Uso do laser na ferramenta para aprimorar a refrigeração na furação de Inconel 718


Nem sempre a grande quantidade de fluido refrigerante e lubrificante utilizada na usinagem de furos produz os resultados desejados, uma vez que o ponto de atuação da ferramenta não é alcançado de forma consistente. O processamento da broca usando laser abre novas possibilidades de configuração e oferece uma solução para esse problema.


N. Beer, E. Özkaya e D. Biermann

Data: 30/05/2017

Edição: MM Abril 2017 - Ano 53 - No 615

Compartilhe:

Figura 1 – Etapa típica durante a execução de uma simulação por dinâmica computacional dos fluidos e o modelo de furação usado como base (Fonte: ISF)

A furação da liga Inconel 718, para uso sob altas temperaturas, impõe altas solicitações mecânicas e térmicas sobre as brocas, devido às más características de usinabilidade desse material. Dessa forma, solicitações termomecânicas muito altas atuam sobre a ferramenta, o que torna indispensável um suprimento adequado de fluido refrigerante e lubrificante sobre as regiões relevantes ao processo, tais como a aresta de corte.

Isso ocorre em função do alto limite de resistência da liga, que pode alcançar valores superiores a 1.200 N/mm2 mesmo a temperaturas de até 650°C, bem como devido ao encruamento adicional que surge durante a usinagem. Além disso, a condutibilidade térmica do Inconel 618 é muito baixa, de forma que o calor gerado pela usinagem é conduzido principalmente ao longo da ferramenta e pelo fluido usado para refrigeração e lubrificação.

Somando-se às solicitações termomecânicas, a ferramenta está sujeita a um forte desgaste abrasivo devido à presença de fases duras dispostas na microestrutura da liga. Por esse motivo, as brocas helicoidais utilizadas na usinagem de furos nesse material apresentam vidas úteis curtas e produtividade reduzida[4,9].

Canais de refrigeração e vida útil

O suprimento de fluido para refrigeração e lubrificação durante a furação ocorre por meio de canais de refrigeração internos, cuja saída encontra-se posicionada no interior do flanco da ferramenta. O fluido que sai dos canais primeiramente entra em contato com o fundo do furo e; a seguir, parte dele segue sobre o flanco da ferramenta, na direção do corte, enquanto que a maior parte do fluido entra em seu sulco.

Figura 2 – Ferramenta modificada pelo processamento a laser (Fonte: ISF)

Uma alimentação direta sobre a superfície de ataque, como ocorre normalmente no torneamento, não pode ser usada na furação. Também deve ser lembrado que a pressão alcançável do fluido para refrigeração e lubrificação é limitada pela configuração construtiva da máquina-ferramenta, de forma que a refrigeração a alta pressão que se estabelece no torneamento, que alcança valores de até 350 bar, não pode ser aproveitada para melhorar o processo de furação. Aqui a pressão normal atinge valores inferiores a 80 bar[1,8].

A variável de processo mais importante que influencia a refrigeração e lubrificação na furação é a seção transversal dos canais de refrigeração e sua localização no interior do fl anco da ferramenta. Contudo, a configuração restante da ferramenta, como o ângulo de ataque ou alterações nas saídas do canal de refrigeração através de elementos adicionais, também altera o fluxo do fluido para refrigeração e lubrificação. Além de investigações experimentais, foram realizadas numerosas simulações de circulação para se poder analisar detalhadamente as condições de fluxo dominantes durante a furação [5,6].

Comparação entre três ferramentas e modificações em seus flancos

Foi estudada a influência do suprimento do fluido para refrigeração e lubrificação sobre o resultado da usinagem em função de diferentes diâmetros dos canais de refrigeração, bem como da modificação no flanco de uma broca helicoidal feita de metal duro sem revestimento com 6,8 mm de diâmetro. A liga Inconel 718 usada nos ensaios encontrava-se no estado totalmente envelhecido e apresentava dureza superior a 450 HV30. Foram usinados furos passantes com profundidade de 34 mm empregando-se velocidade de corte vc igual a 35 rpm e avanço f de 0,1 mm. A emulsão a 5% utilizada foi fornecida sob pressão de 60 bar.

Foram consideradas três variantes de ferramenta: além de modelos padronizados com canal de refrigeração com diâmetro dkk igual a 1 mm e 1,25 mm, foi usada uma ferramenta modificada por laser (dkk igual a 1 mm). A ampliação do canal de refrigeração promoveu uma elevação do volume de fluido para refrigeração e lubrificação de 2,9 l/min para 5,7 l/min. Por sua vez, a modificação no flanco da ferramenta (figura 2) não influenciou a vazão do fluido.

A ranhura introduzida no flanco da ferramenta, com profundidade t igual a 50 μm, seguia a trajetória de corte a uma distância de 150 a 200 μm. A estrutura irregular da superfície foi obtida pelo processamento a laser pulsante de fibra do tipo Nd:YAG. A duração de pulso proporcionalmente mais longa promoveu a formação de regiões fundidas e trincas próximas à superfície da broca as quais, contudo, não afetaram a funcionalidade da ferramenta.

Figura 3 – Marcas máximas de desgaste na largura ao longo do comprimento de furação (Fonte: ISF)

A ranhura deve limitar o progresso do desgaste no flanco da ferramenta, particularmente na região da aresta de corte e, simultaneamente, aumentar a seção transversal hidráulica próxima ao corte, de forma que uma maior quantidade de fluido para refrigeração e lubrificação possa fluir na direção do corte. Com uma configuração similar a essa, é possível elevar consideravelmente a durabilidade da ferramenta, tanto na furação de materiais duros, como ao se usar ferramentas de fresamento dotadas de pastilhas de corte indexadas[3,7].

As diferenças em termos do fluxo de fluido para refrigeração e lubrificação entre as ferramentas puderam ser consideradas de forma detalhada tanto a partir de ensaios experimentais, como do uso de simulação pela técnica de dinâmica computacional de fluidos (CFD, de Computational Fluid Dynamics).

Desempenho das ferramentas

Ainda que a vazão de fluido tenha praticamente duplicado após o aumento do diâmetro dos canais de refrigeração, as vidas úteis das diferentes ferramentas foram comparáveis, independentemente do valor desse diâmetro (figura 3). Por sua vez, a modificação a laser na aresta de corte da ferramenta elevou a vida útil da ferramenta até um valor de comprimento de furação Lf igual a 3,4 m.

O desgaste do flanco da ferramenta se manteve limitado ao longo de uma ampla extensão do comprimento de furação, mantendo um patamar constante cujo valor depende do posicionamento preciso da ranhura e que, portanto, pode assumir diferentes valores. A largura das marcas de desgaste passou a aumentar assim que o desgaste atingiu a região atrás da ranhura.

Figura 4 – Comparação entre as condições de desgaste das ferramentas (Fonte: ISF)

A figura 4 mostra uma comparação entre as condições de desgaste. Juntamente com um considerável depósito de material no chanfro-guia, também podem ser observados resíduos queimados de fluido para refrigeração e lubrificação sobre o flanco da ferramenta, que desapareceram quando foram usados canais de refrigeração com maior diâmetro.

Por sua vez, no caso da ferramenta modificada a laser, esses resíduos apareceram preponderantemente na região frontal da ranhura, o que indicou a ocorrência de menores solicitações térmicas sobre o vértice de corte da ferramenta. Isso também foi confir mado pela comparação entre as microestr uturas das zonas periféricas (figura 5), a qual mostra que a profundidade de defor mação foi significativamente reduzida por conta da modificação da ferramenta. Consequentemente, a ranhura não só restringiu o desgaste no flanco da ferramenta, como também melhorou o suprimento de fluido de refrigeração e lubrificação sobre o vértice de corte.

Figura 5 – Microestrutura das zonas periféricas na direção circunferencial para uma profundidade de broca ‘l’ igual a 1 mm (Fonte: ISF)

Análise por CFD

A utilização da simulação por dinâmica computacional de fluidos (CFD) permitiu analisar detalhadamente a influência do diâmetro do canal de refrigeração, bem como a da ranhura, sobre o fluxo do fluido para refrigeração e lubrificação. Em função do formato complexo da broca e de suas reduzidas dimensões, par ticular mente na região de corte, a seleção correta do modelo de turbulência e uma geração de malha acurada constituem premissas fundamentais para se obter resultados válidos[2,5].

Os resultados de tais simulações estão mostrados na figura 6 em função das linhas e velocidades de circulação nas proximidades da superfície da ferramenta. As velocidades de circulação e, igualmente, as regiões atravessadas pelo fluxo de fluido para refrigeração e lubrificação permaneceram inalteradas, apesar da duplicação da vazão ocorrida nas ferramentas nas quais houve aumento da seção transversal do canal de refrigeração.

Particularmente a região do vértice externo de corte foi alcançada de forma insuficiente por esse fluido, uma vez que ocorreram níveis máximos de formação de depósitos nessa região. De forma geral, os resultados da simulação usando a dinâmica computacional de fluidos e a formação de depósitos mostraram alto grau de concordância.

Isto também se aplicou à ferramenta modificada a laser. As simulações usando dinâmica computacional de fluidos mostraram que, no interior de toda a ranhura e na região do vértice de corte, surgiram turbulências adicionais, as quais restringiram as zonas mortas das condições de circulação do fluido para refrigeração e lubrificação.

Ainda que este fluido não alcance as proximidades de uma ampla região, em virtude da distância entre a ranhura e o corte, ocorreu melhoria na remoção do calor gerado pelo processo, em função da maior vazão no interior da ranhura e da presença de turbulências adicionais, além de maiores velocidades de circulação. A redução da formação de depósitos que foi observada nos ensaios práticos confirmou essas constatações.

Figura 6 – Comparação entre os resultados da simulação de circulação de fluido para refrigeração e lubrificação e das ferramentas após a execução de um comprimento de furação lf = 0,034 m (Fonte: ISF)

Suprimento direcionado melhora a refrigeração

Os resultados mostraram que uma elevação na vazão volumétrica global do fluido para refrigeração e lubrificação somente produz bons resultados quando ele alcança a região da ferramenta que se encontra submetida às altas solicitações térmicas e mecânicas do processo de usinagem.

Contudo, na furação usando broca helicoidal, isso não ocorre sob as condições de circulação existentes, e a vazão adicional flui exclusivamente na ranhura. Sob tais circunstâncias, a adoção de canais de refrigeração mais estreitos oferece vantagens, já que é possível reduzir a potência das bombas sem prejudicar o desempenho sob serviço.

Contudo, por meio da modificação a laser do flanco da ferramenta, pode-se elevar a quantidade de fluido para refrigeração e lubrificação que chega até o corte e, dessa forma, intensificar a remoção de calor. Além disso, a ranhura introduzida permite restringir o desgaste do flanco da ferramenta e aumentar sua vida útil em até 50%. A modificação a laser do flanco da ferramenta oferece vantagens significativas, particularmente no caso da usinagem de furos a altas solicitações térmicas sobre a ferramenta.

Além disso, a flexibilidade do processamento a laser também possibilita a introdução de estruturas muito mais complexas que não podiam ser confeccionadas com os processos disponíveis até o momento. Tais estruturas permitem aproveitar de forma mais eficiente o fluido para refrigeração e lubrificação fornecido ao processo, permitindo alcançar os níveis desejados de suprimento.

Portanto, as possibilidades do processamento a laser e as melhorias que podem ser alcançadas do ponto de vista da refrigeração e da lubrificação durante a furação de materiais sofisticados estarão no foco dos próximos estudos.

Referências

  1. Astakhov, V. P.: Drills. CRC Press, ISBN 978-1-4665-8434-1, Boca Raton, FL, 2014.
  2. Beer, N.; Oezkaya, E.; Biermann, D.: Drilling of Inconel 718 with geometry modified twist drills. Procedia CIRP 9, DOI: 10.1016/j. procir.2014.07-124, p. 49-55, 2014.
  3. Bergmann, B.: Studie zu freiflächen-geometrien beim hartfräsen liefert erste ergebnisse. VDW Branchenreport 12, p. 15-16, 2012.
  4. Donachie, M. J.; Donachie, S. J.: Superalloys. ASM, Materials Park, ISBN 978-0-8717-0749-9, Ohio, 2008.
  5. Fallestein, F.; Aurich, J. C.: CFD based investigation on internal cooling of twist drills. Procedia CIRP 14, DOI: 10.1016/j.procir.2014.03.112, p. 293-298, 2014.
  6. Hänle, P.; Schwenck, M.: Optimization of cutting tools using CA-technologies. In: Neugebauer, R.: Proceedings of the 8th CIRP International Workshop on Mondeling of Machining Operations. Fraunhofer Institute for Machine Tools and Forming Technology IWU, Verlag Wissenschaftliche Scripten, Chemnitz, Alemanha, 2005.
  7. Meyer, R.: Neue schneidengeometrien en zur verbesserung des werkzeugeinsatzverhaltens beim hartdrehen. Dissertation Leibniz Universität Hannover, PZH Produktionstechnisches Zentrum, ISBN 978-3-94310435-6, Garbsen, 2011.
  8. Sangermann, H.: Hochdruckkühlschmierstoffzufurh in der zerspanung. Dissertation, Rheinisch-Westfälische Technische Hochschule Aachen, ISBN 978-3-86359-148-9, Apprimus-Verlag, Aachen, 2013.
  9. Wessels, T.: Bohren in titan und nickelbasislegierungen. Dissertation Technische Universität Braunschweig, Vulkan Verlag, Essen, ISBN 978-3-8027-8695-2, 2007.