste projeto de pesquisa foram investigados gases de proteção compostos por dois até quatro componentes, constituídos de argônio e adições de dióxido de carbono, oxigênio, hélio e hidrogênio. Neste trabalho serão discutidos exclusivamente os resultados obtidos com gases de proteção constituídos por dois componentes (tabela 1). Devido aos seus efeitos aparentemente fragilizantes, na prática o hidrogênio nem sempre é empregado na soldagem de aços estruturais. Contudo, ele foi incluído nos ensaios efetuados durante as presentes investigações para determinar os mecanismos de atuação dos diversos componentes do gás para proteção.

Fig. 1 – Fotografias obtidas sob alta velocidade de um processo de arco aspergido com velocidade de avanço do arame igual a 13 m/min, sob intensidade média de corrente de 350 A para diversas composições de gás de proteção.

Os valores do comprimento da extremidade livre do arame (projeção) e do resultante pré-aquecimento resistivo no arame foram mantidos constantes. Durante os ensaios, a distância entre a superfície da peça sob processamento e a interface fundida sobre o arame foram mantidas aproximadamente constantes (figura 1). A alteração do comprimento do eletrodo em forma de arame livre requer que a tensão seja corrigida.

Foi assumida simetria rotacional durante o registro de imagens sob alta velocidade, sendo determinada tanto a evolução do contorno da ondulóide (extremidade fundida do arame) ao longo do tempo como o formato do núcleo de metal vaporizado. Para determinar este último formato, tirou-se proveito do fato de que os registros de imagens sob alta velocidade submetidos ao filtro passa-banda permitiam distinguir claramente entre os níveis de claridade gerados pelo argônio e pelas regiões dominadas pelo ferro no arco voltaico. No caso do filtro aqui empregado para o argônio (810 nm), a radiação produzida por esse gás passava livremente, enquanto a gerada pelo ferro era bloqueada, fazendo com que o núcleo do arco ficasse escuro, já que ele se encontrava dominado pelo vapor metálico. A diferença de claridade foi avaliada por meio de um sistema de reconhecimento de contornos. A vantagem deste procedimento está no fato de que, utilizando o processo de separação no plasma, conseguiu-se uma delimitação nítida do núcleo de ferro e da região periférica onde predominava o argônio (1,2).

Investigações numéricas

As investigações numéricas foram feitas com o objetivo de analisar o efeito do calor e das forças do arco sobre os eletrodos. A base para as análises foi um modelo com simetria axial do arco, no qual foram reproduzidos, além da região dos fluxos, o arame e o bocal de gás de proteção, bem como a peça sob soldagem, na forma de um corpo sólido. No modelo estacionário aqui empregado foi assumido que não seria levada em conta a transferência de material e que o formato do arame seria constante ao longo do tempo, bem como foram considerados válidos processos estáveis de arco aspergido. O formato do arame foi reconstruído a partir das imagens registradas sob alta velocidade pela composição química considerada para o gás de proteção e assumindo-se simetria axial.

Fig. 2 - Distribuições calculadas da temperatura do plasma (quadrante esquerdo superior), frações molares de ferro (quadrante direito superior), velocidade dos fluxos (quadrante esquerdo inferior) e distribuição de pressão (quadrante direito inferior) no arco aspergido. Segundo plano: o grau de sombreamento em cor cinza é função da emissão de irradiação.

A distribuição de temperaturas no arame foi determinada e então adaptada de forma iterativa até que apresentasse concordância com o formato numericamente calculado do núcleo de metal vaporizado, usando as observações experimentais do núcleo de vapor metálico que apresentava aspecto mais claro. Em virtude do material de adição de baixa liga aqui utilizado, G3Si1, foi feita uma simplificação no modelo, assumindo que havia exclusivamente vapor de ferro sobre o arame. As propriedades termofísicas dos gases de proteção foram calculadas no Instituto Leibniz para Pesquisa e Tecnologia sobre Plasma (Leibniz-Institut für Plasmaforschung und Technologie – INP Greifswald), assumindo o equilíbrio termodinâmico local. Essas propriedades dependiam tanto da temperatura como também da fração de vapor de ferro presente no gás de proteção. Uma descrição detalhada do modelo e sua validação para os processos usando arco pulsante e aspergido pode ser observada na literatura (1,2).

Antes de estudar a influência dos diversos gases de proteção aqui investigados, é conveniente discutir primeiramente os princípios da estrutura de um arco voltaico presente no processo de soldagem com base num exemplo. Seguindo este objetivo, foi considerado um processo com 100% de argônio, cujos parâmetros encontram-se na seção 2 (figura 2). Os cálculos deixaram claro que a emissão de irradiação se elevou fortemente já na presença de pequenas frações de ferro, e que as grandes perdas de energia do núcleo do arco dominado pelo vapor metálico levaram à formação de mínimos radiais de temperatura no eixo do arco. A forte delimitação do núcleo de ferro resultou dos processos de separação atuantes no plasma, nos quais partículas ionizáveis mais leves (neste caso, ferro) se concentraram nas regiões que apresentavam temperaturas mais baixas (3). As altas perdas de irradiação no núcleo do arco alteram os fluxos de maneira significativa. A maior parte da corrente fluía na região periférica do arco, dominada pelo argônio, a qual, devido à alta temperatura do plasma, apresenta maior condutividade elétrica.

Um fato particularmente interessante foi a distribuição de pressões sobre os eletrodos. Os cálculos revelaram que o máximo efeito da pressão não ocorreu sobre o eixo do arco, como é o caso, por exemplo, da soldagem TIG(4) , mas sim sobre o ponto na periferia do arame onde ocorria a vaporização. O efeito de força resultante leva, no caso de uma vaporização não-uniforme sobre a periferia do arame, a uma deflexão da ondulóide, a qual pode ser observada nas imagens registradas sob alta velocidade. Além disso, ocorreu ação da força sobre a face inferior do arame, a qual é essencialmente definida pela incidência do arco sobre o arame e leva à deformação da ondulóide. Quanto mais concentrada for a incidência do arco sobre o arame, maior será a ação da força sobre a face inferior do arame e, portanto, maior será a deformação.

Influência dos gases de proteção sobre a transferência de metal

Fig. 3 - Variação do formato da ondulóide medido ao longo do tempo e do núcleo de vapor metálico

Na figura 3 são mostradas as formas médias das ondulóides e do núcleo de vapor metálico para diferentes composições de gás de proteção. O comprimento das ondulóides é decisivo para a frequência dos curtos-circuitos. Quanto menor for o comprimento das ondulóides, menor será a probabilidade de um curto-circuito. A determinação da forma média do núcleo de metal vaporizado permite inferir o processo de vaporização sobre o arame e, dessa maneira, seu balanço térmico. Quanto maior for a vaporização de metal sobre o arame, maior será o volume do núcleo de metal vaporizado no arco.

Todas as adições ao argônio aqui estudadas conduziram a uma elevação da vaporização de metal sobre o arame. Em comparação ao oxigênio, adições similares de dióxido de carbono produziram maior aumento da vaporização de metal, conforme as condições específicas. O hidrogênio provocou o aumento mais intenso da vaporização de metal para frações de adição idênticas. Presume-se que a elevação da vaporização de metal esteja associada a um aumento das emissões de fumos do processo de soldagem. Esse efeito está amplamente documentado na literatura (5-7).

Fig. 4 - Variação da superfície de entrada das gotas na poça de fusão para várias frações de dióxido de carbono adicionado ao argônio

As adições de hélio e hidrogênio exerceram ap enas uma pequena influência sobre a forma média das ondulóides. Ocorreu uma considerável alteração em seu comprimento médio por meio da adição de dióxido de carbono e oxigênio. A partir de uma adição de 2,5% de dióxido de carbono ou 1,5% de oxigênio, observou-se uma nítida redução do comprimento das ondulóides. A partir de adições de 4% de dióxido de carbono ou de 4% de oxigênio, não são mais observadas reduções perceptíveis do comprimento médio das ondulóides. Alterações adicionais no comportamento do processo em relação ao tipo da transferência de metal podem ser observadas sob maiores adições de dióxido de carbono. Enquanto para todas as adições aqui estudadas de oxigênio, hélio e hidrogênio, ou para adições de dióxido de carbono abaixo de 10%, a transferência de metal ocorreu de forma aproximadamente simétrica em relação ao eixo do arame, no caso de adições de dióxido de carbono superiores a 10% ela passa a ocorrer de forma cada vez mais assimétrica (figura 4).

Influência dos gases de proteção sobre as propriedades do arco

O balanceamento da influência dos gases de proteção sobre a soldagem a arco é dificultado pelo forte encadeamento dos processos físicos que ocorrem nesse processo. Para poder compreender melhor os efeitos dos componentes do gás de proteção, eles foram divididos como influências “diretas” ou “indiretas”. Enquanto as influências diretas sobre o processo decorrem diretamente das características termofísicas da mistura que constitui o gás de proteção, as influências indiretas decorrem de características isoladas do gás de proteção. Um exemplo de influência direta do gás de proteção sobre as características do arco é a elevação do aporte de calor decorrente da elevada condutividade térmica do gás de proteção, por exemplo, por meio da adição de dióxido de carbono ou hélio, ou pela diminuição da velocidade do fluxo no arco em função da maior viscosidade dinâmica do gás de proteção em decorrência da adição de hélio.

Um exemplo de influência indireta está na elevação da fração de metal vaporizado no arco em decorrência do aumento da taxa de vaporização do arame. A elevação da fração de vapor de metal faz com que ocorram alterações consideráveis nas propriedades do arco, como os trajetos dos fluxos ou das velocidades de circulação. Para poder diferenciar as influências diretas e indiretas do gás de proteção, foi feito um estudo para separar os diferentes parâmetros de influência sobre o processo dentro de um modelo numérico. As investigações ocorreram em três etapas:

Influência das características termofísicas dos gases de proteção

Fig. 5 - Condutividade térmica e elétrica de 100% de ferro em comparação a misturas binárias de dióxido de carbono, oxigênio, hélio e hidrogênio com argônio.

A incorporação de novos componentes altera as características termofísicas da mistura que constitui o gás de proteção. A figura 5 mostra um exemplo da evolução das condutividades térmica e elétrica de diversas misturas de gás de proteção dentro de uma faixa relevante de temperaturas até 14.727°C (15.000 K). Ela mostra em particular que, ao contrário de muitas suposições já feitas, por exemplo, na literatura (9), a evolução das condutividades térmica e elétrica são claramente diferentes entre si.

A condutividade térmica dos gases de proteção define essencialmente o aporte de calor nos eletrodos. Neste caso, sobretudo duas faixas de temperatura são interessantes: uma delas encontra-se na região de baixas temperaturas, entre 1.727°C (2.000 K) até 2.727°C (3.000 K), predominante nas regiões próximas ao eletrodo e que define o aporte de calor nos eletrodos. A condutividade térmica nessa região pode ser significativamente aumentada por meio da adição de dióxido de carbono, oxigênio, hélio e hidrogênio. Por outro lado, a faixa de temperatura entre 7.727°C (8000 K) e 14.727°C (15.000 K) é decisiva para definir a região periférica ao arco e também a condutividade térmica entre o arco e as camadas próximas ao eletrodo. É possível obter uma elevação considerável da condutividade térmica exclusivamente com a adição de hélio.

Fig. 6 – Fluxo de calor calculado no arame (quadrante superior esquerdo) e na peça sob soldagem (quadrante superior direito), e máxima pressão do arco sobre a face inferior do arame (quadrante inferior esquerdo) e sobre a superfície da peça sob soldagem (quadrante inferior direito) para as diversas adições ao gás de proteção (dióxido de carbono, oxigênio, hélio e hidrogênio ao argônio), desprezando as diferentes taxas de vaporização e os formatos dos eletrodos.

A condutividade elétrica influencia sobretudo o trajeto dos fluxos e a ignição do arco, bem como a velocidade da circulação e a ação das forças sobre os eletrodos. A figura 5 deixa claro que a condutividade elétrica do ferro é nitidamente maior do que a dos componentes do gás de proteção sob a mesma temperatura. Na região periférica do arco aspergido, em que predominam temperaturas da ordem de 12.227°C (12.500 K), o ferro apresenta uma condutividade elétrica de aproximadamente 7.000 S/m, enquanto a do argônio é de cerca de 5.400 S/m. Contudo, a comparação entre as condutividades elétricas sob a mesma temperatura não é conveniente, uma vez que, na região do núcleo do arco, onde há maior concentração de ferro, predominam temperaturas consideravelmente menores. A condutividade elétrica do ferro sob as temperaturas predominantes no núcleo, de aproximadamente 7.727°C (8.000 K), corresponde a apenas 3.000 S/m, sendo, portanto, consideravelmente menor do que a condutividade elétrica do argônio na região ex terior do arco.

A figura 7 mostra os fluxos de calor e a ação da força sobre a superfície dos eletrodos (pressão do arco). Para representar a influência direta do gás de proteção foram mantidos constantes tanto o formato dos eletrodos como também o perfil de temperaturas do arame ao executar as análises numéricas de sensibilidade. No quadrante direito superior da figura 6 fica claro que, por meio da adição de dióxido de carbono, oxigênio, óleo e hidrogênio, ocorreu aumento do aporte de calor sobre a peça sob soldagem. Por outro lado, a adição de dióxido de carbono fez com que o aporte de calor no arame fosse menor, uma vez que a superfície de contato entre o arco e o arame ficou menor em decorrência da contração do arco.

Fig. 7 – Influência da vaporização do arame sobre as propriedades termofísicas do arco em contraposição à influência das diferentes adições de dióxido de carbono ao argônio

Além disso, observou-se uma considerável elevação da ação da força sobre os eletrodos pela adição de dióxido de carbono e hélio. A análise numérica de sensibilidade demonstrou que a maior energia interna do dióxido de carbono foi responsável por esse fato, e não a maior condutividade térmica desse gás, como parte da literatura afirma.

Atuação da taxa de vaporização sobre o eletrodo

A influência da vaporização do eletrodo em forma de arame sobre as propriedades do arco voltaico do processo de soldagem foi estudada por meio de análise numérica de sensibilidade, ao mesmo tempo em que se alterava o perfil de temperaturas no eletrodo e, dessa forma, sua vaporização (figura 7). A influência do vapor metálico sobre a geometria do arame ficou particularmente clara, sendo que esta surge na presença de altas frações de dióxido de carbono, fazendo com que o arco se concentre sobre a face inferior do arame. As distribuições de temperatura na figura 7 demonstram claramente que a influência indireta dos gases de proteção (elevação da vaporização) é maior do que sua influência direta (efeito das propriedades termofísicas).

Propriedades termofísicas dos gases de proteção

Na última etapa das investigações numéricas foram consideradas, além das alterações nas propriedad es termofísic as d os gas es de proteção, as modificações nos formatos dos eletrodos em forma de fio e as alterações nas taxas de vaporização de metal. Em analogia com as premissas da seção anterior, a influência das alterações na vaporização metálica domina de forma considerável a das modificações nas propriedades termofísicas dos gases de proteção. Além disso, a vap orizaç ão s obre o arame determina a ignição do arco, uma vez que as maiores taxas de vaporização conduzem a um deslocamento da ignição do arco na direção do tubo de contato de corrente elétrica e, dessa forma, também a uma diminuição do efeito da força do arco sobre a superfície da peça sob soldagem.

Ocorre uma exceção no caso de adições de dióxido de carbono sob frações acima de 10%. Neste caso, a alta entalpia volumétrica do dióxido de carbono leva a uma focagem do arco, a qual neutraliza o efeito de desfocalização causado pelo vapor metálico. Dessa forma ocorre uma grande concentração do aporte de calor para a peça sob soldagem. Já adições de hélio levam a uma considerável elevação do aporte de calor na região periférica do arco. Este efeito é função da elevada condutividade térmica do hélio, sobretudo na faixa de altas temperaturas.

Tab. 2 - Balanço da energia aplicada num processo de soldagem a arco sob gás de proteção
Fluxo de calor Eletrodo em forma de fio (arame) Peça sob soldagem
Aquecimento na transição entre o arco voltaico e o eletrodo 1.575 W (70%) 3.950 W (76%)
Condução de calor a partir do arco 100 W (5%) 641 W (12%)
Irradiação de calor a partir do arco 48 W (2%) 578 W (11%)
Aquecimento por resistividade elétrica 513 W (23%) 2 W (0%)
Total 2.236 W (100%) 5.171 W (100%)

Finalmente, foi efetuado um balanceamento da energia aplicada sobre os eletrodos do processo de soldagem a arco sob gás de proteção. Na tabela 2 encontra-se um exemplo para um gás de proteção constituído 100% de argônio. As principais contribuições ao balanço de energia são o aquecimento decorrente da diferença de potencial elétrico entre o arco e o eletrodo ou a peça sob soldagem (recombinação dos elétrons sobre o anodo ou aporte líquido de energia sobre o catodo frio), o calor transferido a partir do arco por meio de condução ou irradiação, e o aquecimento resistivo nos eletrodos. Ficou evidente que a contribuição da condução de calor a partir do arco, ou seja, a influência direta da condutibilidade térmica dos gases de proteção sobre o aporte de calor sobre o arame, a qual define a potência de fusão, é muito pequena ( em torno d e 5%). A condutividade térmica é influenciada de maneira praticamente insignificante pela adição dos componentes aqui estudados ao gás de proteção na figura 6 (quadrante superior esquerdo). Ao contrário do que ocorre para o arame, no caso da peça sob soldagem ocorre um aporte consideravelmente maior da condução de calor (cerca de 12%). Essa contribuição cresce de forma substancial com a adição dos componentes para gás de proteção aqui estudados, como mostra a figura 6 (quadrante superior direito) . Consequentemente, o balanço de energia mostrou que as propriedades termofísicas dos gases de proteção atuam sobretudo sobre o aporte de calor para a peça sob soldagem catódica. Por sua vez, a influência sobre o aporte de energia no arame é amplamente compensada por meio da formação variável de vapor metálico.

Influência dos gases de proteção sobre o resultado da soldagem

Fig. 8 - Formato do cordão, linha de fusão e zona afetada termicamente observados para as diferentes adições feitas ao gás de proteção (dióxido de carbono, oxigênio, hélio, e hidrogênio ao argônio)

Em princípio, os efeitos da composição do gás de proteção sobre o resultado da soldagem já são conhecidos graças aos numerosos testes efetuados e estão documentados, por exemplo, na literatura(8). Contudo, dentro das investigações aqui efetuadas, foram analisados resultados de soldagem sob condições de contorno idênticas em termos de intensidade de corrente e de potência de fusão, bem como considerados os resultados descritos em termos de transferência de metal e das características do arco (figura 8).

Para avaliar o aporte de calor na peça sob soldagem pode-se analisar a largura da zona termicamente afetada (ZTA) formada sobre a superfície dessa peça. Ocorreram significativas alterações na largura da zona termicamente afetada com a incorporação de dióxido de carbono e óleo. As adições de dióxido de carbono conduziram a uma concentração do aporte de calor. Já as adições de hélio fizeram com que fosse observado um contínuo alargamento da zona termicamente afetada. Essas observações apresentam correlação com a focalização já descrita da ignição do arco sobre a peça sob processamento pela incorporação de dióxido de carbono, e com a desfocalização da ignição do arco ocorrida devido à incorporação de hélio.

Uma influência adicional dos gases de proteção afeta o formato da queima. Em todas as adições de oxigênio e hidrogênio, bem com o d e dióx id o d e c arb ono abaixo de 18% aqui estudadas, ocorreu o surgimento dos assim chamados “dedos de argônio” (Argonfinger), um perfil de queima cuja profundidade no meio do cordão de solda é claramente maior do que as observadas na região periférica. Somente para maiores adições de dióxido de carbono (superiores a 10%) ou sob gás de proteção composto por 100% de hélio é que ocorre uma alteração fundamental no formato da queima.

Fig. 9 - Superfície fundida do metal-base (parte superior) e potência elétrica associada à superfície fundida do metal-base (parte inferior) para as diferentes adições feitas ao gás de proteção (dióxido de carbono, oxigênio, hélio e hidrogênio ao argônio).

Do ponto de vista dos autores deste trabalho, o formato de penetração resultante pode ser explicado menos pela alteração das características do arco, e mais pela alteração da transferência de metal: adições de oxigênio, hélio e hidrogênio, bem como de dióxido de carbono abaixo de 10%, fazem com que a transferência de material se comporte de forma aproximadamente simétrica em relação ao eixo do arame. Dessa forma, a introdução de energia no interior da peça sob soldagem encontra-se essencialmente concentrada por meio da transferência de metal. No caso de adições de dióxido de carbono superiores a 10% o gotejamento ocorre de forma crescentemente assimétrica. O aporte de energia para o interior da peça sob soldagem ocorre sobre uma região significativamente mais larga por meio da transferência de metal.

A influência dos gases de proteção sobre o aporte de calor para a peça sob soldagem, causada tanto pela transferência de metal como pelo arco, pode ser determinada por meio de um balanceamento da refusão na figura 9 (parte superior). Dessa forma é possível constatar que mesmo pequenas adições de dióxido de carbono, oxigênio e hidrogênio fazem com que ocorra uma nítida elevação da refusão. Uma adição de aproximadamente 18% de dióxido de carbono requer um valor mínimo de potência específica para refusão, conforme observado na figura 9 (parte inferior), ou seja, o grau de refusão é máximo.

Conclusões

Os gases de proteção exercem forte influência sobre a transferência de metal, tanto por meio da presença de dióxido de carbono como de oxigênio. Pequenas adições de dióxido de carbono (maiores ou iguais a 2,5%) e de oxigênio (maiores ou iguais a 1,5%) levam ao encurtamento da ondulóide e, dessa forma, a uma redução dos curtos-circuitos. Adições de dióxido de carbono acima de 10% provocam transferência de metal assimétrica, a qual, com a alteração provocada sobre o aporte de calor, leva à supressão do perfil de penetração em forma de dedos (Argonfinger), a qual é típica do uso de argônio. Do ponto de vista dos autores do presente trabalho, o aparecimento desses “dedos de argônio” não decorre da influência direta das propriedades termofísicas dos gases de proteção, mas sim da influência indireta da transferência de metal. O contato muito concentrado entre as gotas aquecidas provoca uma penetração central mais profunda.

Por meio dos estudos de sensibilidade, quando se usou um modelo numérico do arco, pôde ser constatado que, na maioria dos casos, o vapor metálico exerce maior influência sobre as características do arco do que as propriedades termofísicas da mistura que constitui o gás de proteção. O subrresfriamento do núcleo de vapor metálico, que ocorre em função da irradiação, leva a uma significativa redução da sua condutividade elétrica em relação às regiões periféricas do arco, promovendo, dessa forma, alargamento dos trajetos da corrente elétrica. Todas as adições feitas ao argônio que foram estudadas neste trabalho levaram a uma elevação da fração de vapor metálico no núcleo do arco. Essa maior vaporização levou a um alargamento do arco, a um deslocamento da ignição do arco na direção do tubo de contato de corrente elétrica e a uma desfocalização da ignição do arco sobre a peça sob soldagem. Foi observada uma influência contrária no caso de altas adições de dióxido de carbono, caso em que sua alta entalpia volumétrica focalizou o arco e levou a uma considerável elevação da ação da força sobre os eletrodos. Esse efeito promoveu uma transferência de metal assimétrica, uma vez que a força no lado inferior das ondulóides foi significativamente maior. Essa transferência assimétrica de material promoveu a expansão da poça de fusão.

De forma geral, pode-se concluir que os efeitos das adições feitas ao gás de proteção usado no processo de soldagem a arco não podem ser apenas atribuídos às propriedades termofísicas dos componentes desse gás, mas que também precisam ser consideradas as influências indiretas da vaporização da transferência de metal.

Agradecimentos

O projeto I GF 17.431 N / DVS - Nummer 03.106, desenvolvido pela Associação de Pesquisa em Soldagem e Processos Aplicados da Associação Alemã para Soldagem e Processos Aplicados (Foschungsvereinigung Schweißen und ver wandte Ver fahren des Deutscher Verband für Schweißen und verwandt Verfahren – D.V.S.), com sede na Aachener Straße 172, 40223 Düsseldorf, Alemanha, foi apoiado pela Associação dos Grupos de Trabalho em Pesquisa Industrial (Arbeitsgemeinschaft industrieller Forschungsvereinigungen, A.i.F.), por meio da A ssociação Industrial de Pesquisa e Desenvolvimento ( Industrielle Gemeinschaf t sforschung, I.G.F.) do Ministério Federal Alemão para Economia e Tecnologia (Bundesministerium für Wirtschaft und Technologie – BWT) com base numa resolução do Parlamento Alemão. Também são devidos agradecimentos aos integrantes do comitê de acompanhamento do projeto pelo apoio proporcionado durante a execução das atividades.

Referências

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