Sucata eletrônica, um desafio para os recicladores de plásticos


Carcaças, coberturas e outros componentes usados em produtos de informática têm sido fabricados predominantemente com resinas petroquímicas virgens contendo agentes antichama. No entanto, a promulgação de diretrizes mais severas sobre o destino da sucata eletrônica, especialmente em países europeus, está fazendo com que a indústria se ocupe da reciclagem e reuso desses materiais na própria fabricação de eletrônicos.


Niclas Rydell

Data: 29/03/2017

Edição: PI Março 2017 - Ano 19 - No 223

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Linha de reciclagem: são gerados anualmente 50 milhões de toneladas de sucata eletrônica no mundo (Figura fornecida por Karin Jonnson/Avfall Sverige)

Os curtos ciclos de vida dos produtos eletrônicos criaram problemas para a sua sustentabilidade e uma crescente crise de gerenciamento da sucata eletrônica, tornando necessário o desenvolvimento de soluções de reciclagem para esses produtos após terem alcançado o fim de sua vida e útil e que fossem amigáveis do ponto de vista ambiental. Ainda que a reciclagem tenha se expandido de forma geral nos últimos tempos, plásticos e outros componentes são eliminados por meio de queima ou então exportados para regiões pobres do mundo, representando um risco sanitário e ecológico para as populações que lá residem.

Atualmente a sucata eletrônica constitui o fluxo de rejeitos que mais cresce no mundo, cuja eliminação ecologicamente sustentável é complexa e extremamente dispendiosa. Estima-se que a cada ano surjam 50 milhões de toneladas de sucata eletrônica no mundo todo, sendo que a União Europeia descarta 100 milhões de telefones celulares e, só nos Estados Unidos, uma avaliação feita pela Agência Federal de Proteção Ambiental (Environmental Protection Agency, EPA) indica que mais de 30 milhões de computadores são descartados por ano (1). Em muitos países ainda não foram legalmente impostas as regras e oportunidades para a implantação da reciclagem, de forma que a maior parte da sucata eletrônica acaba sendo direcionada para o fluxo geral de resíduos.

Nos últimos tempos as taxas de reciclagem de equipamentos digitais melhoraram, particularmente por conta das diretrizes sobre sucata eletrônica impostas nos países da União Europeia. Por exemplo, cerca de 84% de todos os computadores são reciclados na Alemanha. Por outro lado, nos EUA as taxas de reciclagem são muito menores, uma vez que aproximadamente 40% dos computadores e apenas cerca de 11% dos telefones celulares são reciclados.

Onde estão os desafios no caso dos plásticos?

De forma geral, podem ser distinguidos três tipos de plásticos presentes nos produtos de informática. Os plásticos virgens que, na maioria dos casos, possuem origem petroquímica, são os que apresentam máxima intensidade de consumo de matéria-prima nesta aplicação. Por sua vez, o conceito de “conteúdo pós-consumo” (post consumer content, PCC) designa os plásticos reciclados que já foram usados em bens de consumo, incluindo não só os produtos de informática, como também embalagens, garrafas e bens de consumo duráveis. Até hoje os produtos de informática ainda apresentam reciclagem relativamente difícil. Finalmente, o “conteúdo pós-industrial” (post industrial content, PIC) define materiais rejeitados pelos processos de produção, os quais podem ser reprocessados de maneira relativamente fácil.

Fig. 1 – A reciclagem de plásticos possui uma grande demanda reprimida (Figura fornecida pela TCO Development)

Sistemas para a reutilização e preparação de metais e vidro já existem há muitos anos; por este motivo, nestes casos já foram alcançadas taxas de reciclagem entre 50 e 90%. Contudo, isto não ocorreu com os plásticos de maior valor, provenientes de bens de consumo duráveis: apenas cerca de 10% deles são recuperados. Por esse motivo há um grande excedente de plásticos provenientes de produtos de informática, os quais precisam ser reciclados de maneira ecologicamente correta.

Um problema a ser considerado é a alta toxidez dos produtos após sua vida útil. Até meados da déca-da de 1990 a maioria dos plásticosusados em bens de consumo durá-veis continha perigosos agentes antichama e outros compostos halogêneos, bem como metais pesados como chumbo, mercúrio e cádmio, os quais comprovadamente constituem risco considerável para a saúde humana e o meio ambiente. Por esse motivo, a utilização de tais plásticos pós-consumo reciclados em produtos novos é crítica, pois dificilmente seriam atendidos os rígidos critérios atuais de sustentabilidade. Estes requisitos vêm se tornando cada vez mais severos, uma vez que as disposições legais e diretrizes, bem como iniciativas espontâneas, estão exigindo comprovações adicionais que indiquem que os plásticos utilizados em um produto não contêm substâncias perigosas.

Por conta desses problemas, até hoje se usa uma quantidade relativamente pequena de plásticos reciclados na produção de equipamentos digitais. A indústria simplesmente não dispõe de quantidades suficientes de material reciclado. A falta de uma infraestrutura regular para a reciclagem impõe um desafio adicional. Os plásticos reciclados precisam atender aos requisitos do fabricante conforme o desempenho do produto e ter sua origem em fontes regularizadas e verificáveis, que hoje são raras. Um ponto decisivo para o fabricante é a possibilidade de verificação do conteúdo e das propriedades dos materiais reciclados.

Os produtos de informática com plásticos reciclados oferecem uma série de vantagens do ponto de vista da sustentabilidade. O processamento de plásticos reciclados consome até 80% menos energia, o que atua de forma positiva no balanço de gás carbônico, uma vez que uma tonelada de plástico reciclado gera até três toneladas menos de gás carbônico do que a mesma quantidade de plástico virgem (2). Menor consumo de matérias-primas na produção também significa uma quantidade muito menor de material no fluxo de resíduos, diminuição do risco ambiental e de contaminação.

Fig. 2 – Sucata eletrônica comprimida: o uso de maior quantidade de plásticos sucatados na produção possui consequências muito positivas (Foto fornecida por Karin Jonnson/Avfall Sverige)

O que a indústria está fazendo?

A fração média estimada de plástico reciclado presente nos produtos fabricados pelas empresas que já utilizam esse material apresenta alta dispersão, variando entre 5 e 50%. Algumas poucas exceções estão em condições de alcançar participações iguais ou superiores a 80%, sobretudo por intermédio de iniciativas próprias de reciclagem, novas misturas, materiais e processos desenvolvidos internamente. Isto requer, por exemplo, gestão própria de reciclagem, com recuperação de produtos após sua vida útil e aproveitamento dos materiais em novos produtos. Também o desenvolvimento de agentes antichama mais eficientes pode contribuir para diminuir o teor de aditivos nos plásticos reciclados, possibilitando dessa forma o uso de maiores frações de reciclado.

Além disso, o desenvolvimento de plásticos reciclados sustentáveis, os quais possibilitam reduzir a fração necessária de material virgem à base de petróleo presente na formulação do material, é uma ideia promissora. Também deve ser mencionado o desenvolvimento de processos de classificação mais eficientes e automatizados nas instalações de reciclagem, por meio dos quais se pode produzir mais facilmente plásticos secundários com melhor qualidade. A partir dessa abordagem surgiram fornecedores industriais especializados, como a MBA Polymers Inc., que foi fundada em Richmond, EUA, em 1994. O conhecimento especializado desenvolvido por essa empresa no processamento de sucata plástica permite que esta retorne ao processo industrial sob o menor custo possível (3).

Os consumidores podem alterar essa situação?

Uma possibilidade adicional está no reaproveitamento dos dispositivos ao invés do descarte. Segundo um estudo da Verwerters Inrego AB, com sede em Täby, Suécia, apenas naquele país foram sucatados mais de 550.000 computadores em 2012, os quais apresentavam um valor residual de 140 milhões de dólares(4). Isto fez com que essa empresa decidisse se especializar na reutilização de computadores e outros dispositivos de informática. Dessa maneira o ciclo de vida de um computador pode ser prolongado em muitos anos o que, por sua vez, atuaria de forma positiva sobre o balanço de rejeitos. Contudo, há aqui um problema prático que restringe o grau de reaproveitamento. Muitas empresas possuem requisitos internos de segurança, os quais impedem o reaproveitamento de produtos de informática obsoletos; além disso, regulamentos e disposições legais dificultam a venda desses equipamentos de segunda mão ou sua doação sem incidência de ônus.

Fig. 3 – A reutilização de componentes de informática apresenta grande potencial também do ponto de vista financeiro (foto fornecida pela Inrego)

Em princípio, o comprador de produtos de informática influencia bastante a evolução do ciclo de vida sustentável desses produtos. Um problema é o fato de muitos usuários não estarem interessados em produtos desatualizados, mesmo que apresentem total funcionalidade. E os fabricantes ficam satisfeitos quando seus clientes substituem seus equipamentos antigos aproximadamente a cada três anos. Portanto, um primeiro passo seria utilizar tais produtos durante um período mais longo de tempo.

Se isso não for possível, em razão da ocorrência de defeitos ou da evolução das necessidades do usuário, o mesmo equipamento deveria ser reconfigurado de maneira sustentável. Se os compradores, fabricantes ou fornecedores atuarem mais nesse sentido, ao mesmo tempo em que selecionarem exclusivamente produtos que contenham materiais reciclados, exercerão efeito positivo em um processo de desenvolvimento a longo prazo. Quanto mais os compradores fizerem exigências no sentido, por exemplo, do uso de uma fração crescente de plásticos reciclados em seus bens de consumo duráveis, maior será a probabilidade das indústrias de informática as implantarem. As empresas reagem com alta sensibilidade a esse tipo de retorno e direcionam seu desenvolvimento nesse sentido.

No tocante à sucata eletrônica, os usuários finais precisam refletir ainda mais sobre as consequências de seus hábitos de compra. Ainda não existe uma infraestrutura uniforme para reciclagem e, frequentemente, a sucata eletrônica – junto com as substâncias tóxicas nela presentes –, acaba sendo descartada nos países em desenvolvimento. Assim que os compradores se conscientizarem sobre essa situação, eles poderão modificar seu comportamento e, em sua próxima aquisição de equipamentos de informática, selecionar produtos que sejam fabricados e reaproveitados por meio de processos sustentáveis.

Como os desenvolvedores dão apoio à certificação desses processos?

A certificação é uma ferramenta importante para dar o primeiro passo rumo à concretização do desejo por maior sustentabilidade. Ela tem o papel de desenvolver interfaces entre os usuários e a indústria de informática de forma contínua, ajudando dessa forma a disseminar as demandas. Por exemplo, a firma TCO Development AB, situada em Estocolmo, Suécia, oferece a certificação “TCO Certified Edge 2.0”, a qual garante que houve o uso de, no mínimo, 85% de plásticos reciclados nos produtos de informática que receberam esse selo.

Perfil

A TCO Development oferece, por meio de seus certificados, um selo reconhecido internacionalmente para produtos de informática sustentáveis e vem apoiando há vinte anos o desenvolvimento sustentável da área de informática. Ela facilita o trabalho de empresas e organizações na definição dos requisitos de sustentabilidade quando da aquisição de produtos de informática, bem como a observância desses requisitos, levando em consideração os aspectos ecológicos, sociais e econômicos associados aos produtos de informática e sua fabricação. A TCO Development é membro da Confederação das Associações Suecas.

Esse procedimento oferece informações detalhadas sobre os produtos e explica aos compradores quais substâncias não podem mais ser usadas. Isso já levou à diminuição das emissões de substâncias perigosas, as quais podem ser liberadas durante a reciclagem efetuada num ambiente não controlado.

O reconhecimento constitui uma boa plataforma para a defesa dos interesses dos compradores e proporciona apoio ao diálogo com organizações políticas por meio de cooperação. Por exemplo, em 2014 surgiu uma associação sueca de entidades independentes que emitem selos e certificados ambientais com o objetivo de aumentar sua ressonância na cobrança do cumprimento dos objetivos para proteção climática por parte do governo. O apoio de tais iniciativas faz com que os políticos tomem consciência do desejo dos eleitores e, em algumas circunstâncias, faz com que as diretrizes dos certificadores constituam a base para novas leis.

Finalmente, as certificações atuam de forma positiva sobre a padronização e podem ajudar a criar uma infraestrutura harmônica. Até o momento os critérios específicos e taxas de reciclagem ainda variam amplamente de país para país. Por sua vez, as diretrizes definidas pelos certificadores satisfazem condições similares em todas as regiões e dão suporte à implantação de um ambiente internacional uniforme.

Referências

As referências bibliográficas deste artigo podem ser encontradas no endereço www.kunststoffe.de/968310